Mulheres em tech: como impulsionar um futuro digital mais inclusivo

No mês das mulheres, ONU destaca a disparidade no ambiente online e nas carreiras em tech. Colaboração entre setores é essencial para mudar cenári

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10:21 am - 10 de março de 2023

Neste mês em que se celebra o Dia Internacional das Mulheres, a ONU trabalha como tema a inclusão digital, aliando inovação e tecnologia para conquistar a igualdade de gênero. O tema é especialmente importante, pois à medida que avançamos na digitalização das atividades econômicas, a lacuna de gênero digital pode ampliar ainda mais as desigualdades, principalmente em países em desenvolvimento.

Apesar de avanços recentes nas discussões acerca da representatividade no mercado de trabalho, há muito a melhorar. Não ajuda o fato de que uma pesquisa recente da Great Place to Work (GPTW) ter concluído que, no Brasil, o tema Diversidade e Inclusão sofreu um forte revés. Em 2019, a pauta aparecia como estratégica para 24% das empresas ouvidas pela pesquisa. Em 2021, a média subiu para 37% e, em 2022, caiu para 17,9%. Apenas 12,1% dizem que a empresa em que trabalham têm alta maturidade no tema.

O avanço da tecnologia também trouxe ameaças aos direitos e bem-estar de meninas e mulheres. Mostra-se preocupante o crescente número de comunidades online e conteúdos que disparam ódio contra elas. Recentemente testemunhamos episódios onde criadores de conteúdo têm alavancado audiências reproduzindo discursos misóginos. Proteger os direitos de mulheres e meninas em espaços digitais e abordar a violência online baseada em gênero também entram na pauta da ONU para assegurar um futuro digital inclusivo.

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Pensando em como impulsionar a equidade no campo digital, destaco aqui quatro passos que a ONU Mulheres recomenda e algumas ações implementadas pela Nova Zelândia sobre o tema que podem servir de exemplo. Essas recomendações servem não apenas para pensar como impulsionar carreiras em TI, como cobram responsabilidade de diferentes setores para tornar os espaços digitais mais seguros, diversos e, consequentemente, melhores para todos.

1. Acessibilidade para equidade

Sem melhorar o acesso à Internet de qualidade e as habilidades digitais, pouco conseguiremos avançar no tema da equidade digital. Desde 2019, a lacuna absoluta entre homens e mulheres no acesso à Internet, na verdade, aumentou. Hoje, 63% das mulheres têm acesso à Internet, comparado a 69% dos homens. Se olharmos indicadores como raça, idade, pessoas com deficiência, status socioeconômico e localização, a disparidade é ainda maior. Mas melhorar apenas a infraestrutura não é o suficiente. Em tempos onde se discute o avanço do 5G e suas inovações, cenários com maior desigualdade de acesso à tecnologia podem ser uma consequência.

Entre as recomendações da ONU está uma maior colaboração entre governos, negócios, sociedade civil e organizações de mulheres, entre outros setores, para criar planos e políticas digitais que deem conta da acessibilidade e da alfabetização, em especial, em grupos marginalizados. Subsidiar smartphones e laptops para mulheres e garotas e incentivar pacotes de dados de baixo custo podem ajudar a diminuir as barreiras de acesso. A entidade também chama atenção para o fato de que políticas bem-sucedidas irão exigir mais pesquisa sobre as barreiras ao acesso digital de mulheres.

2. Apoiar carreiras STEM

Mulheres hoje são uma minoria em carreiras em TI e na educação de disciplinas em STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Essa falta de representatividade também implica em mulheres com acesso a melhores salários, tendo em vista que o setor oferece carreiras de rápido crescimento e remuneração competitiva.

A ONU lembra que os estereótipos sobre quem é melhor adequado para papéis em STEM têm um grande peso em desencorajar garotas a entrar nessas áreas. Soluções efetivas devem atacar tanto as barreiras que forçam mulheres a deixar carreiras em STEM e aquelas que distanciam garotas de segui-las em primeiro lugar.

Na Nova Zelândia, um dos programas que visa atrair e apoiar mais meninas no setor de TI chama Shadow Tech. Realizado com o apoio da NZTech, agência que promove e conecta o setor de TIC local, em parceria com empresas, o programa oferece às meninas de 9 a 11 anos a oportunidade de experimentar como é trabalhar no setor de tecnologia, incentivando-as a seguir caminhos que as levam a cargos no setor. Há também um programa dedicado a professores e mentores que visam ser essa boa influência na carreira delas. Outras iniciativas recentes incluem ações do Ministério de Negócios, Inovação e Emprego (MBIE) e um diretório online que identifica oportunidades para mulheres e garotas entrarem em carreiras STEM.

3. Criar tecnologia para mulheres e por mulheres

A falta de representatividade de mulheres no desenvolvimento da tecnologia pode ser nociva agora e a longo prazo. Se mulheres são deixadas de fora dos espaços de inovação e tecnologia, as ferramentas digitais irão falhar em atender suas necessidades. Ao mesmo tempo, lacunas de acesso digital significam que mulheres irão produzir menos dados online que homens, algo que terá um grande impacto na entrega de serviços alimentados por inteligência artificial.

Criar tecnologias mais inclusivas começa desde o seu desenho até processos de regulação que tenham raízes nos direitos humanos. Para isso, a ONU recomenda ouvir mulheres que se encontram em situação de vulnerabilidade, assim como incluir cientistas sociais e especialistas em direitos humanos e chama atenção para uma reforma regulatória que cobre mais responsabilidade das empresas.

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4. Criar um ambiente digital seguro

Se por um lado plataformas digitais e redes sociais são ferramentas para aumentar a consciência sobre temas aqui abordados a favor da representatividade, elas também são usadas para espalhar a desinformação sobre gêneros e discursos de ódio contra mulheres cis e trans. Elas estão mais suscetíveis a sofrerem abusos no ambiente online, sejam eles psicológicos, físicos, políticos, econômicos e sociais.

A ONU lembra que na esfera online, a violência baseada em gênero também força mulheres e garotas a se autocensurar, limitando assim a habilidade de engajar e participar de atividades online. O avanço da tecnologia também tem viabilizado novas formas de violência, como deep fakes que expõem mulheres e sua privacidade. Para endereçar esses temas, são precisos esforços que vão desde uma revisão regulatória em coordenação com organizações que atendem mulheres vítimas desses episódios, assim como uma maior conscientização e ensino sobre cidadania digital que pode ajudar a cobrir questões de violência online.

Essas são recomendações que a ONU Mulheres indica e refletem também a complexidade de lidar com o tema da inclusão e equidade digital. Conectar diversos atores, setores – público e privado – são necessários para desenvolver a pauta e conquistar novos avanços no tema.

*Jacqueline Nakamura é uma experiente profissional de Diplomacia comercial internacional com mais de 15 anos trabalhando para diferentes governos estrangeiros na América Latina. Depois de seis anos atuando no Departamento de Comércio Internacional do Reino Unido, liderando tanto as exportações comerciais quanto investimento estrangeiro, Jacqueline assumiu o cargo de Comissária de Negócios para a New Zealand Trade and Enterprise para o Brasil e Mercosur. Com experiência na indústria de tecnologia, trabalhando para empresas multinacionais de tecnologia e associações setoriais de comércio, ela lidera o plano de tecnologia da Nova Zelândia na América Latina. Sua formação acadêmica inclui bacharelado em Relações Internacionais pela PUC-SP e mestrado em economia empresarial pela FGV-SP com Recomendação de Honra.

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