Empresas de recrutamento surfam no trabalho remoto e exportam talento brasileiro

Posição geográfica privilegiada do Brasil e Real desvalorizado frente ao Dólar fazem do país um celeiro de talento a ser explorado por ecossistema B2B

Author Photo
7:10 pm - 23 de dezembro de 2021
desenvolvedor home office Reprodução/Shutter Stock

Na última quarta-feira (22), a plataforma Turing, que promove conexões entre desenvolvedores globais e empresas dos Estados Unidos, se tornou um unicórnio. O marco bilionário da startup foi atingido após uma rodada liderada pela WestBridge Capital, e teve participação de investidores como a Foundation Capital e o StepStone Group.

No anúncio do investimento, Jonathan Siddharth, fundador e CEO da Turing, celebrou o “mundo remoto” em que vivemos, no qual empresas podem buscar talentos em qualquer lugar para compor seus times. “O futuro são equipes globais distribuídas remotamente”, celebrou o executivo.

O bom momento da Turing é reflexo de uma tendência que cresce há anos, mas que se acelerou ao longo de 2020 e 2021: a da exportação de talentos de TI. Com uma organização de trabalho que permite a esse profissional trabalhar com facilidade em qualquer localidade, o mundo remoto acelerado durante a pandemia da Covid-19 tornou a prática ainda mais comum. Isso, é claro, inclui talentos brasileiros.

Só neste ano, entre janeiro e outubro, os brasileiros que prestam serviços para empresas no exterior receberam um total de US$ 26,9 bilhões. O número representou um crescimento de 16% na comparação com o mesmo período de 2020.

Os dados são parte de levantamento feito pela Remessa Online, plataforma digital brasileira de transferências internacionais, realizado com informações do Banco Central do Brasil. Países como os Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Austrália, Espanha, Irlanda, Portugal e Nova Zelândia estiveram entre os que mais contrataram serviços de brasileiros no período, diz a empresa.

Leia também: TIC em 2022: quais as expectativas dos CIOs?

“Justamente as empresas destes países com moedas fortes como Dólar e Euro, por exemplo, aproveitam a valorização de suas moedas para buscar prestadores de serviço qualificados fora de seus territórios, assim como no Brasil, onde essa contratação representa uma boa oportunidade tanto para o profissional, quanto para a empresa contratante”, afirmou Alexandre Liuzzi, diretor de estratégia da Remessa Online.

Como de costume, a aceleração dessa tendência foi positiva não apenas para os profissionais que têm exportado sua mão-de-obra. Ao redor do mercado bilionário, um ecossistema de empresas de outsourcing também têm crescido e ganhado espaço fazendo a ponte entre profissionais de TI freelancers e companhias que buscam talentos globais. E os planos para o Brasil são ambiciosos.

À procura dos devs

“A gente vê uma característica muito importante do brasileiro que é a adaptabilidade. Ele não está acostumado a ficar fechado em uma caixinha – mexer em uma parte e ficar só nisso. O brasileiro, se pedir, ele se adapta e faz”, contou Álvaro Oliveira, vice-presidente executivo da Andela no Brasil, em entrevista ao IT Forum. “Para desenvolvimento de software isso é muito importante. Os clientes globais adoram isso em trabalhar com brasileiros”.

Fundada em 2014, a Andela é uma empresa focada no recrutamento de desenvolvedores para suprir a necessidade global por talentos na área de TI. Apesar de ser originária dos Estados Unidos, a companhia focou seus esforços no continente africano, em países como Nigéria, Gana e Quênia.

No entanto, a empresa começou um movimento de expansão para outras regiões do globo nos últimos anos, na tentativa de criar uma rede ainda maior de talentos. Desde março deste ano, esse foco se voltou para a América Latina. “Quando você fala de América Latina, tem que se falar de Brasil”, afirmou o vice-presidente executivo da empresa.

Leia mais: Busca por seguro cibernético aumenta, mas falta maturidade às empresas

Segundo o executivo, a decisão da empresa de se mover para essa região é motivada por uma série de fatores – a característica de “faz tudo” de brasileiros e latino-americanos como um todo, é só um deles.

Outro fator, é claro, é o valor das moedas da região frente ao Dólar ou Euro. Com câmbio favorável, alguém que mora no Brasil e recebe em Dólar passou por uma valorização de seu trabalho ao longo dos últimos anos. De acordo com Fernando Rych, gerente sênior de comunidades da Turing para a América Latina, é, no entanto, um terceiro fator que torna a região um ótimo local para empresas – em especial estadunidenses – buscarem talentos.

“Quando você tá falando de empresas americanas, a gente tá falando de empresas de costa a costa. Da Califórnia até a Flórida. São cinco fusos horários aí. Não é simples você contratar alguém da África, da Rússia, da Ásia, e tentar combinar uma reunião”, contou. “Na América Latina, nosso fuso casa muito bem com os dos Estados Unidos. Isso é um detalhe gigantesco, as empresas estão muito interessadas nisso”.

A promessa de benefícios

Para negócios como os da Andela e Turing, os desenvolvedores são o foco central. Criar uma base ampla, com profissionais qualificados para os mais diversos tipos de demanda, é prioritário para atuar como uma ponte entre talentos e corporações. E é nesse momento que essas empresas estão no Brasil.

“Como não existia muito foco no Brasil – e agora começamos [a atuar no país] –, os crescimentos são de três dígitos em porcentual. É muito grande. Mais do que dobrar [a base de talentos] todo mês é uma coisa que acontece”, comentou Oliveira, da Andela, sem abrir números sobre o tamanho da base de talentos da empresa no país.

Para a Turing, o momento é similar. Nos últimos 12 meses, a companhia aumentou seu pool de desenvolvedores em mais de nove vezes. A empresa também adquiriu clientes como Johnson & Johnson, Coinbase, Rivian, Dell, Disney, Plume e VillageMD. A empresa também não abre números sobre o Brasil.

Com a disputa intensa para aumentar seu pool de talentos, as companhias desse ecossistema agora começam a planejar novas ofertas que as diferenciem de concorrentes e incentivem desenvolvedores a escolherem uma empresa ao invés de outra. Nessa disputa, entram diferentes benefícios e abordagens de projetos.

“A Turing se considera uma empresa de carreira remota”, exemplificou Rych, gerente comunidades da Turing desde setembro deste ano. Segundo ele, a organização tem como proposta negociar contratos de longa duração para os desenvolvedores, além de trabalhar com projetos de longo prazo. A Turing tem mais de 500 vagas para desenvolvedores no Brasil no momento.

Veja mais: Turing capta US$ 87 milhões em série D e é novo unicórnio

Na prática, a companhia tem buscado se posicionar como um “RH terceirizado”, reunindo e validando profissionais qualificados para simplificar a busca por talentos. “Quando você negocia com a Turing, você coloca todo o pacote de benefícios da sua empresa atual e o valor que você pede. Esse valor não é contestado pela Turing”, explicou.

Outros tipos de ofertas planejadas pelas empresas ouvidas pelo IT Forum incluem ofertas como plano de saúde, ofertas de adiantamento financeiro, e até para seguros, incluindo seguro vida, automotivo ou residencial. Segundo Álvaro Oliveira, da Andela, esse deve ser um dos focos da empresa em 2022, buscando parceiros que permitam estabelecer ofertas extras para os desenvolvedores da plataforma.

“Se você está sendo um prestador de serviço para fora a partir do Brasil, achar um plano de saúde é algo que você precisa fazer sozinho”, explicou. “Você, como indivíduo, às vezes recebe um não, ou não tem muita flexibilidade de negociar preço”. Em setembro de 2021, a Andela recebeu um novo aporte de US$ 200 milhões liderado pelo SoftBank. A ideia é que o valor ajude a empresa a expandir as ofertas no país.

Mas e a escassez de talentos?

No início de dezembro, a Brasscom atualizou os dados sobre a escassez de talentos brasileira em TI. Segundo a associação, empresas de tecnologia demandarão 797 mil talentos de 2021 a 2025. No entanto. Com um número de formandos aquém da demanda, a projeção é de um déficit anual de 106 mil talentos em TI.

No anúncio, Sergio Paulo Gallindo, presidente executivo da Brasscom, destacou que o problema de falta de talentos foi agravado desde 2019. Mas jogou um olhar positivo sobre o tema: “Uma coisa continua valendo: o Brasil tem vocação para a tecnologia e, se esse desafio for encarado de frente, o país garantirá não apenas que o setor continue crescendo exponencialmente, como oportunizará uma verdadeira transformação da realidade socioeconômica de milhares de famílias”, afirmou.

Empresas ouvidas pelo IT Forum reconhecem o impacto que têm no setor, levando a escassa mão de obra de TI do Brasil para fora. Elas argumentam, no entanto, que têm compromisso com o desenvolvimento do ecossistema local de TI e que têm planos de investir em iniciativas de educação para estimular a formação de profissionais – não apenas levá-los para fora.

“Enquanto a gente traz a oportunidade da exportação, a gente quer trazer também a educação e torná-la mais disponível a todos”, disse o vice-presidente executivo da Andela no Brasil. A maior parte destes planos, no entanto, continua sendo “aspiracional”, ele disse. “Em 2022 a gente vai começar a ter ações efetivas, mas não em grande escala. A gente tem um time de comunidade ativo que vai fomentar pequenos eventos”.

Leia: Médias salariais de profissionais de tecnologia crescem após pandemia

“Quando me pediram para bolar a estratégia da América Latina, eu falei: localização ao máximo. E localização não é tradução de conteúdo. A gente está contratando times que vão ter um community manager para cada país estratégico da América Latina”, afirmou Rych.

De acordo com o gerente de comunidade da Turing, isso significará parcerias com universidades, startups e comunidades locais de desenvolvedores para “subir a régua” da região. “Esse fortalecimento com tech talks, cursos, tudo isso sem ser cobrado, a Turing ajuda o ecossistema local a chegar ao patamar de exportação de serviços e economia local aumenta junto”, pontuou. Segundo ele, já no primeiro trimestre de 2022, a Turing deverá colocar parcerias com ao menos 12 comunidades locais da região para “aceleração”, além de promover cursos. A empresa, no entanto, não abriu detalhes. “É uma alta prioridade nossa”, completou.

Newsletter de tecnologia para você

Os melhores conteúdos do IT Forum na sua caixa de entrada.