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Storytelling com dados

Pensar em como contar uma história através de dados é uma tarefa difícil para a grande maioria das pessoas. Isso é natural, desde a escola aprendemos português e matemática como coisas distintas. Enquanto nas aulas de português aprendemos a formular frases e histórias, na matemática aprendemos a entender os números. Dificilmente essas duas matérias se encontram e por isso ouvimos muitas vezes os discursos “eu sou de humanas, não preciso saber números” ou o contrário “sou de exatas, não preciso saber escrever”.

Com o avanço da tecnologia, ficou mais fácil para os profissionais criarem gráficos. Quase todo mundo sabe inserir informações em um software, como o Excel, e gerar um gráfico. Porém, para a grande maioria o trabalho acaba aí, e aí está um grande erro. A ferramenta que você usou para criar seu gráfico não sabe qual a história que tem por trás dos dados que você colocou ali. Se você não contar essa história, aquela informação pode ser muito difícil de ser entendida e pode ser interpretada erroneamente ou até não ser levada em consideração pelo seu interlocutor.

Este artigo tem como objetivo te ajudar a conseguir melhorar a maneira de expor seus dados. A grande referência para este artigo é o livro “Storytelling with data” da Cole Knaflic. Ela é uma antiga funcionária do Google que desenvolveu um treinamento para toda a equipe sobre como contar histórias através de dados (inclusive para a área de RH). O conteúdo que vem a seguir será uma análise comentada do que ela aborda no livro (existe a versão traduzida do livro, Storytelling com Dados, super-recomendo a leitura para se aprofundar mais nesse assunto).

Para facilitar o entendimento do tema e a aplicação na prática, eu separei em três fases principais: ter um objetivo e um contexto claro, pensar na melhor maneira de apresentar os dados e como contar a história.

1 – Ter um objetivo e um contexto claro

Em toda demanda que eu faço sempre tento entender qual o objetivo do que irei fazer e onde espero chegar com aquilo. Porém, é comum ver pessoas que saem fazendo algumas tarefas sem entender muito bem o porquê de estarem executando aquilo. Para uma boa história, antes de pensar nos cruzamentos e nas visualizações de dados, é necessário pensar em quem, o quê e como quero passar a minha informação.

Primeiro ponto é entender o público. É fundamental ter conhecimento sobre para quem está estruturando seu relatório, qual o nível de conhecimento dele sobre o assunto e o tempo que terá para apresentar. São pontos fundamentais e que podem mudar completamente a maneira como você apresenta. O tipo de apresentação e informação serão totalmente diferentes se for para um dono de uma grande empresa com pouco tempo para te atender ou para um analista que pode entrar muito mais no detalhe de como chegou naquele número.

Depois de ter bem definido quem será o público, pense em que tipo de ação quer que ele tome ou que tipo de discussão você quer gerar. Esse momento é o de gerar uma sensação maior do que apenas “ah, isso é interessante” e depois ficar esquecido. Sugiro sempre recomendar uma ação que gere impacto no seu público, por exemplo, “se você não diminuir seu custo fixo com funcionários, em três meses sua empresa irá falir”.

Por fim, mas tão importante quanto os outros pontos, é como será realizada a apresentação. O material precisa ser criado totalmente diferente levando em conta se conseguirá apresentá-lo pessoalmente ou se enviará um documento. Apresentando você tem um controle alto do público e pode ter menos informações nos slides para que eles prestem atenção em você, já no material escrito você precisa ser o mais detalhista possível para conseguir contar a história por inteiro.

No livro da Cole, ela lista algumas perguntas importantes para conseguir definir claramente o objetivo e o contexto, listei as que considero mais importantes abaixo:

  • Quais informações são relevantes ou fundamentais?
  • Quem é o público ou o tomador de decisão?
  • Quais dados disponíveis reforçariam nossa tese? Nosso público conhece esses dados?
  • Onde estão os riscos que podem enfraquecer nossa tese?
  • Como seria um resultado bem-sucedido?
  • Se você tivesse tempo para apenas uma frase, o que diria ao seu público?

Essa última frase puxa dois conceitos bem interessantes que ela aborda no livro: a “história de três minutos” e a “grande ideia”. A história de três minutos é um exercício para você se preparar para passar o que precisa em apenas três minutos. É uma ótima maneira de conseguir ser sucinto e não depender dos slides para passar a informação principal que descobriu com sua pesquisa. Já a grande ideia é ser ainda mais sucinto, conseguir resumir em uma única frase o que precisa passar. Segundo a autora da teoria (Nancy Duarte, livro Ressonância), deve articular seu ponto de vista único, transmitir o que está em jogo e deve ser uma frase completa.

2 – Como apresentar os dados

O primeiro desafio é selecionar a melhor maneira de apresentar os dados. A autora cita algumas boas práticas e quais os melhores e mais comuns gráficos para utilizar:

  • Texto simples: quando se tem apenas um ou dois números para compartilhar. Consegue dar o destaque suficiente para o número, usando um texto de apoio.

  • Tabelas: para quando você precisar comunicar várias unidades de medida diferentes. Boa para o público diversificado, pois cada um procurará a informação que é mais relevante (uma recomendação é deixar o design mais simplificado possível, dando destaque para os dados).

  • Mapa de calor: uma maneira de dar maior destaque para os dados dentro de uma tabela, usando cores mais fortes para os números maiores.

  • Gráficos de linha: usados principalmente para dados contínuos (meses, anos etc.), já que os pontos indicam uma conexão entre eles.

  • Barras: por serem simples, são os gráficos mais fáceis de serem analisados. Consegue comparar informações facilmente pelo tamanho da barra (importante usar sempre o eixo 0 para não enviesar os dados). Verticais ou horizontais podem ser escolhidos com base nos seus dados (se tem um texto grande para identificar a base, a leitura fica melhor vertical).

  • Barras empilhadas: comparar diversas variáveis que somam um total. Elas podem somar 100% (comparar avaliação de uma empresa de 1 a 5 para diversos quesitos) ou ser números absolutos.

Existem alguns outros gráficos que são indicados que ela cita no livro, mas não tão comuns. Um ponto curioso e que fez muito sentido para mim é que a autora não recomenda a utilização do gráfico de pizza ou rosca. O principal motivo é que o olho humano não consegue atribuir corretamente valores quantitativos no espaço bidimensional, quando o percentual é parecido é muito difícil identificar qual o maior. O melhor é substituí-los por gráficos de barra ou texto simples. Além do gráfico pizza, ela é totalmente contra a utilização de efeitos, como gráficos 3-D, que só dificultam a leitura.

Outro ponto importante é relacionado à saturação de informações no gráfico. Tente sempre deixar o seu gráfico apenas com as informações necessárias. Retire tudo que possa competir com a informação principal que você quer passar. Alguns exemplos: remova as bordas e a cor de fundo, remova linhas de grades e os marcadores de dados (só use se for muito necessário), deixe os eixos com os dados simplificados e fáceis de ler, deixe a legenda clara e fácil de entender e potencialize cores.

 

(Exemplo antes e depois de removida a saturação do gráfico).

Depois de remover as informações do gráfico que só competem com o dado que você quer mostrar, outro ponto importante é dar destaque para essas informações principais. Você pode utilizar atributos pré-atentivos, que são aqueles que puxam a atenção de seu olhar, para destacar uma informação. Existem os atributos pré-atentivos em texto (negrito, alteração de cor, tamanho da fonte, espaçamento maior e sublinhado) e os em imagens (forma, largura, tamanho, curvatura, tonalidade etc.).

 


(Exemplo anterior, mas dando maior destaque no aumento de pedidos não atendidos, com mudança de cor, e trazendo os números apenas a partir do momento que aumenta a diferença).

Dentre os atributos pré-atentivos, o que considero mais importante é a cor. Tendemos a achar que o colorido é mais bonito, mas pensando em dados isso com certeza dificultará a análise. Primeira dica é usar cor moderadamente. Tente dar contraste destacando o dado principal colorido com o restante em tons de cinza. Outro ponto importante é a emoção que quer passar com aquela cor, se a sua notícia for boa ou ruim pode ser fator para decidir se irá usar cores mais vivas ou não. Por fim, um cuidado importante é pela associação das cores. Estamos acostumados, por exemplo, pelo semáforo, em que o verde representa siga, vermelho pare e amarelo atenção, usar uma cor vermelha para um dado positivo, pode gerar confusão na cabeça de quem está visualizando.

 

(Imagem inicial usando a paleta do arco-íris em que você não sabe para onde olhar e a segunda, direcionando para os dados principais e tirando o destaque dos dados secundários).

Para validar se o seu relatório e seus gráficos foram criados da melhor maneira possível e que as informações principais estão sendo destacadas, uma dica é usar o teste “para onde seus olhos são atraídos”? Primeiro você mesmo pode fazer. Feche os olhos, olhe de novo para seu relatório e veja para onde seus olhos serão atraídos. Eles estão indo para onde você quer que seu público olhe? Depois disso, acho legal repetir esse teste com um amigo que ainda não tenha visto o material e pegar as percepções de uma pessoa que não está imersa no mesmo.

 

3 – Como contar a história

Para que todo esse o processo tenha o resultado esperado, é necessário construir uma boa história. Essa é a fase responsável por envolver o público, provocar seu interesse e conseguir responder às perguntas que possam estar na cabeça dele: por que devo prestar atenção? O que há de interessante nisso para mim? O mais importante é sempre colocar seu público como personagem principal da história e tudo que você irá criar são dados relevantes para ele e não para você, é fundamental realizar esse exercício.

Como toda boa história, sua apresentação também precisa ter início, meio e fim. No início da construção da história, a definição do contexto que foi realizado antes será fundamental. Você já sabe quem é seu público e o ambiente que ele está envolvido. Na sua análise, já achou um ponto de desequilíbrio (o que mudou?) e vai apresentar o ponto de equilíbrio (o que quer que aconteça) e a solução (como vai provocar as mudanças). O final deve ser sempre a chamada para a ação, você precisa dizer o que ele precisa fazer para alcançar o resultado do que você está apresentando.

Uma boa maneira para organizar sua trama é a criação de um Storyboard. Para definir o melhor fluxo de apresentação, uma sugestão é escrever os títulos dos slides que quer mostrar em um Post-it e depois ir organizando qual a melhor maneira de contar a sua história. Isso vai permitir que exista uma ordem lógica no que será apresentado. Depois de definido, você pode usar o título dos Post-its como título dos slides para facilitar o entendimento do seu público pelo tipo de informação que você quer que ele entenda com aquele slide.

A narrativa também é parte importante do processo de construção da história. A ordem que você irá apresentar os dados: cronológica (mais comum) ou começar pelo fim (quando tem um público que precisa reter atenção pelo resultado) e a maneira que irá apresentar, se será falada (apresentação com menos detalhes) ou escrita (inserir o máximo de informação e detalhamento possível).

Por fim, o poder da repetição é uma boa maneira para ajudar a fixar a sua história. Você pode trazer a informação principal para sua introdução ou resumo executivo, discorrer melhor sobre ela ao longo da apresentação e na conclusão reforçar novamente seu ponto. Com isso você estabeleceu as expectativas do que ele vai ver, depois forneceu os detalhes e por fim recapitulou. Apesar de parecer chato, a mente humana tem maior facilidade de guardar uma informação que aparece repetitivamente.

 

Poder da repetição para reforçar uma boa história.

 

Você que chegou até aqui, agora é hora de tentar implementar as dicas que passei na prática. A única maneira de aperfeiçoar o storytelling com dados é através de treinamento e prática. Depois de ler o livro, eu já mudei alguns gráficos e apresentações, e tenho certeza que você também tem bastante coisa para melhorar por aí. Por isso, recomendo muito a leitura do livro da Cole, que aprofunda essas dicas e trazem diversas outras e exemplos na prática.

*Por Felipe Teixeira

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