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Yoko Ishikura: “Nós precisamos de uma completa nova definição de trabalho”

Em meio a uma avassaladora transformação digital, onde a automação será norma, quais papéis, nós, seres humanos de carne, osso e uma série de limitações, desempenharemos no futuro? Para Yoko Ishikura, professora emérita da Universidade Hitotsubashi, em Tóquio, e consultora independente em estratégia global de talentos, a resposta para nossas angústias existenciais recebe o nome e as diretrizes da chamada Sociedade 5.0.

Tendo como referência a quarta revolução industrial, onde tecnologias emergentes como inteligência artificial, big data, analytics e blockchain, mudarão completamente as indústrias, a sociedade 5.0 parte do princípio que talentos humanos precisam não só ser desenvolvidos para acompanhar a disrupção tecnológica, como o ser humano precisa estar no centro da criação das tecnologias.

Para Yoko, a automação será norma, mas ao mesmo tempo, cria-se aqui um paradoxo, pois sem a transformação digital, sociedades mundo afora não terão chance de sobreviver. Afinal, como dar conta de todos os desafios do mundo – moradia, sustentabilidade, alimentação e emprego – sem tecnologia? “Ao invés de se preocupar se você perderá ou não o seu emprego, tenha certeza de que vocês estão educando as novas gerações para estarem dispostas a colaborar, usando a tecnologia”, reforça Yoko.

Yoko esteve no Brasil nesta semana para o IT Forum+ 2019, que acontece na Praia do Forte (BA) e, cujo tema central do evento, o Eu 5.0, está também ligado ao modo como interagimos com a tecnologia.

Em entrevista exclusiva ao IT Trends, ela fala sobre os desafios das sociedades frente à automação, sobre uma nova forma de encarar o trabalho e responde se a sociedade 5.0 pode caminhar para se tornar uma espécie de utopia.

IT Trends – O que essencialmente define a sociedade 5.0 e como as sociedades ao redor do mundo podem atingi-la?

Yoko Ishikura – A sociedade 5.0 é uma iniciativa do governo e do setor privado japonês, é um conceito similar a indústria 4.0, mas a diferença é que é muito mais centrada no ser humano, ao invés do movimento tecnológico. Nós estamos tentando usar a transformação digital, usando a criatividade e imaginação das pessoas, que é diversa, para tentar endereçar as questões que nós vemos. É a sociedade da imaginação e não é algo limitado ao Japão, estamos colaborando com parceiros ao redor do mundo, e acho que nós podemos construir um desenvolvimento sustentável global ao compartilhar o conhecimento que acumulamos no processo.

IT Trends – Mas quem deve se responsabilizar pela sociedade 5.0?

YI – Algumas pessoas pensam que se trata de algo que vem de cima para baixo, mas é algo que nós devemos cocriar, todos devem estar envolvidos. A transformação digital está varrendo o mundo. Eu acredito que o setor privado tem um papel significativo aqui em tornar a sociedade 5.0 possível. Sem a transformação digital, não há como a sociedade japonesa, por exemplo, sobreviver no futuro.

IT Trends – Ao colocar o ser humano no centro do desenvolvimento da tecnologia, a sociedade 5.0 se coloca com valores e ambições muito otimistas. Mas, no final do dia, ainda vivemos em um mundo que se preocupa muito com valores que podem contradizer a noção da sociedade 5.0. Você acredita que, de alguma forma, a sociedade 5.0 pode caminhar para ser uma nova utopia?

YI – É uma pergunta muito difícil. Espero que seja. Eu tendo a ser otimista e acho que tem muito potencial que a tecnologia pode resolver, e acho que esse potencial ainda não é muito bem compreendido no Japão, porque ainda estamos muito preocupados com robôs e a inteligência artificial roubando nossos empregos, mas nós somos uma sociedade em envelhecimento. E para os idosos, há muitas coisas que a tecnologia pode fazer e essa parte não pode ser resolvida sem a tecnologia. Então, eu não estou querendo dizer que estamos criando uma nova utopia, mas nós também não estamos criando uma distopia. Acho que, então, nós temos que fazer por onde ter certeza de que estamos mais próximos de caminhar para um final positivo ao invés de negativo.

IT Trends – O Japão é uma das sociedades mais avançadas do mundo, ao mesmo tempo é interessante ver como as relações humanas se fragilizaram ao longo do caminho. Vemos profissionais se exaurindo em longas horas de trabalho e jovens gerações não se mostrando interessadas em manter relações duradouras. A senhora acredita que a tecnologia ajudaria a reverter isso, se é que há algo para reverter aqui?

YI – Eu não sei se conseguimos reverter. O termo reverter é negativo, porque não voltamos atrás, nós seguimos em frente, mas provavelmente de uma outra forma, em outra direção. Então, a coisa importante, a era que vivemos hoje é muito diferente de há 30 anos, por conta de muitas coisas e da tecnologia, e nós temos de entender isso. E muitas coisas, especialmente no Japão, parece que muitos querem preservar, manter algo que a gente teve e estão relutantes em mudar. Mas nós precisamos de uma completa nova definição de trabalho, ao invés de trabalhar uma longa jornada para empresas estabelecidas, ir ao trabalho em horas de pico e sermos engolidos por isso. Esta não deveria ser a forma de trabalhar, há muitas formas de fazer a mesma coisa.

E acredito que, aos poucos, temos ganhado exemplos de pessoas que conseguem trabalhar desta forma. Vemos muitos jovens fazendo coisas interessantes com suas startups, provavelmente, eles trabalham longas horas, mas eles amam o que fazem, e eles têm uma visão clara do que querem fazer e as pessoas veem que essa é uma forma diferente de viver a vida. Uma vez que as pessoas virem mais isso, perceberem o valor disso, acho que mais pessoas farão.

IT Trends – Como países emergentes como o Brasil podem trabalhar para atingir os conceitos da sociedade 5.0?

YI –  Acho que vocês têm mais potencial para usar tecnologia em diversas áreas, como educação. A questão aqui é que tem que se ter uma nova abordagem, você não pode usar tecnologia para fazer ou revisar as formas antigas. E a tecnologia tornou possível educar tantas pessoas, eu aprendi no último verão a como programar online. Isso foi possível por meio da tecnologia, porque não importava onde eu estivesse, eu ainda consegui fazer este curso. Então, a educação é um bom campo para ter certeza de que as pessoas consigam se educar, e eles possam pensar, ao invés de ter apenas ferramentas. E aqui vocês têm uma jovem geração, então é muito importante usar tecnologia para educação. Ao invés de se preocupar se você perderá ou não o seu emprego, tenha certeza de que vocês estão educando as novas gerações, em particular, para estarem dispostas a colaborar, usando a tecnologia ao invés de serem substituídos.

IT Trends – A senhora diz que a sociedade 5.0 é a sociedade da imaginação, da criatividade. Mas ao mesmo tempo, nós estamos vivendo uma era onde há excesso de informação, de consumo. Você acredita que este contexto está minando a nossa habilidade de criar, de ser inventivo?

YI – Acredito que não. Eu acho que, se você conhece muitas coisas, você pode ser criativo. Mas sim, às vezes é melhor não saber nada, e a partir daí você pode criar algo, uma abordagem totalmente nova. O que é importante hoje, além do acesso à informação, é pensar de forma crítica. É claro que é mais fácil dizer, do que fazer. Você precisa saber como pensar, fazer um julgamento e essa é a parte difícil. Agora que temos muitas fakes news, social media e você, essencialmente, é bombardeado com isso tudo, nós gastamos muito tempo apenas seguindo a informação, e você acredita que sabe o que está acontecendo, quando na verdade não. Então há outros lados da história, você tem que pensar no que isso significa para você.

IT Trends – Como a senhora organiza o seu tempo para se informar e aprender melhor?

YI – O que eu faço é seguir pessoas que eu conheço, especialistas que são bem equilibrados. Também, é algo desafiador, mas eu tento me assegurar de que eu sigo pessoas que têm outras opiniões, eu sigo pessoas que não concordam necessariamente comigo, porque caso contrário você fica ressoando na mesma caixa acústica. Eu estou tentando praticar o que advogo, eu estou aprendendo programar, pois também quero que todo mundo saiba que, se você investir um tempo e energia, você consegue aprender programação, e isso abre um novo mundo de possibilidades.

IT Trends – A sociedade 5.0 também sugere que a gente terá mais tempo para fazer esses tipos de atividades, já que a automação assumirá tarefas repetitivas e entregará mais eficiência.

YI – Sim. E eu penso que, se você não tiver de trabalhar ao longo da estrada, será a questão de o que você quer fazer e não o que você precisa fazer. E é muito ruim, que muitas pessoas precisem trabalhar para sobreviver, então elas perdem o propósito, mas não há nada que combine ou relacione o propósito delas com o que elas fazem todos os dias. E eu penso que isso é muito triste. Eu gostaria que todos encontrassem o propósito delas e viver a vida com aquilo que as preenche. Eu acredito que a gente conseguirá fazer isso eventualmente.

IT Trends – Muito se fala sobre criar uma espécie de renda mensal básica para populações quando chegar o momento que a automação assumirá a maioria dos empregos. Uma espécie de apoio dado por governos. A senhora concorda com essa ideia?

YI – É um conceito muito interessante e eu sei que há experimentos acontecendo em alguns países, em algumas partes da Finlândia e Europa. Algumas mais bem-sucedidas que outras. Eu ainda não tenho uma opinião formada sobre o assunto, mas acho que vale a pena tentar e se nós nos sentirmos seguros o suficiente para fazer outras coisas que nós gostamos, eu acho que nós estaremos em condições melhores. Mas acredito que deveria ser algo para todos e não somente aqueles que estão desempregados. Para todos, isso funcionaria melhor, não discriminaria.

IT Trends – O conceito de sociedade 5.0 é muito interessante, porque além de toda a conversa sobre a transformação digital, a gente volta nossas atenções para o humano, de dar importância às relações, dos direitos humanos em meio à tecnologia. O quão longe – ou perto – estamos, de fato, de vivenciar uma sociedade 5.0?

Yoko – Eu acho que estamos chegando lá. Mas ao mesmo tempo, nós estamos muito longe. Muitas coisas estão mudando ao mesmo tempo, então, de certa forma é um alvo que a gente tenta buscar, mas que também está mudando. Mas ter esta visão ajuda, porque, ao menos, nós sabemos, onde estamos tentando chegar. Eu não sou, necessariamente muito otimista sobre, porque sei que há outros sinais que mostram que as coisas não estão muito boas, mas ter a visão, e se você continuar promovendo e aprendendo, conseguiremos chegar lá.

IT Trends – Para finalizar, Yoko, a senhora tem algum conselho para empresas, governos e pessoas, como eu, para viverem melhor em direção a uma sociedade 5.0?

YI – O setor privado desempenha um papel muito importante, em particular às empresas de tecnologia. Elas têm um novo poder e potencial para tornar a transformação digital uma realidade de uma forma que a sociedade pode ser algo que realiza a todos. Mas, você precisa ter uma infraestrutura. E o governo tem um papel importante em fornecer esta infraestrutura, ao invés de tentar fazer muitas regras e políticas, então, nesse sentido eles têm responsabilidade. Mas o setor privado, são eles, que têm a oportunidade e o dever de realmente fazer a coisa acontecer. E os indivíduos, eu penso que eles têm um papel significativo para desempenhar, pois eles têm muita liberdade, eles conseguem fazer muitas coisas, se eles não tiverem esta liberdade, derem seus direitos a outra pessoa, eu acredito que eles conseguirão realizar muita coisa.

 

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