Notícias

O futuro dos bancos e o futuro do mainframe

Comecei a carreira em Computação nos mainframes, escrevendo
programas Cobol e Assembler. Tenho gratas lembranças desta época pioneira. No
decorrer destas décadas de atividade, sempre ouvi falar e li muitos textos sobre o
fim os mainframes. Até agora, nada aconteceu. Ainda existe um conjunto razoável
de empresas que usam mainframes, principalmente bancos, governos, seguradoras,
empresas de TI e algumas empresas aéreas. Não temos nenhuma lista oficial de
base instalada destas máquinas, mas existe um site, “List of all companies that have a
Mainframe Machine
”, que procura dar uma visão desta
base instalada.

Outro dia, em uma longa conversa com executivos de um
grande banco, o assunto ressurgiu e essa conversa me gerou alguns insights que
creio que vale a pena debater aqui. Os bancos são os principais usuários de
mainframes desde que os computadores de grande portes surgiram, com os /360 da IBM, em 1964. Hoje, mais de
50 anos depois, a maioria dos bancos ao redor do mundo ainda os usam em seus
“core systems”.  Embora seja certo que as
tentativas de substituição desses sistemas tenham se mostrado muito caras e
demoradas, como testemunhado por alguns bancos australianos, o status quo não é
mais uma opção.

Acredito que as revisões da infraestrutura básica dos
bancos ganharão importância nos próximos anos, já que os sistemas legados
alcançaram o ponto de saturação, uma vez que a integração complexa de sistemas
desatualizados está se tornando muito dispendiosa. Os fatores que provavelmente
impulsionarão maiores investimentos em uma nova infraestrutura de TI para os
bancos incluem:

1 – novas e aprimoradas tecnologias, como a adoção da computação
em nuvem;

2 – maior foco na qualidade dos dados, acessibilidade, padronização e
utilização, combustível essencial para uso mais aprimorado de IA;

3 –  aumento
das expectativas do cliente, o que vai se acelerar com iniciativas como as
adotadas pelo Open Banking na Europa e que vai chegar aqui;

4 – e foco
crescente na agilidade e redução de custos, frente à ameaça das Fintechs e Bigtechs.

Bigtechs são as grandes empresas de tecnologia entrando nas atividades
bancárias. As iniciativas de empresas chinesas e agora as americanas, como Amazon (“Amazon
could become the third-biggest US bank if it wants to: Bain study
”), mostram
que o jogo pode mudar radicalmente.

A maioria dos grandes bancos ainda está no início de um
processo de Transformação Digital e provavelmente vai concentrar seus esforços em
atualizar componentes de TI onde o ROI seja mais atraente. Em contraste, os
bancos digitais, Fintechs e Bigtechs, com suas plataformas ágeis e velocidade rápida
de entrada no mercado, estão simplificando o mundo financeiro, criando novas e
agradáveis experiências de serviços centradas no cliente, transformando a forma
como o banco é visto pelos usuários. Abrir uma conta em bancos digitais como
Banco Original, Banco Inter ou Neon é fácil e rápido, seja pessoa física ou
jurídica. Não é preciso ir a uma agência. Você faz do celular mesmo. Independente
do banco, o processo não muda. A abertura pode ser feita no próprio aplicativo.

A conversa com os executivos do banco mostrou uma realidade
desafiadora: os principais sistemas bancários foram desenvolvidos por produto,
em sistemas construídos de forma monolítica. Como os principais sistemas
bancários foram desenvolvidos por produto, os grandes bancos podem ter mais
algumas dezenas de diferentes sistemas, todos escritos em diferentes gerações
de software ao longo de décadas. Isso criou silos verticais cujos sistemas são
incompatíveis e dificultam em muito o compartilhamento de dados. Foram desenvolvidos
sem maiores preocupações com a integração ente eles. À cada nova solicitação de funcionalidades específicas pelo pessoal das
linhas de negócio, os bancos precisam fazer
demoradas e caras correções personalizadas para anular esta falta de
interoperabilidade. Em alguns casos, milhares de aplicativos precisam ser
mantidos, criando um nível de complexidade considerável.

Apesar de complexa, essa arquitetura de TI tem sustentado
historicamente as operações dos bancos, provando serem muito estáveis,
confiáveis ​​e capazes de suportar cargas de trabalho consideráveis. Mas, não são ágeis. Embora possam ser feitas modificações, isso não é fácil e, à medida que
as demandas nos sistemas se aceleram, fica mais difícil para os bancos
acompanhar as rápidas mudanças no mercado. Muitas dessas aplicações antigas
foram escritas em COBOL, e não foram escritas para o ritmo das mudanças na era
atual. Estas aplicações monolíticas executam muitas funções e consistem em
pedaços maciços de código muito intrincado,  difíceis de
modificar e conectar com outras aplicações. Muito tempo é gasto para fazer,
até mesmo, uma pequena alteração.

Até agora esta arquitetura tem funcionado. Os ambientes
bancários sempre foram relativamente estáveis, com mudanças cosméticas, sem
maiores ameaças externas, uma vez que a competição vinha de produtos lançados
por outros bancos. Não havia competição oriunda de outros setores. Agora, as
exigências de velocidades e transformações que estão ocorrendo em todos os
setores e, claro, também nos bancos, fazem com que as demandas sobre a
infraestrutura de TI estejam aumentando, já que as expectativas dos clientes cada
vez mais empoderados, têm crescido
substancialmente.

O cenário de negócios tem mudado muito rapidamente e além de
competição externa, mudanças nas regulações como o Open Banking, afetam em
muito o “business as usual” com o qual os bancos tinham se acostumado. Quando os atuais sistemas bancários foram criados, o mundo era um
lugar muito diferente. A agência bancária era normalmente o único canal de
contato com o cliente e a maioria dos processos era focada no produto e não no
cliente. Além disso, processos como abertura de conta, aprovação de crédito, e
outros, podiam levar dias para serem concluídos.  Mas os consumidores de hoje, com
base em suas interações com empresas de outros setores, se acostumaram a
processos rápidos e de baixo atrito (integração, facilidade de concluir uma
transação, etc.). Além disso, esperam cada vez mais produtos e
serviços adaptados às suas necessidades e desejos individuais.

Estas demandas do novo
consumidor é que vêm impulsionando grande parte do apelo das Fintechs. Elas
endereçaram exatamente esta carência dos consumidores frente aos bancos
tradicionais. Os dados isolados em silos também são um entrave para um uso mais
sofisticado de IA. IA é o motor, mas os dados são o combustível. A
dificuldade de integrar os dados e torná-los acessíveis aos algoritmos, é vem tornando o uso mais eficaz da IA pelos bancos mais difícil. E, claro, o custo de manter
sistemas legados aumenta à medida que os sistemas envelhecem.

O cenário regulatório também tem se tornado mais complexo.
Na Europa estamos vendo  o General Data
Protection Regulation (GDPR), que estará em vigor a partir de 25 de maio, aperdar os controle de provacidade. O
GDPR  se baseia no conceito de que os
indivíduos têm um “direito humano fundamental” de usar seus dados
pessoais como bem entenderem. Serão impostas severas penalidades financeiras às
organizações que fizerem uso indevido de dados pessoais. E isso afetará as empresas
brasileiras, pois qualquer empresa que possua filiais ou armazene ou processe
dados de cidadãos europeus estará obrigada a cumpri-lo.

Outra regulação europeia,
a PSD2, exige que os bancos compartilhem dados de clientes com terceiros apenas com o consentimento prévio dos clientes.  E também permite que terceiros iniciem pagamentos da conta
bancária de um cliente na conta bancária de um lojista. O PSD2 aumenta a chance
de que um terceiro possa se inserir entre os bancos e seus clientes, oferecendo
a esses clientes uma melhor experiência do usuário e produtos superiores aos
oferecidos pelos bancos. Será  um desafio aos bancos, com certeza, que mudarão
muito com isso. A respeito, vale ler o artigo “PSD2
– the directive that will change banking as we know it
”. No Brasil, não se
tem expectativa para uma regulamentação de open banking em um futuro próximo. Mas
sabe-se que o Banco Central tem acompanhado o tema e a diretiva europeia, que
poderá servir de inspiração para uma regulação em um momento futuro. É difícil
pensar que open banking não se desenvolverá no Brasil. Será uma questão de tempo.

Aqui no Brasil a regulamentação das fintechs de crédito,
aprovada recentemente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), deve intensificar
a oferta de empréstimos com taxas menores, ampliando a concorrência com os
grandes bancos. Uma consequência provável da regulação é que várias Fintechs se
preparem para ter uma atuação totalmente autônoma. Hoje, para operarem, essas
plataformas precisam de uma parceira com uma instituição financeira autorizada
a operar pelo Banco Central. Com a nova regulação, as Fintechs que tenham ao
menos R$ 1 milhão em capital poderão buscar uma licença no BC para atuar como
instituição financeira com regras mais simplificada. Outra consequência da
regulação é que os volumes que as Fintechs devem receber de grandes
investidores internacionais, como fundos de private equity, tendem a crescer.

Estas mudanças regulatórias levantam questionamentos sobre
como estas e futuras regulamentações mudarão a natureza da concorrência no setor
bancário, e se esses regulamentos colocam os bancos com sistemas legados em
desvantagem competitiva. A questão básica é que tanto a tecnologia quanto a
estrutura dos principais bancos mudaram drasticamente desde que os principais
sistemas de TI foram implantados décadas atrás. Embora a maior parte dos
últimos desenvolvimentos de TI dos bancos tenha se concentrado nos novos
canais de interface com o cliente, como apps e web sites, calcula-se que dois
terços dos custos de TI de um grande banco não sejam vistos ou tocados pelo
cliente. Nos últimos anos vimos muitos sistemas serem desenvolvidos para
acelerar processos, mas os principais sistemas bancários de TI permanecem os
mesmos. Mesmo as implementações das variantes digitais dos bancos tradicionais
usam a praticamente a mesma infraestrutura “core systems” de TI com as quais nasceram os bancos nasceram.

O “core system” de um banco é essencialmente o sistema de
back-end usado para recursos de processamento de depósitos, empréstimos e
créditos. Isso é usado para transações bancárias, fazer e pagar empréstimos,
abrir contas, processar depósitos e saques em dinheiro, e fazer interface com
sistemas de contabilidade para reconciliar transações e atualizar as contas dos
clientes e outros registros financeiros. A arquitetura de TI baseada em
mainframes, começa a mostrar que o crescimento e a escalabilidade dos negócios torna-se
proibitivamente cara. Embora a proliferação de servidores que vimos a partir
dos anos 90 (lembram-se do downsinzing?)  tenha ajudado a diminuir a dependência dos
mainframes para as novas aplicações, isso tem levado aos bancos a ficar com
grandes estoques de hardware subutilizado, com milhares de servidores usando apenas
uma fração de sua capacidade.

A grande barreira que impede a saída dos bancos dos mainframes
é o alto custo da mudança. Não é tecnológica, pois as grandes empresas de
tecnologia como Amazon, Google, Facebook, Apple e as chinesas voltadas a
pagamentos como Alipay e Tencent TenPay não usam mainframes. Como o
investimento inicial em um novo “core system” é elevado, o retorno sobre o
investimento pode se estender por vários anos. De acordo com uma análise da
Capgemini (“Core
Banking Transformation: Measuring the Value
“), o período de retorno para os
projetos do core banking pode variar de 2,5 a 5,5 anos, com um tempo médio de
4,5 anos.

Entretanto, como as Bigtechs mostram, ter sistemas e
infraestruturas de computação ágeis permite competir de forma mais eficaz em um
ambiente de negócios em constante transformação.  Os bancos ainda estão relutantes em revisar os
seus “core systems”, devido ao alto investimento inicial, alto risco de
execução e demorado ROI.

Algumas alternativas à substituição têm apresentado
resultados interessantes, como o caso do DBS, o maior banco de Cingapura, que
não substituiu inteiramente seu “core system”, mas reduziu imensamente sua
dependência dele. Vale a pena conhecer sua experiência, descrita em “Executing
the digital strategy
”. A experiência de Transformação Digital do DBS (1) demonstra na prática os benefícios de um banco que se transforma
fundamentalmente em um banco digital; (2) que um banco digital deve reduzir drasticamente
sua dependência do “core system” legado
mesmo que não o substitua; (3) e que esta abordagem é provavelmente uma alternativa
atrativa para os grandes bancos, que têm escala e recursos substanciais.

Indiscutivelmente, sem reformar os “core systems” será
difícil para os bancos incumbentes igualar a agilidade e o menor custo de
serviço por cliente que os novos atores, sejam Fintechs, BigTechs ou bancos
nativos digitais, podem prover. Hoje, cerca de dois terços ou mais dos
orçamentos de TI dos bancos são gastos em manutenção. De maneira geral, o investimento
em mudanças reais ou inovações é uma pequena fração dos seus orçamentos de TI.

A computação em nuvem e uma arquitetura mais moderna
oferecem soluções para problemas dos sistemas legados de TI.  A mudança para a nuvem oferece o redução de custo e a
eficiência, enquanto o redesenho de aplicativos legados oferece o benefício da
agilidade e velocidade de desenvolvimento de produtos para
acompanhar a evolução do mercado.

Ser inovador e responsivo às demandas do cliente (fazer
atualizações contínuas em um aplicativo) pode ser um diferencial importante. O
exemplo da Amazon (How
Amazon handles a new software deployment every second
) é emblemático. A
capacidade de virtualizar todo o hardware de TI (servidores, computação e rede)
já está disponível, o que significa menos necessidade de equipamentos físicos
do que a tradicional arquitetura de TI legada. Com a nuvem, um processo medido
em meses pode agora ser feito em minutos. À medida que mais recursos são
exigidos, uma máquina virtual pode ser gerada em minutos.  Aplicativos modernizados, construídos com base
no conceito de microserviços, fornecem produtos flexíveis e ágeis. 

E os mainframes, como ficam? Não irão
desaparecer de um dia para o outro, mas à medida que sua relevância para
negócios diminua, a capacidade computacional residente nestas
máquinas tende a diminuir.  Esta lenta
curva descendente continuará até que seja atingida o seu ponto de inflexão,
quando o processo se acelerá exponencialmente. Quando vamos atingir este ponto? Bom. nninguém tem esta bola de cristal!

Sem sombra de dúvidas, as capacidades de mudar
rapidamente, inovar facilmente e competir são necessidades estratégicas. Os
bancos não vivem mais em um ambiente estável, com a competição se dando apenas
entre os mesmos atores. O ritmo da inovação e o efeito da revolução das FinTech,
Bigtechs e bancos digitais estão se acelerando. Creio que veremos uma
divergência entre bancos que manterão sua infraestrutura tradicional e outros atores
do sistema financeiro que adotarão o novo mundo tecnológico. Um banco lento
tenderá a se tornar um fornecedor de commodities de serviços regulados com
margens baixas. Talvez seu futuro seja sombrio.

 

(*) Cezar Taurion é presidente do I2A2- Instituto de Inteligência Artificial Aplicada, head de Digital Transformation da Kick Ventures e autor de nove livros sobre Transformação Digital, Inovação, Open Source, Cloud Computing e Big Data

Recent Posts

Nova IA promete revolucionar a biomedicina ao prever comportamento de moléculas

O Google DeepMind e a Isomorphic Labs revelaram o AlphaFold3 nesta quarta-feira (8), uma inovação…

12 horas ago

TikTok lança sistema de rotulagem automática para conteúdo gerado por IA

O TikTok anunciou nesta quinta-feira (9) que implementará um sistema de rotulagem automática para identificar…

13 horas ago

Convênio entre Unicamp e Inmetrics quer acelerar uso de IA generativa

A Inmetrics e o Parque Científico e Tecnológico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), gerido…

13 horas ago

IA facilita reencontro de animais e tutores no RS após enchentes

As recentes enchentes no Rio Grande do Sul não afetaram apenas pessoas, mas também milhares…

14 horas ago

13 oportunidades de ingressar na área de tecnologia

Toda semana, o IT Forum reúne as oportunidades mais promissoras para quem está buscando expandir…

14 horas ago

EXCLUSIVO: Konecta Brasil fatura R$ 650 mi em 2023 e quer chegar a R$ 1 bi em 2025

A Konecta Brasil, unidade brasileira do grupo espanhol especialista em relacionamento e experiência do cliente,…

15 horas ago