Apesar de muitas vezes carente de conectividade, e portanto da infraestrutura básica necessária para a transformação digital, o agronegócio brasileiro assistiu em 2020 uma explosão de startups especializadas, as chamadas agtechs. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, o número delas saltou de 1.125 em 2019 para 2.402 em 2020, ou seja, mais que o dobro.
Esse número faz parte de um estudo ainda não publicado, o Radar Agtech Brasil de 2020, e foi antecipado pelo diretor de inovação da pasta, Cleber Soares. Ele participou do Futurecom Digital Series, que começou virtualmente nesta terça (13) e que tem como objetivo discutir as tecnologias e as soluções que serão usadas pelo agronegócio nacional nos próximos anos.
“É um crescimento simplesmente fantástico”, disse o diretor. Para ele esse aumento no número de empresas inovadoras no agronegócio é reflexo de um movimento acelerado de transformação digital que chegou ao campo e que mesmo a pandemia foi incapaz de frear. Reflete ainda a importância do agronegócio no PIB brasileiro – mais de um quarto do total, ou 26,6%.
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Dois exemplos disso são o índice elevado de moradores de regiões rurais que tem telefones celulares (96%), boa parte smartphones (61%), segundo uma pesquisa de 2017 da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA) – número sem dúvida maior em 2021. Outro estudo da Mckinsey citado por Soares indica que 85% dos produtores rurais brasileiros usam algum tipo de aplicação ou software para fazer negócios atualmente.
“A pandemia foi realmente um acelerador”, concordou Paulo Alvim, secretário de empreendedorismo e inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC), também durante o Futurecom. “Já vínhamos conversando sobre levar [a transformação digital para o campo] via Plano Nacional de Internet das Coisas.”
IoT, aliás, foi provavelmente o conjunto de aplicações mais mencionado durante o evento. Alvim ressaltou que essas tecnologias serão prioridade por “uma ou duas décadas”, e vão mudar a atividade produtiva de todos os setores, não só a agropecuária, além do próprio cotidiano do cidadão.
“IoT vai trazer outras tecnologias, não só digitais. O digital é mais rápido, mas ele entra em um ciclo virtuoso que traz novas tecnologias. A grande onda vem depois, com as biotechs de materiais avançados e nanotecnologia, e as foodtechs”, ponderou o secretário. “IoT é um trator que vai abrindo caminho para a transversalidade de tecnologias.”
Aplicações que conectem sensores espalhados por grandes áreas produtivas e estruturas fabris afastadas, no entanto, ainda dependem de conectividade de ampla abrangência e baixa latência. Alvim reconhece que ainda falta conectividade no campo, mas considera que as perspectivas de crescimento são positivas e avançaram durante o ano passado.
Outro ponto crítico apontado pelos especialistas no evento é a formação de mão de obra especializada na transformação digital brasileira em geral e do agronegócio em particular. “Nesse sentido é fundamental uma grande convergência de atores públicos e privados. E não é questão só de recursos, o privado tem mais proximidade com a demanda”, disse Paim.
Para o secretário, o problema do capital humano e da formação para a transformação digital do setor rural é ainda mais crítico, pois há uma tendência de se privilegiar a população urbana. “Há um distanciamento, às vezes até um esquecimento, dessa população. E os meios de qualificação chegam sempre atrasados”, criticou. “Deveria se pensar de forma integrada porque esse distanciamento não existe mais.”
O segundo painel do Futurecom Digital Series focado no agronegócio discutiu o papel das tecnologias digitais no setor. Para o engenheiro agrônomo e professor Marcos Fava Neves, elas são parte de um esforço necessário para que o Brasil se mantenha como grande potência agropecuária global. Nos últimos 30 anos, disse, o país teve um “crescimento fantástico”, e o futuro é “extremamente promissor”.
Para que isso aconteça, disse, são necessários três conjuntos de estratégia: custos, diferenciação e ação coletiva. Em custos estão os esforços para reduzir custos e aumentar produtividade, e aqui a tecnologia é preponderante. “Para que a administração não ocorra mais por hectare, mas por metro quadrado”, ressaltou, salientando o papel da digitalização na agricultura de precisão e no combate aos desperdícios logísticos, por exemplo.
O segundo conjunto diz respeito à diferenciação, que inclui não só a qualidade dos produtos, mas também ao marketing e ao cuidado ambiental que atualmente influencia negativamente o produto brasileiro no exterior. Por último vem o coletivismo, ou seja, o fortalecimento de associações e cooperativas.
“Para muitos pequenos integrantes da cadeia produtiva do agro, são precisos esforços coletivos para que tenham acesso à tecnologia. Cooperativas podem ajudar a usar drones, aplicativos e outros componentes”, ressaltou.
Para Fabio Alencar, vice-presidente de desenvolvimento de novos negócios da SES Satellites, permitir que soluções compartilhadas cheguem ao pequeno produtor é muito importante. Para ele, contribui para o acesso a redução dos custos de tecnologias mais novas, inclusive de conectividade. “Comparado ao que vimos no passado, estamos chegando em um momento em que o custo-benefício está permitindo o acesso”, ponderou.
Conforme o 5G se aproxima, já não são tão raras as propriedades rurais em que chega fibra óptica, disse. Satélites também entram como estratégia para democratizar o acesso em regiões remotas. E, segundo o executivo, todas as tecnologias estão se barateando, incluindo computação em nuvem, analytics e drones, por exemplo.
“O fato é que a tecnologia está baixando de custo em geral, e ela traz benefício que compensam largamente o investimento”, disse. “Mas é importante que ela não fique limitada a um pequeno grupo de grandes produtores, que esteja disponível para todo mundo.”
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