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É hora de dar adeus às redes sociais que lucram com a desigualdade

Redes sociais são vistas como um Grande Equalizador. Elas permitem que qualquer pessoa ganhe influência com base nos seus méritos ou posts/conversas. Infelizmente, a busca pela monetização sustentável está levando os sites de mídias sociais a oferecerem sistemas que permitem que as pessoas com dinheiro comprem essa influência.

É uma tendência perturbadora, e vou dizer exatamente o por que ao final do texto. 

Mas antes vamos ver alguns exemplos.

YouTube Super Chat
O YouTube habilitou nesta semana um novo recurso chamado Super Chat. É um recurso do tipo “pay to pin”, o que significa que, durante streamings de vídeo ao vivo (em que os comentários chegam e somem em um instante), o seu dinheiro pode colocar e manter seu comentário no topo da página. Você participa ao clicar em um sinal de dólar, informando então quanto quer gastar. Quanto mais você paga, mais tempo seu comentário fica no topo, com o período máximo de cinco horas. Além disso, seu comentário fica com uma cor diferente e permite usar mais caracteres, assim todo mundo sabe que você pagou. Os donos do canal ficam com o dinheiro.

Spam, trolls e assédios podem ser policiados e moderados em tempo real pelo criador do vídeo, incluindo banir usuários e criar uma lista negra com algumas palavras chave.

O Super Chat já está funcionando em canais selecionados do YouTube em 12 países. O recurso ficará disponível para mais países, criadores e espectadores até o final de janeiro.

O Super Chat substituir o Fan Funding, que era basicamente apenas uma “jarra de gorjetas” para os espectadores contribuírem com as suas personalidades favoritas do YouTube.

Em outras palavras, o YouTube migrou de um sistema que permitia que as pessoas contribuíssem a partir de um desejo de apoiar uma personalidade para outro que as permite comprar influência que outras pessoas não podem pagar.

Tuítes promovidos
O Twitter pode ser uma mídia muito influente.

O novo presidente dos EUA Donald Trump, que ganhou as eleições em parte ao influenciar o público por meio do Twitter, uma vez afirmou que o Twitter é “como ter o seu próprio jornal, mas sem os prejuízos”.

Algumas pessoas ganham influência no Twitter pela qualidade dos seus tuítes ou por outras razões. E a maioria dos principais usuários são cantores, atores, comediantes ou celebridades profissionais, como Kim Kardashian.

Mas você também pode simplesmente comprar influência no Twitter.

A sua página de perfil tem um “house ad” para comprar influência pela seção “Sua atividade no Twitter”. Quando você clica no link “Visualize seus principais tuítes”, é levado para um painel dos tuítes e comentários que tiveram mais engajamento.

Cada tuíte ou comentário possui um botão com os dizeres “Promova” (“Promote”). Ao clicar nele, você pode escolher quanto gostaria de gastar para o Twitter dar mais alcance e engajamento para aquele tuíte – e mais influência do que o seu número de seguidores lhe daria normalmente.

Posts impulsionados no Facebook
O principal fluxo no Facebook para a maioria dos usuários é o Feed de Notícias, que normalmente traz apenas um pequeno conjunto dos posts das pessoas que você segue. Você não vê todos eles, nem de perto.

Como já é de conhecimento geral, o Facebook usa algoritmos para julgar a validade dos posts no Feed de Notícias, e então te mostra os posts que vão te interessar mais, pelo menos de acordo com o algoritmo.

No entanto, a maioria dos seus posts no Facebook não são mostrados no Feed de Notícias dos seus familiares, amigos, coletas, clientes e fãs.

Mas eles podem ser entregues – por um preço, é claro. O Facebook fica mais do que feliz em vender publicidade para os seus usuários. O sistema de posts pagos até permite que você determine especificamente os objetivos da maior parte dos “Likes” ou melhor engajamento – em outras palavras, mais influência.

Nas páginas do Facebook, na verdade, todo post traz o botão “Impulsionar Post” para você comprar influência.

As redes sociais devem vender influência?
À primeira vista, a tendência em direção a monetizar as redes sociais ao vender influência parece inofensiva o bastante.

O post do YouTube anunciando a chegada do Super Chat afirma que o recurso é uma maneira para “os fãs e criadores se conectarem um com o outro” e permite aos fãs “receberem ainda mais atenção do seu criador favorito”.

Isso parece inocente o bastante. Mas vamos dar uma olhada nos comentários do YouTube na prática.

A realidade é que todo mundo que publica no YouTube, Twitter ou Facebook está fazendo isso para alcançar as pessoas.

As pessoas querem convencer as pessoas de um ponto de vista. Algumas vezes esse ponto de vista é oposto a outro ponto de vista. Com o YouTube Super Chat, o ponto de vista apoiado pelo dinheiro acaba vencendo, já que quem tem dinheiro ganha o direito de estar certo e vencer a discussão.

Já vimos trolls comprando anúncios no Twitter. Em maio de 2015, um troll comprou um anúncio de 25 dólares no Twitter pedindo para pessoas transgênero cometerem suicídio. O Super Chat, do YouTube, também pode se mostrar atraente para os trolls, especialmente pelo preço baixo de admissão, permitindo assim que machistas façam comentários contra mulheres e racistas contra minorias, por exemplo. O YouTube vai deixar a cargo do criador do vídeo a tarefa de policiar e monitorar as atividades do Super Chat, mas isso pode ser algo difícil de fazer quando você está focando sua atenção em fazer um vídeo ao vivo. 

Esses sistemas de “pagar para ter influência” simplesmente transformam as redes sociais de uma esfera em que a influência é atingida principalmente por mérito para algo em que os mais ricos podem pagar pela influência – e os mais pobres não.

Grupos diferentes tendem a possuir níveis diversos de renda disponível. Minorias, mulheres, imigrantes, pessoas mais jovens, pessoas solteiras, moradoras de zonas rurais, todos costumam ter menos dinheiro. Então, em teoria, eles possuem menos habilidade de comprar influência em algumas redes sociais e, portanto, possuem menos influência como grupos nas conversas nacionais.

A disparidade em dinheiro disponível é significativa dentro dos países, mas pode ser astronômica entre eles.

Na Austrália, por exemplo, o salário mínimo consiste em 13 dólares por hora, o que significa que pagar 5 dólares pelo Super Chat custa menos de uma hora de trabalho por lá.

Já na Tanzânia, na África, o salário mínimo consiste em 10 centavos de dólar por hora, o que significa que um trabalhador daquele país precisa trabalhar 30 horas para comprar 5 dólares de influência. Na prática, a influência no Super Chat está além do alcance da maioria dos moradores de lá.

A verdade inconveniente sobre a política do Super Chat, do YouTube, significa que os moradores de alguns países podem comprar influência com facilidade, enquanto que outros não possuem o mesmo privilégio.

O mesmo vale para o Twitter e o Facebook.

É assim que a interação nas redes sociais deveria funcionar? Os sistemas de monetização das plataformas devem mesmo privilegiar os grupos e países já privilegiados?

E qual seria a maneira certa de monetizar redes sociais?
O Super Chat, do YouTube, está sendo comparado em reportagens ao Twitch Cheering, que foi lançado no meio do ano passado – o Twitch é a plataforma de vídeo ao vivo da Amazon, focada principalmente em games.

O recurso Cheering permite que as pessoas comprem os chamados “Bits”, que podem ser adicionados aos comentários na forma de Bit Emoticons durante streamings de vídeos em tempo real. Os Bit Emoticons são animados e seu tamanho, cor e formato são determinados pelo número de Bits usado para pagar por eles.

A comparação entre o YouTube Super Chat e o Twitch Cheering é ruim. Por que? O Cheering não impulsiona a influência. As mensagens são tratadas da mesma forma que as outras, e somem da tela tão rapidamente quanto as outras.

Então o Twitch está fazendo isso melhor do que o YouTube, monetizando a plataforma ao permitir que as pessoas que doam mostrem sua doação juntamente com o seu comentário, sem favorecer aquele comentário ou fazer com que tenha uma posição dominante sobre outros comentários naquele vídeo.

A maneira tradicional de monetizar as redes sociais e conteúdos é por meio de publicidade, um modelo que acredito ser o mais ético para se monetizar online. A publicidade é igualitária porque quem não pode comprar os produtos anunciados ainda recebe o conteúdo, a interação e a influência sem pagar nada.

O site de tecnologia The Information cobra uma mensalidade para os internautas lerem seus artigos. Mas isso também é justo, já que é apenas um produto com um preço – os leitores não ganham uma vantagem em termos de influência.

Estou muito interessado na nova direção do Medium. A plataforma social de blogs long-form recentemente dispensou parte da sua equipe e anunciou que seu modelo de monetização não está funcionando. Em vez disso, a empresa pretende implementar um novo sistema em que os autores são recompensados “com base no valor que estão criando para as pessoas”. Não sei o que isso significará na prática, mas, na teoria pelo menos, parece o oposto de pagar para ter influência. 

Existem muitas maneiras para se monetizar sites sociais. Mas fico incomodado com a tendência de vender influência e desigualdade como parte do modelo de negócios.

As redes sociais costumavam fornecer um nível igual para admissão e influência com base em mérito. E é assim que deveria continuar sendo.

Faço aqui um apelo. Vamos apoiar as redes sociais que fornecem um modelo igualitário para todas as vozes – não as que lucram com a desigualdade.

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