Para Domenico De Masi, o líder do futuro precisa pensar em sociedade

No bate-papo de encerramento da primeira temporada do IT ForOn series, sociólogo fala sobre efeito da pandemia nas relações pessoais e profissionais

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6:10 pm - 21 de abril de 2020

O sociólogo Domenico De Masi foi o convidado especial para a última edição do IT ForOn Series, série de conversas produzidas pelo Grupo IT Mídia e mediadas pelo jornalista Vitor Cavalcanti. Durante o encontro, De Masi apontou temas como as consequências do neoliberalismo, vantagens do teletrabalho, globalização e o papel das lideranças corporativas para auxiliar as pessoas durante a pandemia do Covid-19.

A primeira crítica feita pelo sociólogo diz respeito ao neoliberalismo, termo que surigu com mais força a partir de 1980, cunhado especificamente nos governos de Margaret Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan (Estados Unidos).

“Os economistas se enamoraram do liberalismo. Todo o mundo estava partindo da ideia de que o ser humano era egoísta, que o mercado era importante e que a economia tinha que sobressair sobre a política e que o mercado financeiro tinha que prevalecer sobre a economia.”

Na contramão, segundo De Masi, estavam os sociólogos, que acreditam que o mundo atual precisa de uma política que incentive o consumo consciente e não o ganho a todo o custo.

O sociólogo cita os trabalhos de sociólogos como Serge Latouche, realizados no sentido de alertar sobre as consequências que o estilo de vida atual pode acarretar, como destruição da camada de ozônio, perda da biodiversidade e maior número de pandemias acontecendo futuramente.

“Todas as pessoas que estavam guerreando por ouro agora têm um inimigo em comum. E toda a humanidade tem que combatê-lo simultaneamente e solidariamente contra o vírus. E também é preciso lutar contra o inimigo do aquecimento do planeta e o inimigo de uma possível guerra atômica.”

De Masi acredita que, atualmente as três principais preocupações precisam estar na saúde ( “por que, se não nada adianta”), a democracia (“a Hungria está pagando o preço de usar o álibi do coronavírus para dar poder a um ditador) e a economia (“se preocupando com ricos e pobres”)

Benefícios do trabalho remoto para a vida humana

Em Ócio Criativo, sua obra mais famosa, uma das bandeiras levantadas por De Masi está na flexibilização dos formatos de trabalho, incluindo nesta seara o trabalho remoto, adotado em massa em boa parte do globo como medida para diminuir o número de pessoas contagiadas pelo novo coronavírus (Covid-19).

Durante a entrevista, o pensador conta como essa transição ocorreu na Itália. “[Antes] a previsão para 1º de maio de 2020 era ter 570 mil pessoas em teletrabalho na Itália. Mas chegou o coronavírus e em quatro semanas mudou o que não se mudou em quarenta anos: agora, temos mais de 8 milhões de italianos que teletrabalham.”

De Masi conta que, em suas pesquisas, já detectou inúmeras vantagens no trabalho remoto, tanto para os colaboradores (menos estresse com trânsito e mais tempo em casa e no bairro) como para as empresas (aumento entre 15% e 20% de produtividade). Para o sociólogo, a questão que mais impede a adoção em massa deste formato de trabalho é “uma visão antiquada de poder”.

Porém, o profissional tem a certeza de que, no longo prazo, o modelo vai se expandir, muito em parte por conta do desenvolvimento das tecnologias digitais. Que, de acordo com De Masi, é uma grande aliada da humanidade.

“A principal vantagem da tecnologia é que dispensa o homem da necessidade de trabalhar. Essa é a grande transformação, o presente que ela deixa”, afirma

Ao lembrar que, atualmente, o ser humano vive mais e tem uma carga de trabalho menor do que nos tempos da Revolução Industrial, De Masi acredita o a revolução que ferramentas como inteligência artificial, combinadas com a flexibilização do trabalho, podem contribuir de forma decisiva para o aumento da felicidade humana.

“[no trabalho regular] o espaço é muito e o tempo é pouco. Hoje estamos em casa, onde o espaço é pouco, mas o tempo é imenso. E é neste momento que se entende a importância do ócio criativo, porque o ócio criativo é a capacidade humana que nos permite dar sentido ao tempo”, explica.

O Brasil em um mundo ‘desorientado’

Em seu livro Alfabeto da Sociedade Desorientada, De Masi explica que a sociedade tem maior dificuldade para encontrar um modelo de ética válido porque, diferente do período agrícola ou industrial, ela não se guia por uma base teórica, do capitalismo de Adam Smith ou preceitos cristãos ou muçulmanos, que antes ditavam o modo de vida da sociedade.

“E de quem é a culpa? Não é dos políticos, mas sim dos intelectuais, que criaram os modelos de sociedade. Jesus Cristo era um intelectual, [Martinho] Lutero era um intelectual, [Adam] Smith era um intelectual, os iluministas eram intelectuais. Deveriam ser os intelectuais a escolher o modelo de sociedade do qual iríamos viver.”

De forma interessante, De Masi explica que o Brasil (“apesar de ter um complexo de vira lata e pensar que é a segunda categoria do mundo”) foge um pouco à regra por ter um modelo próprio. Criado, segundo ele, pela capacidade de pensadores como Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre de colocarem em livros as bases que fundaram e ainda influenciam o comportamento dos brasileiros.

“Eu chego a chamá-los de ‘Inventores do Brasil. Apesar de Cabral ter descoberto país, foram intelectuais como Darcy Ribeiro, com seu livro O povo brasileiro; Sérgio Buarque de Holanda, com Raízes do Brasil; Gilberto Freyre com Casa Grande e Senzala e mesmo o trabalho de Fernando Henrique Cardoso que ajudaram a inventar o Brasil”, explica.

Um nova cultura de globalização

Falando sobre os impactos da pandemia na indústria, De Masi relembra o modelo atual de globalização, na qual os países ditos de primeiro mundo têm o monopólio da criatividade, dos laboratórios e universidades, enquanto as nações de segundo mundo contribuem com uma força de trabalho mais qualificada e os países de terceiro mundo abrigam as fábricas e a mão de obra operacional.

O sociólogo acredita que a globalização também está contribuindo para criar um movimento inverso, no qual países ditos terceiros estão trabalhando no seu desenvolvimento intelectual, saindo de um papel mais mecânico. “Está florescendo uma nova globalização, a globalização cultural. Graças aos meios de transporte e a expansão dos veículos de mídia.”

De Masi também chama a atenção para a expansão da globalização financeira. Essa, pelo contrário, prejudicial ao mundo do ponto de vista da sociedade “A [globalização] cultural quer redistribuir a riqueza e o saber, dar oportunidades. E a globalização financeira quer reunir todas as riquezas nas mãos de poucas pessoas.”

Perguntado sobre a possibilidade de um novo capitalismo, De Masi acredita que é uma possibilidade, mas esse novo modelo não poderia ser chamado de “capitalismo”, pois o trabalho de Adam Smith se baseia da crença de que o ser humano é egoísta – aspecto não muito positivo para a vida em sociedade.

Outra questão abordada pelo sociólogo é o conceito de “mão invisível”, que funcionaria como um disciplinador do egoísmo humano para equilibrar o mercado.

“Ninguém nunca entendeu de verdade [o termo]. Adam Smith fala da mão invisível em apenas três linhas. Três linhas em um livro de mil páginas. A mão invisível é um conceito praticamente místico, é uma citação de Shakespeare.”

Falta de representantes globais

Voltando ao tema Covid-19, De Masi acredita que a gravidade da situação fará com que as pessoas refaçam a estruturas de pacto social. Usando como exemplo a Itália, seu país-natal, o sociólogo contextualiza que grande parte das mortes de pessoas idosas aconteceram em casas de repouso (também conhecidas como asilos) e que, após a pandemia, esse tipo de situação deve sofrer mudanças profundas.

“É uma coisa injusta e me envergonho desta grande praga italiana. Agora, ocorre um novo pacto social no qual, assim como o progenitor cuida, protege, alimente e veste a criança, ela irá proteger, cuidar e dar suporte ao idoso, assim como se cuida de uma criança”, diz.

Outras duas questões que devem ser abordadas com mais força, de acordo com De Masi, é a situação dos imigrantes e a desigualdade social causada disparidade econômica entre ricos e pobres.

“Warren Buffet, o quarto [homem] mais rico do mundo, disse que ‘A luta de classe existe. Somos os ricos que estamos fazendo com os pobres. E estamos vencendo’. Os ricos deveriam ter medo dos pobres, porque se eles ficam muito pobres há grandes chances de haver uma revolução, como aconteceu na metade do [século] 17”, explica.

O novo líder de um mundo pós-pandemia

Falando sobre a postura de lideranças globais para a pandemia, De Masi, acredita que o mundo poderia estar em uma situação um pouco melhor. “O momento é terrível, porque as lideranças que temos agora estão apenas preocupadas em manter seu poder, mas não têm nenhuma ambição de implementar um modelo de vida melhor. Absolutamente [o líder] não é Trump, absolutamente não é Putin e nem os líderes europeus.

Porém, o sociólogo destaca o trabalho que vem sendo realizado pelo Papa Francisco, tanto no combate a pandemia como nos alertas sobre o aquecimento global. “Apesar de eu não ser cristão, vejo que ele é o único chefe de nível mundial que é bem claro sobre os problemas da sociedade”.

Para encerrar, De Masi fala sobe a postura ideal que líderes de negócio poderiam adotar durante a após o tempo de pandemia, utilizando como exemplo Adriano Olivetti, que tinha como princípio a ideia de que o lucro deveria ser reinvestido para os benefícios de toda a sociedade.

“A ideia de Olivetti era de que os empreendedores devem criar uma comunidade em que á a participação da universidade e do governo público da cidade. Só a partir dessa parceria é que possível criar uma sociedade em que o trabalho não cria desocupação, a riqueza não cria pobreza e a educação não cria ignorância.”

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