Dia do Orgulho: 3 empresas de TI reconhecidas pela inclusão

Accenture, CI&T e Lexmark contam como se tornaram ótimos lugares para pessoas LGBTQIA+ trabalharem com tecnologia

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5:35 pm - 28 de junho de 2022
diversidade, inclusão, união, LGBT, LGBTQIA+ Imagem: Shutterstock

Não é difícil encontrar dados que expliquem o quão desafiador ainda é o mercado de trabalho para pessoas da comunidade LGBTQIA+ no Brasil. O Censo Multissetorial da consultoria Gestão Kairós, por exemplo, aponta que lésbicas, gays e bissexuais são apenas 6% dos funcionários das empresas brasileiras, considerando todos os níveis hierárquicos – pessoas transgênero não chegam a 0,4%.

Os números são de 2021 e consideram um universo de quase 26.700 funcionários em todos os níveis corporativos. E descobriu que, claro, há uma hegemonia de homens (68%), brancos (64%), heterossexuais (94,6%) e cisgêneros (99,6%) no mundo corporativo – números que passam bem longe dos 52% da população brasileira que é mulher, ou dos 56% que se autodeclaram pretos ou pardos.

Outro número, dessa vez levantado pela Great Place to Work com base em um estudo com 14 mil funcionários, mostra que apenas 10% se autodeclaram LGBTQIA+, sendo que só 8% ocupam cargos de liderança (e 6% chegam a presidentes ou diretores). Quase um quarto desse universo (ou 24%) dizem já ter ouvido piadas e comentários preconceituosos com alguma ou muita frequência.

E o mais inquietante: pessoas LGBTQIA+ são as que mais passam por situações de discriminação no trabalho, com cerca de 20% mais assédios e intimidações. Não por acaso a maioria – ou 72% – considera um ambiente inclusivo muito importante. São números de 2021, ou seja, bastante recentes.

Leia também: Comunidade LGBTQIA+ sofre mais com retorno ao trabalho presencial

Mas, ao menos, também há números positivos, indicativos de que a situação ainda é ruim, mas dá sinais de melhora. O estudo da Kairós mostra que 80% dos pesquisados percebem algum tipo de valorização da temática nas empresas – apesar de 38% não percebem ações realmente efetivas de valorização ou contratação de profissionais LGBTQIA+.

“Tivemos avanços muito grandes, mas ao mesmo tempo não suficientes, não chegaram para todo mundo”, disse o fundador da Mais Diversidade, Ricardo Sales, em entrevista recente ao IT Forum. Para ele, que trabalha com o tema desde 2005, o momento é positivo porque “a maioria absoluta das grandes empresas olha para esse assunto com preocupação legítima, porque sabe que é uma demanda dos acionistas e do público”.

Outro indício positivo foi apontado nesse mês do orgulho pela pesquisa HRC Equidade BR, feita pela primeira vez no Brasil pela Human Rights Campaign em parceria com o Instituto +Diversidade e o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+. Entre as 60 empresas brasileiras de vários setores que responderam à pesquisa, 38 obtiveram pontuação máxima e receberam uma certificação de “Melhores Lugares para Trabalhar LGBTI+” [veja o ranking completo abaixo.]

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Três delas – Accenture, CI&T e Lexmark – atuam no setor de tecnologia. O IT Forum conversou com executivos responsáveis por iniciativas de diversidade e inclusão para essa reportagem. Eles apontaram não só vitórias e expectativas, mas também desafios para implementar políticas de inclusão e diversidade para pessoas LBGTQIA+. Leia a seguir.

Lideranças e aliados

Para a Accenture, diversidade e inclusão geram satisfação e motivação para o colaborador, o que traz impacto direto na maneira de trabalhar e no resultado da empresa. Por isso, explica Rafael Bonini, diretor de estratégia da Accenture e líder do grupo de discussão LGBTQIA+, é necessário conhecer a população, suas necessidades e criar iniciativas.

“Nós temos desde iniciativas de nome social nos documentos, até benefícios como suporte cirúrgico para redesignação de gênero”, enumera o executivo. “Temos a inclusão de parceiros homoafetivos no plano de saúde, no caso de união estável e licença parental inclusiva”, exemplifica.

Rafael Bonini Accenture

Rafael Bonini, da Accenture. Foto: Divulgação

A mudança mais recente na companhia, feita há menos de um mês, é a sinalização dos banheiros para que seja clara a inclusão. Eles continuam segregados por questão de legislação, mas as pessoas são, de forma objetiva, informadas de que podem usar aquele compatível com o gênero com que se identificam.

As ações surgem de duas maneiras: globalmente há indicadores sobre o “mínimo” que cada filial pode fazer – respeitando regras e leis locais. A partir dessa régua, os países têm autonomia para criar projetos próprios. O exemplo dos banheiros, por exemplo, é brasileiro.

Para que essas iniciativas aconteçam, Rafael acredita que seja essencial o apoio das lideranças. “Você até consegue ter ações, mas [sem elas] é muito difícil primeiro porque as iniciativas exigem investimento. (…) E mais importante, é preciso que a liderança reconheça que é inclusiva e que trabalha de forma genuína, senão parece só propaganda e não engaja os colaboradores.”

Leia mais: Como dominar o desafio de contratação de diversidade

Rafael é o líder do grupo de discussão LGBTQIA+ na Accenture, um dos grupos de diversidade da empresa. Segundo ele, a criação desses coletivos é importante para dar foco à causa.

“Quando eu olho para pride, contratação hoje é um grande desafio, principalmente para o público trans. Por ser um público muitas vezes marginalizado, teve pouco acesso à educação e tem um ponto de início diferente. Tem que ter uma segmentação. Por outro lado, estamos mais falando da interseccionalidade, porque não somos uma coisa só”, comenta.

Atualmente, a Accenture tem 31 pessoas trans ou declaradamente não-binarias trabalhando no Brasil. A meta, segundo Rafael, é chegar a 50 até o fim do ano. Outra meta é ter mais aliados. São chamados assim a população da companhia (não apenas LGBTQIA+) que suporte a causa e conforte as pessoas. Hoje, são três mil aliados e a empresa espera chegar perto dos 10 mil.

“Nós conseguimos um crescimento grande no número de diretores – mais de 70% são aliados e o Brasil é um destaque em comparação a outros países. Esse número mostra para a população LGBTQIA+ que ela tem suporte”, comemora o executivo.

Diversidade estratégica

“Para nós do grupo de ação significa que trabalhar com foco em transformação com intencionalidade dá certo. Estamos no caminho certo”, diz Camila Rizzo, gerente sênior e colíder do grupo de ação LGBTQIA+ da CI&T, quando perguntada a respeito da entrada da empresa na lista da Human Rights Campaign. “É importante porque materializa para a empresa [a razão por] que a diversidade é priorizada desde o planejamento estratégico.”

Segundo ela, apesar de os valores de diversidade e inclusão serem importantes para a empresa de Campinas “desde sempre”, foi e 2014 que o tema entrou formalmente no planejamento estratégico. Foi um processo evolutivo, lembra ela, e que alcançou força maior a partir de 2016 – e que atualmente tem metas estabelecidas pelo menos até 2025.

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Camila Rizzo, da CI&T. Foto: Divulgação

O grupo de ação específico para a comunidade LGBTQIA+ foi fundado em 2020. Ele é submetido à estrutura de ESG da companhia, e entre seus objetivos estão principalmente mapear oportunidades de melhoria e desdobrar as iniciativas necessárias. Há também outros grupos com outras temáticas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

“São grupos formados na maioria por pessoas que não são da operação de ESG”, explica Camila. “Obviamente conectados à comunidade e a partir das perspectivas dela. Não só entender o que a empresa vai precisar para aumentar a representatividade, mas quais são as dores e as oportunidades.”

Esses grupos têm autonomia, inclusive para administrar o orçamento e avaliar riscos. O dinheiro é gasto respeitando decisões colegiadas e de acordo com os pilares trabalhados estrategicamente. São três: atração de talentos, geração de senso de pertencimento e, por último, desenvolvimento de carreira.

Leia mais: ‘Inclusão é o senso de pertencimento e diversidade são as características’

“A gente fez muito conteúdo para treinamento na plataforma da CI&T. E tem muitos talks [debates], muito investimento em awareness. É um trabalho muito forte do grupo de ação, feito em conjunto com outras áreas. RH e ESG, obviamente”, conta a gerente. “E principalmente com as lideranças.”

Atualmente a CI&T tem 40% de seu quadro composto por grupos minorizados – a meta é chegar a 55%, segundo Camila. Há, claro, muitos desafios para isso, mas o tema seguirá sendo prioridade. “É um trabalho de conscientização que continuará sendo feito.”

Diretrizes globais

Conhecida principalmente pelos equipamentos de impressão e processamento de documentos que fabrica, a americana Lexmark também está na lista de melhores para pessoas LGBTQIA+ trabalharem. Segundo Wagner Grazina, head de recursos humanos da operação brasileira, é a primeira vez que a empresa aparece na lista por aqui – mas nos EUA o reconhecimento é dado há pelo menos 16 anos.

É com base na força que essa pauta tem na matriz da companhia – que fica em Lexington, estado americano do Kentucky – que iniciativas de filiais em outros países se sustentam. Os grupos de diversidade, chamados DNGs (Diversity Network Groups), contam com o apoio de um conselho (Diversity Advisory Council), que estabelece políticas gerais de diversidade e inclusão.

“Temos um grupo regional, sediado no México”, explica Grazina, mencionando uma mesa redonda sobre o tema “masculinidades” realizado poucas horas antes da conversa com o IT Forum. “Essa prática de round tables é bem comum. Fazemos essas atividades para desmistificar estereótipos e fazer o pessoal refletir.”

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Wagner Grazina, da Lexmark. Foto: Divulgação

Segundo ele, a prática de conversar ajuda a disseminar informações e sensibilizar as pessoas, além de criar ambientes mais equilibrados.

O líder de RH diz que, embora as iniciativas e temas venham da matriz, não é incomum que os debates e temas sejam tratados de forma “tropicalizada”. Trata-se de um trabalho de comunicação. Contribui um trabalho feito na rede social interna da empresa, a Yammer (da Microsoft), que é largamente utilizada pela companhia para disseminar informação, inclusive sobre os grupos de D&I.

“O legal da Yammer é que as pessoas conseguem comentar, dar sugestões, interagir. É algo bem legal que permite a socialização, a aproximação”, pondera Grazina. “E essa rede social acaba sendo ferramenta importante aproximar o pessoal que está longe.”

Outro esforço importante da área de RH é justamente eliminar vieses na hora de contratar, dando assim mais chances de contratação para pessoas LGTBQIA+. “Único viés é realmente com o público feminino”, explica, mencionando um esforço empreendido atualmente para contratar mulheres – que são minoria em um corpo de funcionários principalmente técnico.

Também é um desafio engajar funcionários e gestores com a causa. Esses últimos, aliás, são grandes responsáveis pelo sucesso das iniciativas de D&I. “Na nossa posição de RH o maior desafio sempre é equilibrar a balança”, diz o gestor de RH. “Se o gestor está engajado, facilita um pouco. Se não está, fica mais difícil.”

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