Sustentabilidade indireta: quando os dados se tornam vilões

Armazenamento na nuvem cria a falsa impressão de que uso indiscriminado de servidores não têm consequências para o meio ambiente

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12:00 pm - 26 de julho de 2022
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* Reportagem originalmente publicada na revista IT Forum de junho de 2022

Se as infraestruturas físicas se tornaram um desafio para a agenda de sustentabilida­de das empresas – principalmente pelas emis­sões de carbono e eficiência energética – o uso de nuvem também trouxe problemas. O cres­cente volume de dados gerado por IoT, satéli­tes, históricos de previsões, consumo de mer­cado, entre outros, as obriga a terem espaços cada vez maiores em servidores e a olhar com cuidado para as consequências de ter tanta coisa ocupando espaço de armazenamento.

Aproximadamente 90% dos dados nun­ca são acessados três meses após serem armazenados pela primeira vez. E as com­panhias analisam, normalmente, apenas 10% dos dados que coletam, de acordo com Renan Martins, head de tecnologia da Thoughtworks Brasil.

Renan Martins, head de tecnologia da Thoughtworks Brasil

Renan Martins, head de tecnologia da Thoughtworks Brasil

O especialista alerta sobre o hábito do excesso no meio digital. O primeiro pen­samento das empresas é que ao ir para a nuvem, há sustentabilidade automática. E, apesar de isso fazer certo sentido, visto que os grandes provedores de nuvem se preocu­pam com a eficiência energética, outras res­ponsabilidades precisam estar presentes.

“Com o data center próprio, você acaba tendo restrições, o que gera um nível de controle maior de custo e armazenamen­to. A nuvem acaba sendo um habilitador para diminuir os custos desse armazena­mento, mas não há tanta preocupação para pensar, por exemplo, ‘eu preciso apa­gar dados antigos’”, comenta Américo de Paula, head de soluções de arquitetura da Latam MCO da AWS.

Camila Zoé Frias, head de comunicação para o Google Cloud na América Latina, complementa dizendo que o excesso de da­dos é, geralmente, ocasionado pela existên­cia de projetos que não têm mais função, ou seja, estão abandonados. Dessa forma, os dados permanecem sendo armazena­dos, prejudicando a redução da emissão de carbono, além da economia de dinheiro e a mitigação de riscos de segurança.

Camila Zoé Frias, head de comunicação para o Google Cloud na América Latina

Camila Zoé Frias, head de comunicação para o Google Cloud na América Latina

Roberta Cipoloni Tiso, diretora de marketing e sustentabilidade da green4T, explica que em um inventário de emissões o escopo 1 é sobre as operações de dentro da empresa, enquanto os escopos 2 e 3 são  indiretas. “No escopo 2 é o uso da energia da empresa e a responsabilidade de usá-la de forma indireta e no escopo 3 são emis­sões que ocorrem na cadeia de valor da companhia, por exemplo, viagens de negó­cios, uso de matérias-primas, entre outros. E, cada vez mais, os escopos diretos e indi­retos têm a mesma importância”.

Porém, para ela, a questão de olhar para a nuvem tem um mito, talvez até pelo nome, de que a cloud não tem uma infraes­trutura tanto quanto o data center on pre­mise. E, nesse sentido, é necessário olhar até um passo antes – sabendo qual nuvem escolher e se tudo deve ir para lá.

Prioridades

Essa preocupação, inclusive, é perene em grande parte das organizações. Uma pesquisa realizada no ano passado pela IDG com mais de dois mil líderes globais da área de TI, a pedido do Google Cloud, apontou que 90% dos gestores consideram a sustentabilidade uma prioridade em seus de­partamentos de TI e 75% afirmam ser algo “im­prescindível” ou “muito importante” na hora de avaliar fornecedores de serviços de nuvem.

Na América Latina, que inclui o Brasil, o ce­nário não é diferente, com 93% dos tomadores de decisão dizendo que a sustentabilidade é uma prioridade em suas áreas de TI, enquan­to 78% afirmam ser algo “imprescindível” ou “muito importante” no momento de avaliar fornecedores de serviços de nuvem.

“O aumento da urgência e conscientização da população aumenta a pressão sobre os ne­gócios. Essa pressão vai crescer para empresas de tecnologia. Logo, vamos ter conversas mais urgentes porque as ações digitais possuem um impacto e os hábitos de desperdício estão sen­do replicados no digital”, adverte o especialista.

Ter um olhar sustentável não é apenas so­bre o meio ambiente. “Custo é um pilar que acaba passando pela sustentabilidade ou

como o primeiro ponto – com a sustentabili­dade vindo em seguida. Nós vemos empresas mais conscientes, principalmente as de maior porte ou as que nasceram no mundo digital.”, declara Américo.

Um estudo encomendado pelo Google Cloud à IDG revelou que 54% dos entrevista­dos afirmam que iniciativas de sustentabi­lidade são importantes para suas empresas devido à responsabilidade social corporativa, enquanto 46% são motivados por leis e obriga­ções ambientais. No caso da América Latina, a responsabilidade social corporativa também é o principal motivo (61%), mas as preocupa­ções com os impactos das mudanças climáti­cas têm uma importância consideravelmente maior quando essa região é comparada a ou­tras partes do mundo com 59% contra 40% em relação à média global.

A adoção de metas relacionadas à sustenta­bilidade por parte dessas empresas também foi alvo do estudo. Globalmente, apenas 67% dos entrevistados já adotaram, na prática, metas de sustentabilidade, ao passo que na América Lati­na a perspectiva é bem melhor, com 70% dos lí­deres de TI confirmando que suas organizações já adotaram metas de sustentabilidade.

Provedores vs clientes

O executivo da AWS revela que a empresa trabalha de forma proativa para entender a relevância e a importância de armazenar to­dos os dados que os clientes imaginam que seja necessário. Por outro lado, é percebida a preocupação das companhias no contexto de ESG e sua relação com a emissão de carbono, como usam seus recursos e como otimizá-los.

Américo de Paula, head de soluções de arquitetura da Latam MCO da AWS

Américo de Paula, head de soluções de arquitetura da Latam MCO da AWS

Uma das iniciativas comentadas por Amé­rico é um Squad de otimização de custos. A equipe revisa as arquiteturas dos clientes para a redução de custos, analisando arma­zenamento, servidores, arquiteturas e até sistemas que não estavam sendo usados ou estavam sendo subutilizados.

A Leroy Merlin é um dos clientes beneficia­dos pelo projeto. Com a pandemia, a varejista precisou fechar todas as suas lojas no Brasil. Uma série de ações foi realizada para garan­tir a otimização dos custos, como resizing de máquinas, desligamento de ambientes pouco utilizados e redesenho de aplicações.

Após aplicar as recomendações dos relató­rios, em dois meses a Leroy Merlin teve uma redução de cerca de 20% em seus custos com infraestrutura – representando uma diminui­ção acumulada de 12% ao ano.

“Outro exemplo é o relatório de recomenda­ção de projetos abandonados, um recurso que usa Machine Learning para identificar proje­tos que, provavelmente, estão abandonados, sinalizando-os para que as organizações pos­sam optar por excluí-los facilmente, reduzin­do suas emissões de carbono, economizando dinheiro e mitigando riscos de segurança. Outra novidade do Google Cloud para ajudar as empresas a cumprirem seus objetivos de sustentabilidade é o Carbon-free Energy (CFE), uma pontuação que possibilita que os clien­tes escolham os lugares que têm as emissões de CO2 mais baixas”, resume Camila.

Neste sentido, o Google Cloud trabalhou, por exemplo, com o HSBC, para reduzir o im­pacto de carbono movendo grandes cargas de trabalho do ambiente on-premise para a nuvem. A mudança da biblioteca de fotos da National Geographic para o Google Cloud Platform ajudou a reduzir as emissões em cer­ca de 17 mil kg de CO2 por ano.

Thoughtworks tem, ainda, um case com a Holaluz, que amadureceu sua infraestrutura e arquitetura nos últimos anos para reduzir a pegada ambiental da execução de suas ope­rações. Ao implementar a ferramenta Cloud Carbon Footprint, a equipe a preencheu com dados reais de custo e uso para entender a pegada ambiental da atual arquitetura de nu­vem da Holaluz. Para possibilitar uma solução repetível, confiável e automatizada, foi usada a infraestrutura como código (Terraform – uma solução de código aberto) para definir os recur­sos necessários para executar o aplicativo na nuvem, em vez do laptop de um engenheiro.

Foram identificadas oportunidades para reduzir seus custos anuais de infraestrutura em 3%, além de reduzir as emissões de CO2 e as métricas de consumo de energia. Ao iden­tificar tendências incomuns, houve aumento da conscientização sobre as taxas de uso de infraestrutura para determinados eventos de negócios, como migrações de banco de dados e alterações de licenciamento. Também so­brepuseram o contexto de negócios e os KPIs às métricas de custo e sustentabilidade, que forneceram uma visão dos picos de consumo passados e ajudaram a determinar os passos futuros da empresa.

KPIs, inclusive, são essenciais nessa jornada mais sustentável. “Porque sem dados, sem KPIs, eu não consigo mensurar, frisa Roberta, da Green4t.

Roberta Cipoloni Tiso, diretora de marketing e sustentabilidade da green4T

Roberta Cipoloni Tiso, diretora de marketing e sustentabilidade da green4T

Por dentro dos data centers

Faz parte da jornada de sustentabilidade dos clientes, também, ter responsabilidades ao contrata o seu provedor de nuvem. O Goo­gle, por exemplo, em 2017 equiparou seu uso de energia com energia 100% renovável e, em 2020, eliminou todo o seu legado de CO2 ao comprar compensações de alta qualidade su­ficientes para compensar todas as emissões operacionais anteriores a 2007.

“A maioria dos data centers utiliza tanta energia em tarefas de informática (refrigera­ção, conversão de energia, entre outros) como para alimentar seus servidores. Uma das ações do Google Cloud foi desenvolver algo­ritmos de IA para remanejar cargas de traba­lho em função de reduzir custos quando não se tem energia limpa para operar. Trata-se, portanto, de como fazemos mais com menos e como fazemos essa troca de fontes de ener­gia para operar. Em média, um data center do Google usa 50% menos energia do que um data center típico e oferece 7 vezes mais ca­pacidade de computação do que há 5 anos”, afirma Camila.

Mais recentemente, em setembro de 2020, o Google definiu sua meta de energia mais ambiciosa: administrar seus negócios com energia livre de carbono em todos os lugares, em todos os momentos, até 2030. Isso signifi­ca que a empresa pretende sempre ter seus data centers abastecidos com energia livre de carbono.

No caso da AWS, um estudo da 451 Resear­ch mostrou que sua infraestrutura é 3,6 vezes mais eficiente em termos de energia do que a média dos data centers corporativos dos Estados Unidos. A mesma pesquisa demons­trou que, em consideração à intensidade de carbono da eletricidade consumida e das compras de energia renovável, a empresa executa a mesma tarefa com uma pegada de carbono 88% menor.

Quando possível, a AWS incorpora tecno­logia de evaporação direta para resfriar seus data centers, reduzindo o consumo de ener­gia e água. Durante os meses mais frios, o ar externo é fornecido diretamente ao data cen­ter sem usar água. Durante os meses mais quentes do ano, o ar externo é resfriado por meio de um processo de evaporação usando água antes de ser empurrado para as salas dos servidores.

“Nós temos mais de 230 projetos de energia renovável do mundo e uma de nossas metas é, até 2025, ter toda a operação rodando em ener­gia renovável. O maior comprador corporati­vo de energia renovável somos nós (incluindo a AWS e Amazon.com) e, hoje, nós já geramos mais de 10 mil megawatts com energias reno­váveis – isso é equivalente a poder entregar energia a 2 milhões e meio de residências nos EUA”, resume Américo.

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