Com grande poder vem uma grande responsabilidade
O papel das marcas em movimentos contemporâneos
As marcas e, portanto, a publicidade sempre estiveram diretamente conectadas com o espírito de suas épocas. É impossível não ser assim já que elas fazem parte ativamente do nosso cotidiano, do que consumimos, como consumimos e como nos comunicamos.
Por isso, não é estranho que, assim como alguns costumes de épocas, tantas campanhas pareçam ter envelhecido mal de acordo com a evolução dos comportamentos da sociedade atual.
Alguns dos exemplos mais emblemáticos disso são os anúncios da indústria de tabaco, que vendem a ideia de uma vida de liberdade e, muitas vezes, saúde, que não condiz com a nossa visão atual sobre o produto. O mesmo ocorre com muitas campanhas dos anos 1940, 1950, 1960, que colocam as mulheres em um papel de submissão aos seus maridos.
Exatamente por isso, não é de se estranhar que, conforme os tempos mudam, as empresas aparentem estar ansiosas para criar campanhas e produtos que estejam de acordo com o que seu público quer ver, ouvir e consumir.
A questão é que, apesar dos esforços de se manterem neutras, a partir da página 2, não é possível apenas surfar no zeitgeist, fazemos parte intrinsecamente dele. Isso está ficando cada vez mais claro para os consumidores, que esperam que as marcas exerçam suas responsabilidades e obrigações em busca de uma sociedade mais harmônica para além de suas bonitas campanhas publicitárias.
Todos os meses de junho somos inundados com diversos anúncios, produtos, posts de marcas apoiando a diversidade, falando para as pessoas abraçarem suas cores, respeitarem as diferenças e os arco-íris, muitos, muitos e muitos arcos-íris!
E a comunidade LGBTQIA+?
Como uma aliada da comunidade LGBTQIA+, existe uma questão extremamente importante que martela a minha cabeça e a de todos os membros e aliados da comunidade que trabalham e consomem de marcas tão ávidas em usar os seus símbolos: Onde estão essas marcas durante uma crise que ameaça aos direitos humanos da comunidade LGBTQIA+? Uma parte de nossos legisladores está tentando fazer com que o casamento homoafetivo não seja mais permitido no Brasil, e cadê as empresas que levantam tantas bandeiras a favor da diversidade no momento em que a comunidade mais precisa de apoio?
Pessoalmente, sou contra a teoria de que marcas devam se manter neutras em questões consideradas polêmicas, uma vez que as empresas são feitas por clientes, funcionários e parceiros que vivem, convivem e sobrevivem com as consequências destas polêmicas. Profissionalmente, até consigo entender o motivo por trás das organizações se posicionarem dessa forma. Nem todas as pessoas são ativistas, assim como nem todas as empresas são ativistas, e está tudo bem.
O que nós, como profissionais de marketing e comunicação, não podemos continuar achando normal e corriqueiro é que assuntos como esses, que afetam diretamente a existência de várias pessoas, sejam apenas tratados em conversas superficiais.
Da próxima vez que for criar uma campanha ao redor de grupos marginalizados, reflita, nós queremos e temos condição de ir além neste tópico? Nós estaremos ativamente ao lado dessa comunidade em tempos difíceis? Nossa motivação para falar sobre o assunto vai além do engajamento nas mídias sociais e um momentâneo aumento nas vendas? Se as respostas para essas perguntas for qualquer coisa diferente de um “sim”, não siga adiante!
E novamente voltamos para a questão de como informação é ouro. É essencial conhecer nosso público antes de tomar qualquer decisão empresarial ou mercadológica. Público são todas as pessoas que já são clientes, que trabalham conosco, parceiros, fornecedores, possíveis compradores, talentos que queremos atrair e, claro, a sociedade em geral. Todos são importantes para quem quer construir uma real reputação de marca.
De social listening à análises de tipos de perfis de clientes, de linhas de produtos consumidos até dados de diversidade internos de uma empresa, tudo isso nos ajuda a ter clareza sobre quais causas apoiar como marca de uma maneira que seja mais genuína e que não nos coloque em posições nas quais não queremos estar. Com a cultura do cancelamento, as marcas estão sendo cada vez mais pressionadas e questionadas quando o “lacre” pregado em sua publicidade não está sendo colocado em prática na vida real.
Um exemplo disso é a Disney que, mesmo sendo pioneira em oferecer direitos igualitários aos seus membros de equipe pertencentes à comunidade LGBTQIA+, contando com uma linha de produtos Pride, reservando um dia Pride em seus parques, e com diversas outras ações de apoio a comunidade, em um primeiro momento, se posicionou como “não é da nossa conta, não vamos opinar” em relação a lei na Flórida popularmente conhecida como “Don’t Say Gay”, que coloca em risco a integridade de jovens por conta de suas orientações sexuais e identidade de gênero.
A empresa sofreu um grande backlash de seus funcionários e aficionados ao redor do mundo, e claro, recebeu apoio de pessoas da ala conservadora. Por saberem que esse não era um tópico que podiam dar às costas, voltaram atrás e se manifestaram de maneira alta e clara a favor da comunidade LGBT, que representa um percentual altíssimo em seu quadro de funcionários e de fãs.
Ao contrário da Disney, uma marca que, sem pensar duas vezes, saiu em apoio a comunidade LGBTQIA+ quando começou todas as discussões em relação a proibição ou não do casamento homoafetivo foi o Burger King. A empresa sempre levantou bandeiras de diversidade e se manteve firme no seu posicionamento, defendendo a causa dessa comunidade, com o lançamento de diversas campanhas nas suas redes sociais em defesa ao casamento de pessoas do mesmo sexo. Isso mostra como a marca é coerente com seus valores e, sem dúvidas, fortaleceu a reputação da organização.
Meu conselho é: compreenda e acolha as pessoas que fazem com que a sua marca seja tão especial. Não porque eles representam números nas vendas, mas porque são eles seus principais stakeholders e fies evangelizadores. Encontre quais são as causas que unem a sua marca com seu público e esteja disposto a defendê-los com o mesmo afinco que eles defendem seus produtos e a sua empresa frente aos concorrentes.