Tesla: piloto automático só para ir ao tribunal

Montadora responderá na justiça pela série de acidentes envolvendo seus modelos 'autônomos'. Especialistas criticam escolha de palavras da fabricante

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1:40 pm - 24 de agosto de 2021

Elon Musk prometeu um carro autônomo, mas vai ter que dirigir até o tribunal de justiça. O fundador da Tesla, que é conhecido por fazer promessas grandiosas e nem sempre cumpri-las, vai ter que explicar às autoridades americanas os consecutivos acidentes envolvendo os carros da marca.

O caso é conduzido pela Administração de Segurança no Tráfego das Estradas Nacionais (NHTSA, na sigla em inglês), órgão governamental com poder para julgar carros defeituosos e ordenar recalls. A investigação foi lançada depois de a NHTSA identificar, desde 2018, 11 acidentes envolvendo Teslas, deixando 17 feridos e uma pessoa morta. Cerca de 765 mil veículos da marca fabricados entre 2014 e 2021 serão averiguados.

Para Edward Niedermeyer, diretor de comunicação da Partners for Automated Vehicle Education (PAVE), a agência reguladora deveria fazer, antes de tudo, um “recall” das palavras de Musk e da Tesla, que induzem seus consumidores e o público em geral ao erro quando dizem que dispõem de piloto automático e tecnologia de direção autônoma. “Quando alguém quer saber se um carro é ou não autônomo, eu digo que há uma pergunta que pode colocar fim às dúvidas: você pode cair no sono com segurança? Se a resposta for sim, então é um veículo autônomo”, explicou à reportagem do IT Forum.

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Nenhum motorista a bordo de um carro Tesla pode dormir, mexer ao celular ou desviar a atenção do percurso percorrido. Apesar dos avisos, muita gente compartilha na internet vídeos e fotos onde aparecem desempenhando atividades aleatórias enquanto o computador se encarrega de dirigir o Tesla em movimento. A própria Tesla publicou, há dois anos, um vídeo de quase 2 minutos com o título “Full Self-Driving”, onde é possível ver um carro Model S percorrendo um percurso estabelecido sozinho, sem nenhuma ação do motorista, que permanece ao volante, acompanhando o movimento do automóvel. O vídeo acumula mais de 18 milhões de visualizações.

Niedermeyer explica, então, que há diferentes níveis de automação, e que a Tesla não está no mais avançado deles. “Temos o nível zero, em que o humano assume 100% do comando. Então passamos para o nível um, que é quando temos algo como o controle de cruzeiro, onde uma dimensão de controle, seja para frente, para trás ou de lado a lado, é automatizada. Podemos ter ainda o controle de cruzeiro adaptativo ou o assistente de manutenção de pista. A grande questão aqui é que no nível um você só tem uma ferramenta”, diz.

No nível dois, segundo o especialista, é quando dois ou mais recursos entram em ação – “você passa a ter controles latitudinais e longitudinais”. O nível três, que é onde a Tesla está, é o de autonomia condicional. “Isso significa que o carro pode dirigir sozinho em alguns lugares, em condições específicas, mas o humano a bordo tem que estar atento para imediatamente assumir o volante quando necessário”.

Os níveis quatro e cinco são os de direção autônoma propriamente dita, em que o motorista pode abrir mão do controle e cair no sono em segurança. A única diferença é que, no caso do nível quatro, a autonomia é limitada a um determinado perímetro, enquanto no nível cinco o computador assume o volante por tempo e área indeterminados.

“Nenhum carro que você possa comprar hoje pode ser chamado autônomo”, completa o especialista.

Mas então porque Musk insiste em prometer que vai entregar um piloto automático completo? “Bem, muita gente me diz que o fundador da Tesla é o maior propagador de notícias falsas e acho que não posso refutar esse comentário a essa altura do campeonato”.

A descrença de Niedermeyer tem a ver também com o fato de Musk se recusar a equipar seus carros com o famoso sensor a laser Lidar – Light Detection and Ranging, por conta do preço do aparelho.

Todos os carros da montadora americana trazem câmeras, radares e sensores ultrassônicos programados para, junto a um GPS, conduzir um automóvel de maneira autônoma. Já o Lidar, além de desempenhar as mesmas tarefas, tem algumas diferenças, e uma bastante importante é que, enquanto as câmeras convencionais captam apenas as luzes refletidas, o Lidar é também uma fonte de luz, o que lhe dá vantagens na hora de julgar distâncias e “decifrar” obstáculos.

Vale lembrar, porém, que os carros autônomos que estão em operação atualmente, como os veículos da Waymo, do grupo Alphabet, são equipados com Lidar. “Minha esperança é que as pessoas olhem para as evidências. Toda a indústria concorda sobre certas práticas, seja mapa HD, o uso de LIDAR ou sensores redundantes. Se um empresário ou uma empresa discorda dessas ferramentas e não apresenta uma tecnologia superior para fazê-lo, então não passa de um discurso especulatório e midiático”, afirma.

A justificativa do magnata da Tesla para trafegar na contramão de seus concorrentes é que o Lidar é excessivamente caro. Em 2019, ele chegou a comentar que todas as empresas que apostam e investem nessa tecnologia estão “sentenciadas ao fracasso”, por conta de seu “desnecessário” valor.

Embora nenhuma companhia revele o preço exato de seu Lidar, John Krafcik, CEO da Waymo, disse ao TechCrunch que sua equipe conseguiu reduzir em 90% o custo médio do Lidar, que de US$ 75 mil passou a valer US$ 7,5 mil.

A “economia” de Musk não é muito bem-vista por especialistas como Jeff Hecht, autor do estudo “Lidar for Self-Driving Cars”. Em entrevista ao IT Forum, Hecht afirmou que “Sensores Lidar podem coletar informações valiosas que não necessariamente são detectadas por câmeras”.

Esse aparelho poderia ter salvado a vida de dois motoristas de Tesla que colidiram em objetos não-detectados por seus radares e câmeras”. Hecht diz ainda que Musk está ignorando como o avanço tecnológico e a produção em massa podem reduzir os custos de confecção do Lidar até que sua cifra chegue a um ponto praticável.

“A verdadeira questão aqui, na minha opinião, é essa: o quão longe a Tesla consegue ir nesse caminho da direção autônoma, mas sem o Lidar?”, depois de uma pausa, Hecht mesmo responde: “eu diria que, neste momento, não iria longe o suficiente para convencer a população americana de que os carros são seguros”.

 

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