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Tudo o que você precisa saber sobre nomadismo digital

Durante 12 anos, Eberson Terra trabalhou como executivo na gigante de educação Kroton. Seu modelo de sucesso sempre foi baseado nos valores herdados dos pais, cuja geração acreditava que fazer carreira em uma mesma empresa era sinal de orgulho. Em 2014, no entanto, um triste acontecimento o fez mudar radicalmente de visão. “Uma grande amiga e colega de trabalho, que viveu metade da sua vida na empresa, faleceu. Mexeu profundamente comigo constatar que ela não teve a oportunidade de gozar plenamente do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal”, recorda.

 

Esse acontecimento deu início a uma série de questionamentos. O desejo de viver novas experiências sem estar preso a um escritório o levaram a iniciar um planejamento que levaria quatro anos e culminaria em sua saída da empresa, em 2018. Desde então, Terra vive sem endereço fixo oferecendo mentoria online para outros profissionais. Ele vendeu o carro, alugou a casa e iniciou uma nova jornada morando 40 dias em Praga, na República Checa. Depois, passou por 14 países até retornar ao Brasil no início de 2019. No segundo trimestre, foi para a Ásia. Agora, de volta, planeja em breve passar uma temporada na Itália.

 

Assim como Terra, Eduardo Borges também promoveu uma reviravolta em sua vida. Ele trabalhava no Citibank, em plena Avenida Paulista, em São Paulo, quando começou a se sentir incomodado com a forma como estava vivendo. “Ser obrigado a fazer algo, como ficar dentro de um escritório, em horários e dias específicos, não fazia sentido na minha cabeça. A vida é minha e eu tenho o direito de vivê-la como eu bem entender”, acredita.

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Com essa premissa, Borges pediu demissão do emprego no banco e mudou-se para Vancouver, no Canadá. Desde então, nunca mais parou de viajar. Ele já morou em 16 países e visitou mais de 50. Hoje, tem duas bases: Budapeste e Florianópolis. Assim, como especialista em SEO (Search Engine Optimization) consegue trabalhar online, para ter flexibilidade de viajar.

O avanço da tecnologia permite novos modelos de trabalho como o nomadismo digital, mas para ter sucesso é preciso disciplina e planejamento

Casos como estes são possíveis graças ao avanço da tecnologia, que possibilita a execução de diversos tipos de trabalho à distância, online, dando liberdade para quem não abre mão de morar em diferentes lugares no mundo, o chamado nomadismo digital. Essa necessidade de flexibilidade vem sendo apontada em diversos estudos sobre o futuro do trabalho.

 

Tendência irreversível

 

De olho nas próximas ondas do futuro do trabalho, no fim de 2018 a Alelo conduziu uma pesquisa sobre o direcionamento do mundo dos negócios nos próximos 5 a 10 anos, guiado por dois grandes catalisadores: tecnologia e comportamento. Entre as macro tendências apontadas pela pesquisa, Soraya Bahde, diretora de gente e inovação da Alelo, destaca a chamada Flexstability. “Nosso estudo mostrou que os profissionais brasileiros ainda não se sentem tão seguros com modelos totalmente flexíveis, então contemplamos um futuro do trabalho que seria um mix entre estabilidade e flexibilidade.”

 

Neste novo cenário, o nomadismo digital é uma microtendência que, dentro da Flextability, permite que as pessoas continuem atuando em empregos formais, porém com mais flexibilidade quanto ao “onde” trabalham. “Com a chegada de novas tecnologias como o Hyperloop e carros autônomos, é possível que tenhamos um êxodo de pessoas saindo dos centros urbanos para viver em cidades menores ou na zona rural, sem que isso impacte suas possibilidades profissionais, viabilizando a formação de novas comunidades de pessoas que se tornam ‘cidadãos globais’ ou os nômades digitais”, diz Soraya.

 

Segundo ela, o trabalho remoto traz engajamento, pelos ganhos de qualidade de vida que gera, e produtividade, pela eliminação do deslocamento e ampliação da concentração, além da economia de recursos (como espaço em escritório). Por outro lado, quanto maior o volume de pessoas atuando remotamente, maior o desafio de gerar senso de pertencimento e colaboração, o que pode ser um desafio para as empresas que adotarem este modelo daqui para a frente.

 

Áreas propícias

 

Outros especialistas também apontam tendência de crescimento para o nomadismo digital, porém para perfis específicos de profissionais. Entre os impulsionadores estão a popularização dos smartphones, melhoria da qualidade de infraestrutura das conexões móveis e fixas, além do surgimento de metodologias e softwares de colaboração ágeis, segundo o professor David Kallás, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper. “Se antes havia alguma resistência cultural, hoje ela é menor.”

 

Com isso, profissionais como criadores de conteúdo, designers, programadores, desenvolvedores de software, especialistas em marketing digital, pesquisadores, dentre outros, cujo serviço pode ser conduzido remotamente, podem adotar este modelo de trabalho. “Muitas profissões propiciam o nomadismo digital”, conta Izabela Mioto, coordenadora da pós de gestão de pessoas: desenvolvimento estratégico do capital humano da Faap.

É criador de conteúdo, programador, desenvolvedor de software ou especialista em marketing digital? Então o nomadismo digital pode ser uma opção para você

Este é o caso de Terra, mencionado no início do texto. A carreira de executivo permitiu que reunisse habilidades e experiências perfeitas para auxiliar outros profissionais por meio de mentoria. “Meus programas auxiliam profissionais que buscam ascensão em suas carreiras, transição para o empreendedorismo ou planejamento de um período fora do mercado através de um sabático”, conta ele, que hoje é dono da empresa SeuCaminho.com.br.

 

Levando em consideração que as sessões individuais podem ser feitas remotamente, necessitando apenas de computador e internet, é possível que Terra tenha a liberdade para seguir em viagens e experimentar novas culturas sem prejuízo para ambos os lados.

 

Já Borges, como especialista em SEO, trabalha para posicionar sites no topo da pesquisa do Google. “Tendo esse conhecimento, criei vários sites que vendem produtos ou serviços meus ou de terceiros, onde sou comissionado pela venda.” Exemplo: se alguém buscar no Google por “fazer empréstimo bancário” e clicar no site dele, Borges ganha comissão do banco recomendado.

 

O ex-executivo do Citibank hoje cria rotinas temporárias, que ele chama de modo manutenção e modo produção. “Quando estou produzindo (criando algo novo ou escalando a empresa), trabalho mais intensamente (como 8-12 horas diárias). Passado esse período, que não costuma durar mais de um mês, entro em modo manutenção, onde trabalho de 1 a 10 horas semanais, ficando com bastante tempo livre para fazer o que desejar”, ensina Borges.

 

Para ele, qualquer pessoa pode ganhar dinheiro online, seja empreendendo ou prestando serviços para clientes. “Se você não possui um conhecimento específico, faça um curso, torne-se um expert naquilo, e cobre para aplicar o que aprendeu”, recomenda. O idioma inglês é, inevitavelmente, o mais usado. Por isso, é indicado ainda se preparar na língua também.

 

Planejar é preciso

 

Mesmo tendo a possibilidade de viajar e conhecer novas culturas, é necessário criar uma rotina para ser um nômade digital de sucesso. “Isso não pode ser confundido como férias prolongadas. É um modelo de vida que precisa de períodos do dia e da semana separados para o lazer, as burocracias e também o trabalho”, alerta Terra.

 

Por outro lado, ser nômade digital também não é só trabalhar remotamente. “É também dizer não a novos trabalhos, uma vez que a missão também é conhecer novas pessoas e culturas”, alerta Tiago Rodrigo dos Santos, professor da Faap nas áreas de inovação, projetos e pessoas.

 

É preciso ainda ajustar-se à mudança de fuso horário – quando ele existir. Também é preciso saber se organizar em relação aos prazos, além de estar sempre atento às próprias condições financeiras. Sem reserva de dinheiro, não há nomadismo digital. Por outro lado, existem oportunidades mundo afora de locais que oferecem um custo de vida menor que o do Brasil, que podem ser uma alternativa para colocar em prática este estilo de vida.

 

“Solidão no começo é a mais difícil, mas depois de muitos anos viajando, você acaba tendo amigos praticamente em todo planeta, o que acaba com esse problema”, comenta Borges. O networking também é fantástico.” Um dos meus business mais lucrativos, criei depois de conhecer um cara na balada em Budapeste, que me mostrou como funcionava.”

 

O professor da Faap lembra que é preciso ter perfil para ser nômade digital. “Conheci profissionais com dificuldade para ficar muito tempo numa organização, pelo fato de permanecer fisicamente o dia todo em um só lugar”, comenta Santos. Pessoas com espírito mais livre e, ao mesmo tempo, disciplinadas, são as mais propensas a seguir este modelo. Pois, além de vivenciar novas experiências, é fato que para se sustentar também será necessário trabalhar muito. Por outro lado, Santos lembra que há pessoas que precisam de uma rotina e de um ambiente mais organizado. “Caso contrário, dispersam e perdem a produtividade.”

 

Empreendedores com negócios estabelecidos em endereços físicos e com funcionários, no entanto, encontrarão sérios desafios com o nomadismo digital. “Não dá para brincar de ser viajante. Não vejo o conceito de nomadismo digital para o empresário, que precisa estar na empresa, gerenciar pessoas, equipes, projeto e clientes. Mesmo com a ajuda de tecnologias como a videoconferência, não dá para você ser um avatar para o resto da vida”, adverte Daniel Domeneghetti, sócio-fundador da e-consulting.

 

Trocar a casa e o escritório pelo smartphone, comenta, é algo para durar um ou dois anos e não a vida inteira. Afinal, a vida de nômade permite conhecer novas culturas, mas também traz grandes desafios como a falta de suporte e às vezes até conforto. “É preciso compreender que a rotina de abrir e fechar malas é extenuante e a saudade da família pode ser um fator importante em querer voltar constantemente as origens”, lembra Terra. Além disso, é preciso conhecer e estar atento às questões burocráticas como concessão e renovação de vistos.

 

As oportunidades de vivência são incalculáveis. Experimentar a vida como um morador local é a melhor maneira para se conhecer a fundo uma nova cultura. Algo que vai muito além de visitar um destino como turista, limitando-se aos seus pontos turísticos.

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