O software está engolindo o mundo. E daí?

Autor de 'A geração superficial', Nicholas Carr afirma que a crença de que os robôs e a inteligência artificial conquistarão tudo é uma utopia

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3:11 pm - 12 de agosto de 2016

Carros integralmente autônomos estão, provavelmente, décadas de distância de se tornarem realidade, pelo menos para Nicholas Carr, o escritor cujos livros sobre tecnologia e cultura procuram conter o entusiasmo sobre a digitalização de tudo.

“Eu penso que muitas das visões sobre a automação total assumem que todo veículo será automatizado e toda a infraestrutura de direção não somente será mapeada em minutos, mas também será equipada com o tipo de sensores e transmissores e toda a infraestrutura de rede que nós precisaremos”, diz Carr a CIO.com. Entusiastas de carros autônomos e sua tecnologia, em geral, certamente devem discordar com Carr. 

Nenhuma surpresa aí. Em maio de 2003, a Harvard Business Review publicou o livro, IT Doesn’t Matter, onde Carr levantou a ira de grandes nomes da tecnologia onde questiona a noção de que a infraestrutura de TI oferece vantagens estratégicas a empresas. 

Agora, Carr está de volta com um novo livro, o “Utopia is Creepy: And Other Provocations”, que sai pela editora americana Norton & Co. no dia 6 de setembro. Trata-se de um compêndio de artigos, como “Estaria o Google nos tornando estúpidos?” e “Vida, liberdade e a busca pela privacidade”. 

O software pode estar engolindo o mundo, mas para Carr o que constantemente lhe perturba é a exuberância irracional posta pelo Vale do Silício, que prega que a tecnologia é a resposta para tudo. Aplicativos não darão início à paz mundial e acabarão com a fome no mundo. 

A seguir, em entrevista concedida a CIO.com, Nicholas Carr fala sobre seu novo livro e a ideia, para ele utópica, de que robôs e a inteligência artificial conquistarão tudo. 

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CIO: Qual é a premissa de “Utopia is Creepy?”
Nicholas Carr: Utopia is Creepy é uma coleção de artigos que escrevi e publiquei no meu blog “Rough Type” nos últimos doze anos. É como uma espécie dos ‘melhores hits’ do blog, assim como alguns artigos que escrevi ao mesmo tempo, incluindo o “Estaria o Google nos tornando estúpidos?”, que talvez seja o mais conhecido. 

Quando o blog completou dez anos em 2015, eu comecei a olhar para trás através dos posts e eu percebi que muitos dos artigos ainda ressoavam hoje. 

Eu também comecei a ver que eu tinha dado descrições do que acontecia no mundo da tecnologia, particularmente na ascensão do que costumávamos a chamar de Web 2.0 e agora é conhecido como social media e networking social. Também foi uma crítica a ideologia do Vale do Silício – o senso de que a internet e o social media estavam derrubando as barreiras para a expressão pessoal, libertando pessoas e como se nós confiássemos no Vale do Silício e em seus programadores para liderar uma espécie de utopia. É uma coleção de artigos, mas com um tema que percorre toda ela. 

CIO: Quais são alguns dos exemplos da exuberância irracional do Vale do Silício que te vem à mente?
Carr: Quando nós vimos a ressurreição da Internet depois da grande explosão do ponto.com, havia essa sensação de que as paredes da mídia tradicional e gatekeepers das notícias estariam caindo e que havia uma era de ouro de pessoas em controle de sua própria expressão e do que elas liam. Este era um tema muito forte naquela época. Uma reportagem de capa da Wired trazia a manchete: “Nós somos a web” que apresentou isso como um novo mundo que se abriria. E o que nós vimos desde então tem sido bem diferente. Os antigos gatekeepers, ou ‘guardiões’ da notícia, foram substituídos por companhias como Facebook e Google e companhias que hoje realmente se tornaram as novas empresas de mídia e, basicamente, estão controlando todo o fluxo de informação. 

Outro exemplo é o senso de que nós humanos precisamos sair do caminho e permitir que algoritmos e robôs assumam tudo de alguma forma – pelo menos, é como é apresentado – robôs são mais confiáveis e mais perfeitos e rápidos que seres humanos. Isso é traduzido pelo Vale do Silício e outros que nós todos seremos libertados e não precisaremos trabalhar mais ao entregar nossos empregos para máquinas, computadores e robôs para termos todo o tempo disponível para sermos mais criativos. 

CIO: O que eu tenho ouvido do MIT, de outros pesquisadores e analistas do mercado é que robôs darão suporte a humanos em seus trabalhos, ao invés de substituí-los completamente. 
Carr: Há uma filosofia bem fundamentada a essa noção de que, em última análise, a inteligência artificial e robôs assumirão o grosso do trabalho.  Eu ainda acho que é um tema comum que sai do Vale do Silício de pessoas como Peter Thiel e Marc Andreessen, que explicitamente dizem que pode demorar um pouco de tempo, mas, em última análise, como Andreessen coloca, software está comendo o mundo e nós vamos descobrir o que acontece no ambiente pós-trabalho.

Esse é um sonho que nos acompanha desde a Revolução Industrial – que máquinas assumirão tudo – e nunca se concretizou. O que não quer dizer que não houveram grandes mudanças tecnológicas na força de trabalho, houveram sim, mas eu penso que é uma expressão de fé quando dizem que computadores resolverão, de uma forma mágica, problemas difíceis com os quais estaremos sempre lidando. 

O perigo aqui é que, com frequência, como uma sociedade, nós estamos propensos a comprar essa ideia de que se automatizarmos, por exemplo, o setor de saúde, de repente, teremos um sistema eficiente e que curaremos uma série de doenças. E também tem o efeito, muito frequente, da geração de complacência, que nós não teremos mais que sofrer com essas coisas por que a tecnologia irá resolver todos esses problemas. 

CIO: Sim, consigo ver isso. Toda vez que nós temos um grande avanço em machine learning, como um computador ganhando de um humano no jogo Go, a animação se esvai a medida que somos lembrados o quão distantes estamos de uma verdadeira Inteligência artificial.  

Carr: Você tem que suspender a sua descrença quando está interagindo com seus computadores ou smartphones para não reconhecer como estamos distantes [da inteligência artificial]. E isso não é minimizar nossos grandes avanços. Se você observar carros sem motorista, particularmente quando o Google anunciou em 2010 que tinha um carro rodando sozinho em rodovias bem mapeadas e que era excelente nisso, o anúncio veio em uma época quando pessoas diziam que a direção de um carro é algo que computadores nunca assumiriam por que depende de todas essas habilidades e intuição para construir. Mesmo assim, eu acho que ainda estamos longe de um veículo totalmente automatizado. Mas sim, é realmente algo impressionante o que tem acontecido na área. 

CIO.com: Ao escutar o Google, Tesla e outras fabricantes, a tecnologia autônoma para carros parece estar mais próxima da realidade. O quão distante estamos, então, dessa realidade, onde veremos carros integralmente autônomos? 
Carr: Eu acredito que nós consigamos até 99% [da tecnologia necessária para carros integralmente autônomos] bem rapidamente, mas isso será o suficiente? Eu acredito que não. Porque a direção tem tantas incertezas. Parece para mim que para chegar ao ponto da automação completa, você terá todo esse tipo de mudança estrutural. 

Você terá de lidar com o fato de que nossa frota automotiva é duradoura. Leva muitos anos para substituir os carros que as pessoas dirigem, o que significa que você terá veículos integralmente autônomos, semiautônomos e veículos dirigidos por humanos na estrada ao mesmo tempo e isso é bem, bem  complicado. 

Eu penso que muitas das visões da automação total assumem que todo veículo será autônomo e toda a infraestrutura de direção será não apenas mapeada em minutos, mas também será equipada com o tipo de sensores e transmissores e toda a infraestrutura de rede que precisaremos. E para mim, isso levará muito tempo – décadas.

Dito isso, eu penso que você poderá ter áreas onde conseguirá isolar veículos autônomos. Você pode vislumbrar um tipo de sistema onde se automatiza o transporte rodoviário de longo percurso. E você poderá ter uma Google oferecendo serviço de táxi com carros sem motorista. Mas eu penso que esse sonho, onde tudo estará automatizado nos próximos anos, é irreal.  

CIO: E como você vê a evolução do papel do CIO?
Eu vejo um papel duplo para CIOs. A medida que nos movemos em direção a uma área onde você não estará mais em controle da TI, como administrar o data center que a sua companhia usa, você se torna o corretor entre todas as capacidades de TI, tanto dentro da empresa como fora, e você se torna um corretor estratégico em descobrir como devemos obter o mix certo de capacidades e de onde eles deverão vir. E eu penso que você precisará de pessoas inteligentes para fazer isso nas companhias.

O outro é um papel mais estratégico de descobrir onde devemos investir isso de forma que nos dará uma vantagem competitiva. Esse é um papel importante seja na figura de um CIO ou em outros espaços da companhia que, eu penso, sempre estará sob certa tensão.

 

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