O que a China tem feito para ser referência em inteligência artificial

Plano nacional do governo chinês define 2030 como meta para o país ser líder em AI

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11:24 am - 04 de julho de 2018
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China possui grandes ambições em inteligência artificial e um plano nacional divulgado no ano passado pelo governo dá o claro tom de onde o país quer chegar: tornar-se líder global da tecnologia até o ano de 2030. Para se tornar a número 1 e tirar o título atual dos Estados Unidos, o gigante asiático tem incentivado e investido pesado para que startups e grandes empresas desenvolvam tecnologias que assumam, eventualmente, parte das funções e alguns dos nossos talentos humanos de forma autônoma.  

Relatório da CBInsights deste ano levantou que em 2017, as startups de inteligência artificial chinesas abocanharam 48% de todo o valor investido em startups de AI do mundo, superando os EUA em investimentos pela primeira vez. Para colocar isso em perspectiva, em 2016, a China contabilizava 11,3% desse investimento global. Outro reflexo dessa ambição chinesa diz respeito ao número acumulado de patentes e pesquisa. Em 2017, o país também superou os EUA em publicações relacionadas a deep learning, AI e machine learning. 

Enquanto os EUA é lar de empresas como o GoogleMicrosoftIBM e Apple, gigantes que têm evoluído tecnologias em AI, a China é endereço fixo da BaiduTencent HoldingsAlibabaHuawei e Hisense. Durante a CES Asia, que aconteceu no último mês, em Xangai, todas as empresas, de uma forma ou de outra, endereçaram o tema. A inteligência artificial ganhou tamanha dimensão e importância, que a organização do evento achou apropriado colocar a tecnologia como uma categoria de produto nesta quarta edição. Um dos principais anúncios foi o lançamento de um carro conceito da startup automotiva Byton. A empresa firmou parceria com a Baidu, o Google da China, para desenvolver a inteligência artificial que alimentará a interface do usuário do veículo autônomo que a Byton promete estrear nas ruas chinesas em 2021. A ideia é que passageiros possam controlar tudo do carro por meio de comandos de voz. 

Conveniência habilitada por AI

A expectativa da indústria é que a inteligência artificial se torne onipresente na vida de consumidores e das empresas. E o mercado chinês parece estar à frente desse futuro vindouro. Tome como o exemplo a Hisense, maior fabricante de TVs da China. A empresa tem empregado inteligência artificial para suas televisões premium em uma série  de recursos, entre eles um aplicativo alimentado com tecnologia de reconhecimento facial para o conteúdo transmitido pela TV. Entre as possibilidades mais pontuais diz respeito a Copa do Mundo. Caso a sua vaga memória não se dê conta de lembrar do nome e do histórico do camisa 12 da seleção belga, a TV dará conta de suprir a sua curiosidade instantânea, oferecendo informações para você requisitadas, é claro, por comandos de voz.

“A inteligência artificial não é  um hype da indústria”, disse Yu Zhitao, gerente geral da Hisense. “Inteligência artificial, interação com voz, machine learning, tudo isso é integrado a TV. Ela poderá ‘pensar’ e aprender como seres humanos”, explicou o executivo sobre um dos novos produtos da Hisense. 

A gigante de e-commerce Alibaba tem planos sérios para a inteligência artificial, tanto que lançou há dois anos uma unidade dedicada exclusivamente à tecnologia, o AI Labs. Se no mercado ocidental, principalmente, o norte-americano, Google e Amazon disputam pelo futuro da casa conectada por meio de suas assistentes virtuais Alexa e Google Home, a Alibaba é líder na China com a Tmall Genie. Trata-se de um dispositivo assim como as concorrentes, mas que tem escalado exponencialmente no mercado local. Em menos de um  ano, a gigante de Jack Ma, vendeu 2 milhões de unidades de seu acessório que consegue responder a comandos de voz, tocar música, ler histórias para crianças e ligar objetos conectados, além de comprar produtos diretos do site Tmall, uma espécie de Amazon do mercado chinês.  

Durante seu keynote na CES Asia, Miffy Chen, líder do AI Labs, anunciou o TMall Genie AI Union, um esforço para atrair mais parceiros à plataforma da sua assistente. Chen, entretanto, lembrou que a indústria precisa acelerar para acompanhar as exigências de um consumidor que, se não atendidas com o senso de urgência que desenvolvemos nos últimos anos, serão facilmente frustradas. “A indústria não evoluiu ainda para acompanhar as expectativas do usuário”, disse Chen. “A interface da IoT precisa melhorar”, completou.

Onipresença artificial

Um dos produtos exibidos que mais chamou atenção de quem passava pelo pavilhão da CES habitado por produtos de inteligência artificial era o da startup Horizon Robotics. Nele, um telão transmitia em tempo real as imagens de transeuntes e suas expressões de surpresa quando notavam que o telão também exibia molduras em seus rostos e algumas informações sobre os mesmos. Vale fazer aqui um breve parênteses: a China possui a mais alta rede de câmeras de vigilância do mundo – são 170 milhões espalhadas atualmente – e cidades já testam tecnologia de reconhecimento facial para “acompanhar” seus cidadãos. A estimativa é que o país supere os 626 milhões de câmeras de segurança em três anos. Em abril deste ano, um homem foragido foi preso após sistema de reconhecimento facial alimentado com IA alertar autoridades sobre sua presença em uma multidão de 60 mil pessoas em um festival de música.

De olho em um mercado de vigilância “inteligente” em ascensão, a Horizon Robotics tem feito avanços significativos com processadores alimentados com AI para equipar desde câmeras de segurança inteligentes a veículos autônomos. A empresa tem a Intel como uma de suas investidoras e seu CEO, Yu Kai, é ex-chefe do Instituto de Deep Learning da Baidu. A expectativa é que a Horizon Robotics possa, no futuro, rivalizar com a Qualcomm e a Nvidia em um mercado de chips que não conta com muitos concorrentes. Segundo informações do site China Daily, a China gasta mais de US$ 200 bilhões importando processadores todos os anos. 

A empresa diz que utiliza de técnicas de software e deep learning para imitar a atividade cerebral humana. Essas técnicas ajudam o computador a aprender sobre o comportamento humano ao surfar através de vastos volumes de dados neurais e entender como uma pessoa irá comportar dada uma situação. 

Uma questão de privacidade

Para além dos avanços da tecnologia, o sistema de vigilância chinesa recebe duras críticas. Afinal, em um mundo onde seus dados podem dizer muito sobre você e, até mesmo em alguns casos, prever comportamentos, um cidadão terá cada vez menos o livre arbítrio do erro, tampouco, da defesa. 

A questão levanta debates éticos e pesquisadores argumentam que a China deve se tornar líder em inteligência artificial justamente porque o gigante asiático não tem o mesmo escrutínio a respeito da privacidade dos dados de seus usuários que países ocidentais se veem obrigados a ter.

Empresas de tecnologia possuem uma vasta oferta de engenheiros para escreverem software, uma base de 751 milhões de usuários de internet para testar suas tecnologias e o mais importante: o apoio incondicional do governo. Dados são um fator chave para avançar a AI, porque é por meio deles que engenheiros conseguem alimentar a tecnologia para adaptar e aprender novas habilidades sem a interferência humana. 

Para colocar a sede chinesa por AI em perspectiva, em cinco anos, o governo local reivindica que a indústria de AI irá criar uma economia ativa de 400 bilhões de Yuan, algo como 59 bilhões de dólares. Dados são uma fonte, aparentemente, inesgotável de competitividade e oportunidades para companhias se sofisticarem e outras surgirem. 

E se de um lado, o mercado chinês de AI acelera rápido, porque as pessoas estão dispostas a assumirem os riscos e de adotarem novas tecnologias mais rapidamente, de outro, a China com seus avanços em reconhecimento facial e afins parece incorporar um pesadelo distópico de um futuro possível no ocidente.

*A jornalista viajou a Xangai a convite da CTA

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