A tecnologia está para nos servir, não o contrário.

O Japão criou possivelmente a primeira divindade androide do mundo e ela é budista.

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3:02 pm - 09 de setembro de 2019

Androide Kannon Mindar, lembre-se deste nome, porque agora está sendo reverenciado e, em breve, talvez se torne um líder religioso.

A novidade foi lançada em fevereiro deste ano no Templo Kodaiji em Kyoto. O investimento de quase USD 1 milhão para a construção do androide foi uma colaboração entre o templo zen e Hiroshi Ishiguro, professor de robótica inteligente da Universidade de Osaka.

Kannon prega os ensinamentos budistas em japonês e nos telões à sua volta em inglês e chinês para os turistas.

Como entusiasta da tecnologia e especialista em transformação digital humanizada, me chamou a atenção o fato de ver um robô em um templo de mais de 400 anos, falando sobre uma filosofia de mais de 2.600 anos para uma cultura ainda mais antiga. Sendo assim, eu resolvi escrever um artigo diferente esta semana.

Não vou falar de conceitos da Tecno-Humanização de forma genérica, e sim analisar esta notícia, sem julgamentos. Também quero deixar claro que não se trata de uma crítica a qualquer tipo de crença ou prática religiosa. O objetivo aqui é se ater única, e exclusivamente, aos fatos com foco na relação homem x máquina.

Vou aplicar a mesma técnica que utilizo em meus treinamentos, ou seja, primeiro analisarei esta situação sob o ponto de vista de um consultor de tecnologia e depois sob a ótica de um Tecno-Humanista.

Como consultor de tecnologia…

O budismo, assim como a maioria das religiões, filosofias humanistas e espiritualistas está experimentando um envelhecimento de seus fiéis e uma dificuldade enorme em conseguir o engajamento com as novas gerações.

Diante deste fato, provavelmente um consultor de tecnologia, com a incumbência de retomar o crescimento e engajamento com os jovens, e seguindo a corrente da transformação digital provavelmente pense em aplicar tecnologia para resolver essa questão.

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Criar um robô, com afeições humanoides para gerar empatia, deixar as partes mecânicas expostas para mostrar que é um robô e desta forma conseguir conectar-se com os jovens. Colocar uma câmera no olho do robô para “ver” onde estão as pessoas, e desta forma girar, movimentar o tronco, cabeça e as mãos. Usar Inteligência Artificial para aprender e transmitir os ensinamentos de Buda e pronto. Solucionado!

Ah! Por certo, posso traduzir os ensinamentos a qualquer idioma e atender os turistas de qualquer país e desta forma melhorar a experiência do cliente.

Será preciso armazenar os conhecimentos em cloud, melhorar a segurança cibernética para evitar que alguém invada o sistema e possa colocar qualquer tipo de mensagem inadequada nos textos de buda.

Até aqui é o que temos hoje com o androide Kannon Mindar.

Mas imaginando que se trate de um consultor bem criativo, além de criar este projeto, ele pode inclusive vislumbrar e “vender” a ideia de que os próximos passos seriam:

  • Criar robôs menores, que possam interagir com os leigos, falar com eles, em linguagem natural (e em vários idiomas) e utilizando os módulos de reconhecimento de voz e de imagem, seria possível identificar o estado emocional e, somando à análise sintática da fala, o robô poderia escolher o melhor ensinamento para aquele momento.
  • Fazer uma varredura na internet, redes sociais e parceria com grandes bases de dados, somente utilizando os dados públicos ou autorizados, o novo líder espiritual, aplicando big data e analytics poderia ser extremamente assertivo.
  • Indo mais longe, seguindo as tendências dos modelos de assinatura, se ofereceria ao cliente um serviço de assessoria espiritual. O cliente autorizaria o acesso aos dados privados e pagaria uma mensalidade em troca de uma solução para seus problemas… Bingo! o androide poderia se converter em “Buda” (ou “Deus”) na terra com tanta informação.

A nova empresa “Budandroidenaterra Ltda” precisaria de uma forte governança para evitar que o androide compartilhasse segredos de um membro de sua comunidade com outros. E com processos, compliance e governanças fortes, já poderiam abrir o capital, crescer e dormir tranquilos porque cumprem todos os requisitos exigidos pelos investidores e mercado.

Um momento…

Realmente este é o caminho a seguir?

Analisando agora a questão como um Tecno-Humanista…

Quando li a reportagem pela primeira vez sobre um robô que estava pregando em um templo budista japonês, o primeiro pensamento que me veio à cabeça foi, “Para o mundo que eu quero descer!!!“,

Levar os ensinamentos de Buda ao mundo, mesmo aos que não são budistas é algo bom? Eu acredito que sim.

Transmitir ensinamentos que buscam libertar do sofrimento, em minha opinião, é sempre positivo, independente da crença religiosa de cada um.

Usar a tecnologia para engajar o jovem, para chegar a mais pessoas, para romper a barreira dos idiomas, tudo isso é extremamente positivo. E usar aplicativos para ajudar e ensinar a meditar? Válido também!

Criar comunidades virtuais para compartilhar informações e ensinamentos? Ótimo!

Divulgar os ensinamentos através de e-books, vídeos, podcasts, usar realidade virtual e realidade aumentada para aumentar o impacto de alguns ensinamentos e transportar as pessoas a locais que realmente transmitam tranquilidade e paz. Fantástico!

Toda essa tecnologia ajuda? Sim!

Substitui o feeling, a energia e a sabedoria de um monge? Eu acredito que não.

Dia da apresentação do Kannon Mindar.

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O que esta imagem me transmitiu…

Sinceramente, um misto de tristeza e preocupação por ver monges budistas ajoelhados diante de um robô.

O ser-humano curvando-se e reverenciando a uma máquina.

Segundo a Monja Coen, na cerimônia do voto monástico budista, os pais assistem a cerimônia e a pessoa que recebe os votos faz, por última vez, uma reverência a seus pais.

Esta é a última vez que lhe é permitido reverenciar a um leigo. (como são chamadas as pessoas que não são monges no budismo)

Se não podem reverenciar nem a pai e mãe após os votos, porque reverenciam a um robô? Um amigo budista me disse que talvez estejam reverenciando aos ensinamentos, à palavra e não ao robô em si.

Minha tranquilidade durou 5 segundos…

Talvez estes monges e pessoas com um alto grau de consciência sejam capazes de separar e entender que reverenciam aos ensinamentos e não importa que os transmitem. Até porque no budismo eles acreditam que as divindades podem reencarnar em qualquer coisa, em outra pessoa, em um animal, uma árvore ou uma pedra, então, porque não em um androide?

Mas, a imensa maioria das pessoas, infelizmente, não têm essa elevação espiritual e consciência.

A minha preocupação é saber quanto tempo demoraria para que as pessoas confundissem as coisas e passassem a adorar um robô?

Sabe porque nos banners, em minhas apresentações e na capa do meu livro tem um androide em posição serviçal?

Porque para um Tecno-Humanista…

A tecnologia está para nos servir, não o contrário.

*Por Marcio Bueno

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