Tecnologia em jovens mãos 

IT Forum conversou com jovens líderes de tecnologia para entender as aspirações e desafios desta geração 

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4:00 pm - 17 de julho de 2023
Imagens: Divulgação

Em fevereiro deste ano, a Spencer Stuart, consultoria especializada em liderança, divulgou a mais recente edição do ‘CEO Transitions‘, relatório anual que monitora as movimentações na liderança executiva das maiores empresas de capital aberto dos Estados Unidos – aquelas pertencentes à lista S&P 500.

O estudo identificou um fenômeno inusitado: em 2022, a idade média dos executivos-chefes recém-nomeados foi de 53,8 anos. No ano anterior, a média foi de 55,9 anos. A redução pode parecer pequena, mas foi o maior declínio ano a ano registrado desde o ano 2000. No total, quase 30% dos novos CEOs estavam abaixo dos 50 anos.

Além da redução da idade média, outro achado foi destacado pela consultoria. A pessoa nomeada CEO mais jovem da lista da S&P 500 em 2022 foi também uma mulher – Sarah London, de 42 anos, da seguradora de saúde Centene Corp. Ainda que longe do ideal de igualdade, o número de mulheres CEOs aumentou: foi de 6% de todas as nomeações em 2021 para 13% no ano passado.

Antônio Mendonça, sócio sênior da área de digital e tecnologia da Korn FerryAntônio Mendonça, sócio sênior da área de digital e tecnologia da Korn Ferry (Imagem: Divulgação/Korn Ferry)

Os resultados foram considerados ‘notáveis’ pela consultoria. No entendimento da Spencer Stuart, são sinais de uma transformação mais ampla do mercado. Além do foco maior em diversidade, conselhos estão assumindo uma visão de longo prazo para a sucessão de seus executivos – e estão dispostos a nomear líderes mais jovens e com menos experiência, mas com maior “potencial bruto” para se tornarem grandes líderes no futuro. 

Senior Client Partner na área de Digital e Tecnologia da consultoria organizacional Korn Ferry, Antônio Mendonça também enxerga um fenômeno de transformação de lideranças. Ele evita associar as características destes novos gestores às suas idades, no entanto. Ao falarmos sobre uma “nova geração” de lideranças, o parceiro da consultoria defende que não devemos nos deixar cair em ‘etarismos – associando, por exemplo, executivos mais velhos a um modelo “ultrapassado” de gestão. O mais correto, defende, é falarmos na busca por novos “perfis” de executivos.  

“Houve uma mudança de panorama muito grande e, como consequência disso, uma mudança do ‘perfil’ dos gestores. Isso acontece por uma questão que é estrutural e outra que é contextual”, avaliou o consultor em conversa com o IT Forum. “A estrutural é como a tecnologia tem transformado os negócios das empresas; já a questão contextual foi a Covid-19, que acelerou essas transformações”, explicou Mendonça.

Tatiana Mattos, country head da Blablacar no BrasilTatiana Mattos, country head da Blablacar no Brasil (Imagem: Divulgação/Blablacar)

O ‘boom’ das startups da última década também participa dessa equação. Ágeis e focadas em desenvolver novos produtos, essas empresas trouxeram à tona novas lideranças para o setor de tecnologia e novas formas de se pensar – reoxigenando a discussão sobre o papel da TI e da inovação dentro das corporações. 

Para entender os impactos destas transformações no papel de gestores modernos, o IT Forum conversou com líderes executivos de empresas de tecnologia e líderes de tecnologia – todos com menos de 40 anos –, e os questionou também sobre quais pensam que são os principais desafios desta geração e o que o futuro reserva para líderes de empresas ao redor do mundo.  

Gestão com ambidestria 

Entre os líderes ouvidos, uma característica surgiu como uma habilidade mais citada como essencial para executivos de TI ou da indústria de tecnologia: a capacidade de adaptação. O ritmo de transformação das ferramentas digitais é intenso e constante, por isso, gestores avaliam que a capacidade de gerir o negócio sem tirar a atenção da inovação é crucial para executivos modernos.  

“[O gestor moderno] é alguém que tem que ter o equilíbrio entre performar e transformar. São coisas que andam em paralelo”, explicou Mendonça, da Korn Ferry. “No passado, nós tínhamos muitas empresas separando essas funções: alguém que vai tocar o ‘business as usual’ e alguém que vai tocar a transformação. Hoje se procura isso na mesma pessoa, porque essas duas engrenagens se comunicam.”  

André Abreu, fundador e CEO da BossaBoxAndré Abreu, fundador e CEO da BossaBox (Imagem: Divulgação/BossaBox)

Na prática, isso coloca lideranças em uma posição mais proativa: não é possível apenas entregar sem inovar, nem apenas buscar a inovação sem atenção aos resultados. André Abreu, fundador e CEO da BossaBox, startup que conecta freelancers de tecnologia com empresas, classifica essa liderança como a busca pela “ambidestria”. 

“Empresas tradicionais se beneficiam muito ao fazer melhor algo que já faziam antes. Já as startups surgem para fazer algo diferente do que todo mundo já faz. A gênese da startup é proveniente de uma inovação”, anotou o executivo. “O que muitas empresas tradicionais foram entender agora é que precisam ser mais ambidestras. Equilibrar o que sabem fazer muito bem com um DNA pró-risco.” 

Um dos maiores exemplos da transformação causada na indústria por startups é a Uber. Fundada em 2009, a empresa se transformou em sinônimo de “economia criativa” e até nomeou um conceito que define o modelo de negócio de uma dezena de outras startups que buscam um lugar ao Sol – a “uberização”. No Brasil, a empresa é liderada por Silvia Penna desde 2021.

Silvia Penna, diretora-geral da Uber no BrasilSilvia Penna, diretora-geral da Uber no Brasil (Imagem: Divulgação/Uber)

“Um dos principais impactos que a transformação digital trouxe para as lideranças é a velocidade com que as coisas acontecem e a agilidade que isso demanda para tomada de decisões”, disse a diretora-geral da Uber no Brasil. “É um modelo que exige habilidade para experimentar, testar, correr riscos e rapidamente se adaptar às mudanças. Para fazer isso, é importante que a liderança tenha uma visão muito mais ampla de todo contexto e de todas as áreas do negócio.” 

Mas ninguém é ambidestro sozinho. Para buscar uma liderança que equilibre inovação e manutenção dos negócios, o papel do executivo, seja um CEO ou executivo de TI, é saber também trabalhar essa lógica junto aos seus times. “Eu diria que a principal característica de uma boa liderança é saber escutar seu time. Ter a humildade de entender que nem sempre você vai ter uma resposta pronta para todos os desafios do dia a dia. Ainda mais em um mercado dinâmico como é o de tecnologia”, comentou Tatiana Mattos, country head da Blablacar no Brasil, empresa francesa que conecta passageiros a caronas ou empresas de ônibus. 

Para a executiva, não é mais possível se falar na imagem de uma liderança ocupando uma cadeira solitária, apartada da operação da empresa. “Isso não tem mais lugar”, anotou. “Uma das grandes virtudes de um líder atualmente é construir e nutrir uma rede de pessoas e parceiros capazes de trabalhar em prol do seu negócio.

Liderando pessoas 

“O foco em resultado é inerente a qualquer empresa, mas não podemos esquecer de incluir as pessoas no processo”, observou Mariana Horno, gerente da consultoria de recrutamento Robert Half, sobre o papel do líder organizacional moderno. “A humanização precisa continuar acontecendo.”

Ainda que navegar com ambidestria pelas demandas de negócios e pelos desafios da inovação sejam algumas das características mais citadas pelos líderes atuais, a boa capacidade de gestão de pessoas não fica muito atrás. Em um mercado de demanda crescente por talentos, líderes ouvidos colocaram a “empatia” como um dos atributos essenciais para o gestor da atualidade.

Mariana Horno, gerente da Robert Half(1)Mariana Horno, gerente da Robert Half (Imagem: Divulgação/Robert Half)

Para Mariana, isso é resultado de uma transformação ampla do mercado de trabalho. “Antigamente, o respeito era decorrente da hierarquia, conforme a posição da pessoa na estrutura e do peso do cargo que ocupava. O respeito acontecia de forma vertical”, explicou. “Hoje em dia, um engajamento que não atenda a benefícios profundos para o profissional e para a corporação não tem eco.”

“Não existe mais tempo para esperar pela hierarquia”, resumiu Silvia, da Uber Brasil. “Especialmente em empresas de tecnologia, como a Uber, o modelo de hierarquia tradicional com comando centralizado foi substituído por uma cultura mais aberta e colaborativa. É muito importante que a liderança agora tenha um papel muito mais de como facilitadora, promovendo o desenvolvimento, a autonomia e a participação dos times.”

Diretor de Tecnologia e Digital do Grupo Heineken, Fábio Criniti é um dos que buscam exercitar esse caminho por meio da empatia em seu estilo de gestão. “A transformação digital pode deixar as relações mais distantes”, constatou. “Mas é papel do líder garantir a construção de um ambiente saudável, que busque o engajamento das pessoas e que traga significado para as relações.”

Fábio Criniti, Grupo Heineken foto divulgacao(1)Fábio Criniti, diretor de Tecnologia e Digital do Grupo Heineken (Imagem: Divulgação/Heineken)

Para ele, a gestão empática vai além de uma obrigação de líderes modernos – é também uma estratégia para a captação e retenção de talentos. Segundo o líder de TI da Heineken, profissionais de hoje buscam ambientes mais dinâmicos e carreiras mais aceleradas, então é papel do líder de tecnologia possibilitar esses ambientes para ajudar no desenvolvimento desses profissionais. “A sensibilidade vai ser o centro de tudo que fazemos. Estamos todos cada vez mais digitais, com processos automatizados, então a presença de profissionais com empatia é extremamente valiosa”, disse. 

Abreu, da BossaBox, ecoa esse ponto. De acordo com o CEO da empresa, gestores não podem mais olhar seus colaboradores apenas como um recurso a ser aplicado em um contexto de trabalho. “Hoje esse modelo não está só errado, mas também incompleto”, disse. 

“Você tem que olhar desde a etapa anterior, pensar também na experiência do seu talento. Considerar, de ponta a ponta, quem é esse indivíduo, o que ele espera do trabalho, e endereçar sua experiência. Porque é esse talento que, na economia digital, cria a experiência para o cliente final.”

Desafios no horizonte 

Manter o negócio funcionando, mas sem esquecer de inovar. Promover uma liderança inclusiva e atenta às demandas dos colaboradores. Os desafios atuais de líderes executivos e líderes de tecnologia modernos não são poucos. Há, no entanto, outras adversidades no horizonte que também são obstáculos sem respostas para os gestores modernos. “As gerações mais novas que estão entrando no mercado de trabalho já nasceram no ambiente digital”, indicou o CEO da BossaBox. “A gente vai ver uma mudança muito mais rápida e agressiva. Uma demanda por mudança muito forte para que as organizações se adequem às novas demandas dessa geração.”  

Lincoln Ando, CEO e fundador da idwall, startup brasileira de verificação de documentos, já está vivenciando uma dessas demandas: o desafio do trabalho híbrido. Acelerado ao longo dos últimos anos por conta da pandemia da Covid-19, a combinação de trabalho presencial e remoto tornou-se o padrão para muitas empresas, mas ainda gera dúvidas para gestores de organizações.

Lincoln Ando, CEO e fundador da idwallLincoln Ando, CEO e fundador da idwall (Imagem: Divulgação/idwall)

“Os gestores não estão prontos para lidar com isso. Ainda existem falhas de execução e gargalos”, avaliou Lincoln. “É algo muito importante para a vida pessoal e profissional das pessoas, mas tem que ser enfrentado com muita cautela, ou pode criar uma geração de líderes que vão ter enorme dificuldade para se comunicar olho no olho, resolver problemas, sentar-se junto com o cliente em uma sala. A própria criatividade coletiva pode ser posta em risco.” 

Outro tema que passou para o centro do debate ao longo dos últimos anos é o da saúde mental. Mais do que gerações anteriores, os millenials – e jovens de gerações posteriores que já chegam ao mercado de trabalho – buscam por motivadores que vão além de benefícios tradicionais e de um bom salário. 

Mais qualidade de vida e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, são apelos comuns aos profissionais de qualquer time – especialmente no contexto de tecnologia – disseram os líderes ouvidos pelo IT Forum. E um desafio ainda mora aí. “No plano interno, nós vamos precisar ter mais atenção à capacidade de endereçar possíveis desconfortos, inseguranças e até condições clínicas dos colaboradores. Agregado à formação dos líderes, nós vamos precisar ter mais e mais conhecimento sobre saúde mental. Zelar sobre o bem-estar da equipe já é uma realidade, mas isso deve ganhar mais força nos próximos anos”, finalizou Tatiana Mattos, da Blablacar.

*Esta reportagem foi originalmente publicada na edição #28 da Revista IT Forum.

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