Prodabel capacita jovens com autismo para se tornarem desenvolvedores

Iniciativa de inclusão social foi reconhecida pelo prêmio 'As 100+ Inovadoras no Uso de TI' em menção honrosa

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8:30 am - 25 de setembro de 2020

Há três anos, o professor e desenvolvedor Leandro Garcia é também o presidente da Prodabel, estatal de economia mista, a qual tem a prefeitura de Belo Horizonte como sócia-majoritária. A empresa está a serviço da tecnologia da cidade. Garcia também é Diretor de Inclusão Digital da empresa, onde, junto com sua equipe, desenvolveu programas de inclusão digital, o que lhe rendeu a Menção Honrosa no prêmio “As 100+Inovadoras no Uso de TI” pelo projeto Programando Sonhos Especiais.

Entusiasta da tecnologia, Garcia tem um prazer profundo em ensinar e acredita no poder da educação e da tecnologia. “Principalmente se isso está aliado a um cunho social e pode fazer diferença na vida das pessoas”, ressalta.

Foi a partir de uma experiência anterior à Prodrabel, com o projeto Programando Sonhos Delas, e a experiência pessoal de membros da equipe que a empresa desenvolveu o Programando Sonhos Especiais.

Programando sonhos

Para contar a história do projeto Programando Sonhos Especiais é preciso contar sua origem no programa Programando Sonhos Delas. A inclusão social é parte central da Prodabel, que há dez anos tem um diretoria própria para o assunto, mas foi a partir do projeto para formação de desenvolvedoras que a Prodabel estendeu a ideia e criou um projeto especial.

Até 2019, a Prodabel possuía cursos básicos, aberto a todos os públicos, como internet e informática básica. Além dos cursos, a empresa também tinha como missão especial dar apoio às startups da cidade. Segundo Garcia, isso os aproximou da realidade das empresas de tecnologia da capital mineira. “A gente descobriu a profundidade do problema, que existe uma demanda reprimida de programadores. Então resolvemos dar um passo além da inclusão digital, mas também para a qualificação dos profissionais que passavam por ali”, conta Garcia.

A partir disso, foi criado o programa Programando Sonhos Delas, que deu oportunidade para 2.000 mulheres que vivem em áreas de vulnerabilidade. Garcia conta que antes do programa tinham dificuldade para preencher uma turma de 20 vagas, mas quando trocaram a vogal do programa, focando-o para mulheres, em duas semanas havia 3.000 inscritas.

A procura ampliou o programa. Garcia crê que, ao mudar a abordagem, as mulheres consideraram o curso mais convidativo, uma vez que é um ambiente reconhecidamente masculino. Com isso, o formato dos cursos também mudou, porém agora com a cooperação das empresas, que passaram a usar a metodologia da Prodabel para aplicar os cursos internamente e ter contato com as estudantes, o que funcionava como uma forma de “olheiros” para futuras contratadas.

“A palavra inclusão passou a fazer parte do nosso dia a dia, não só como missão, mas acabamos precisando entender mais profundamente o tema, pois estávamos lidando com pessoas que demandavam [atenção especial]… a gente costuma dizer que para haver inclusão não basta colocar a pessoa excluída como usuário [da tecnologia], mas colocar a pessoa como um ator fundamental no processo. Um passo da inclusão é tornar as pessoas usuárias, mas o passo mais importante para gerar inclusão é ter diversidade no processo de produção da tecnologia”, comenta.

Mas oferecer cursos exclusivos para minorias no segmento não é suficiente. A Prodabel precisava fazer um trabalho cuidadoso para evitar que as alunas e os alunos especiais desistissem do curso, pois há um grande estigma sobre a carreira de desenvolvedor que pode levá-los a acreditar que “isso não é para eles”.

“O desafio que a gente precisa enfrentar quando o público é diferente [do majoritário] é um trabalho psicológico, porque ainda se tem uma ideia de que programação é para gênios da matemática. E isso é bobeira, qualquer pessoa pode ser programador”, afirma.

Sonhos especiais

Tem um menor aprendiz na Prodabel chamado Lucas que é autista. Toda vez que ele cruza com o Garcia na empresa ele faz perguntas específicas sobre tecnologia, usando jargões técnicos, conta o executivo. Para Garcia, era nítido que Lucas tinha um interesse profundo sobre o tema, o que o levava a estudar sobre. A partir disso, Lucas foi transferido do setor administrativo para uma área mais técnica. Além dele, a filha de um dos funcionários também com certo nível de autismo, levou ao desenvolvimento de um novo projeto no início deste ano.

A experiência agregada no Programando Sonhos Delas, somada a experiência interna dos colaboradores da empresa, os levou a desenvolver o Programando Sonhos Especiais. “Foi um processo muito orgânico, entendemos que a inclusão digital é o caminho para um mundo melhor onde todos sejam vistos e capazes. Depois do Programando Sonhos Delas, onde ganhamos até reconhecimento internacional, trazer esse projeto para jovens especiais apenas ratifica nossa vontade de transformação social. […] Com isso, objetivamos incluí-los [pessoas com autismo e Síndrome de Down] neste novo mercado, revelando talentos na programação e dando possibilidade de contratação e inclusão para os Especiais”, comenta.

Somado a isso, Garcia aponta para a questão legal, que obriga as empresas a contratarem pessoas com deficiência. Empresas muito segmentadas da tecnologia tinham dificuldade de contratar profissionais com deficiência com a capacitação específica necessária. “É inacreditável acreditar o quanto somos desinformados de sua capacidade, que em alguns casos (autistas leves) podem até superar as capacidades de raciocínio lógico e matemático de pessoas sem autismo”, comenta.

EAD

Logo após a abertura do programa veio a pandemia e a empresa precisou adaptar a oferta do curso. O que poderia ser um problema se tornou um oportunidade de expansão. “Hoje temos sete mil inscritos, conseguimos atingir mais pessoas do que antes com o EAD”, afirma. Não existe filtro ou processo seletivo para entrar. Os inscritos passam por um teste de proficiência para saber o nível de conhecimento que têm pelo assunto e classificar o nível de maturidade, de forma a serem colocados na jornada de aprendizado adequada.

Garcia aponta que outra vantagem para o programa Sonhos Especiais no modelo de ensino à distância é a participação dos pais. “Esse programa passa pelos pais e os instrui a terem esse caminho psicológico, quebrar essas barreiras”, diz. Embora tenha tido um enorme sucesso com o curso EAD, a perspectiva do executivo é que depois da pandemia o curso continue de forma híbrida, de maneira que os professores possam acompanhar mais de perto o desenvolvimento psicológico contra o estigma da profissão, estimulando-os a concluir o curso.

Para ele é muito importante que se quebre a homogeneização da profissão para oportunizar outras pessoas e também levar diversidade ao mercado de trabalho. “O resultado disso altera o produto final, na minha opinião, tem um benefício adicional. A área de software é um processo produtivo que demanda criatividade, por exemplo, você junta um monte de homens brancos de uma zona rica de BH… isso não vai trazer diversidade com criatividade. Pessoas diferentes pensando no mesmo problema, provavelmente, vão encontrar um caminho mais criativo e desejável. A diversidade traz benefícios muito profundos”, comenta Garcia.

“Acreditamos na inclusão digital como catalisador da transformação social. Munir estas pessoas especiais com conhecimento e oportunidade de estarem mais incluídos não torna apenas a cidade mais inteligente e conectada, mas o mundo um lugar menos desigual e acessível”, finaliza.

 

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