‘Nós estamos extremamente atrasados na organização de dados de saúde’

Conversamos com o diretor executivo da Anahp, Antônio Britto, para entender porque o 'open healthcare' pode não ser realidade no Brasil tão cedo

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11:00 am - 07 de abril de 2022

A era do uso de dados para melhorar a experiência da população e ajudar instituições a tomarem melhores decisões chegou. E se o open finance está sendo discutido e implementado no setor financeiro, não é de hoje que se fala sobre o open healthcare – projeto que padronizaria os dados do paciente para que os médicos possam ter acesso a informações clínicas e outras instituições, como planos de saúde, tenham um panorama geral da saúde no país.

Entretanto, alguns desafios ainda precisam ser superados para que essa seja uma realidade. Para 78% líderes da área de saúde, seu maior desafio para TI este ano é o aumento da inteligência do negócio (BI, Analytics, Big Data) para tomada de decisões, segundo a pesquisa Executivo de TI 2022, realizada pela área de estudos da IT Mídia. Em seguida, com a mesma porcentagem, está o aumento de segurança dos dados e do ambiente de TI.

Ainda assim, com a efetivação da Lei Geral de Proteção de Dados, o setor de saúde foi fortemente impactado com a forma na qual os dados teriam que ser tratados. Por isso, a estrutura organizacional dessas empresas foi afetada. Prova disso é que a figura do Chief Information Security Officer (CISO) é muito mais presente dentro do setor do que a média de mercado (62% versus 43%, respectivamente).

De acordo com o levantamento, 82% dessas organizações acreditam ter maturidade média de seus dados – dizendo que são processados de forma estrutura, permitindo insights ao negócio e ofertas customizadas aos clientes.

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Se, para dentro das instituições isso acontece, a organização dos dados públicos e privados como um todo para gerar políticas públicas que melhorem a saúde no País ainda não é uma realidade. No Dia Mundial da Saúde, conversamos com Antônio Britto, diretor executivo da Anahp, sobre o open health e quais os principais desafios para que ele seja uma realidade no Brasil.

Antônio tem vasta experiência política e já atou como governador do Rio Grande do Sul, deputado federal e ministro da Previdência Privada. Defende a importância de se ter uma proposta que, em primeiro lugar, proteja os dados dos pacientes. E afirma: não falta tecnologia para o open health.

“Tem um país no mundo que tem um sistema informatizado para declarar Imposto de Renda que é melhor do que a maioria dos países do mundo. Esse mesmo país apura o resultado do voto de milhões de pessoas em três horas sem dúvidas e sem nenhum problema. Esse país se chama Brasil. É óbvio que tem tecnologia e conhecimento, falta decisão política. O país que organizou as eleições não vai saber organizar um cadastro de informação de saúde? Claro que a gente pode, a grande pergunta é: se pode, por que não acontece?”.

Confira os melhores momentos desse bate-papo:

IT Forum: Por que o Open Health ainda não é uma realidade?

Antônio Britto: Primeiro a gente tem que discutir se deveria ser uma realidade no Brasil e de que forma. Essa discussão sobre open health é necessária, mas, no entendimento da Anahp, está totalmente atravessada. Estamos discutindo duas palavras “open health” e não uma proposta concreta sobre. O governo disse que tem a ideia, mas não disse como seria e as pessoas começaram a se manifestar a favor ou contra de algo que ainda não existe como proposta.

Em uma discussão organizada, o governo deveria apresentar uma proposta e fazer a discussão sobre uma proposta concreta. O que a gente está vendo é o contrário disso e a discussão parte do pressuposto que achar que deveria ser de um jeito ou de outro.

IT Forum: Nesse caso, qual seria um bom cenário para a proposta?

Antônio Britto: Respeitar a constituição e entender que não pode haver quebra da privacidade dos dados de cada paciente. Esse é um princípio da constituição, é um preceito ético de quem trabalha na área de saúde e esse é um ponto em torno do qual não cabe negociar. Não poderá haver nada que fira o direito do paciente a ter seus dados preservados.

A partir desse ponto, você pode ter ganhos interessantes na medida em que o Brasil consiga organizar melhor os dados sobre saúde. Nós, até hoje, não conseguimos organizar se quer os dados dentro do governo, então é óbvio que a saúde, para ser mais eficiente, para ser mais organizada, para desperdiçar menos, precisa avançar na organização dos dados. O problema do Brasil não é ter os dados, é tê-los de forma tão desorganizado que não se consegue um bom uso deles. Isso me parece que deve ser uma prioridade absoluta para todos.

IT Forum: Quais tipos de dados poderão ser usados?

Antônio Britto: Nós não acreditamos que haja amparo ético e legal para que qualquer pessoa ou instituição tenha acesso aos dados que são da privacidade do paciente, salvo o próprio paciente ou o seu médico. A única exceção é quando há um atendimento de emergência e, por isso, a pessoa não possa expressar seu pleno e livre consentimento.

Por exemplo, o meu histórico de doenças, o meu histórico de medicações recebidas, internações feitas, são exclusivamente do meu interesse e do meu médico. Para que um plano de saúde precisa saber do meu nome e das minhas doenças? É obvio que isso será utilizado para afastar ou não pessoas do próprio alcance dos planos. E as pessoas que mais precisarão serão as mais prejudicadas.

Os planos de saúde têm razão quando dizem que é muito importante termos os dados gerais, inclusive para as políticas públicas. Onde tem mais incidência de uma doença? Em que faixa de idade? Mais nas mulheres ou nos homens? Sem esse tipo de informação, a gente não consegue enxergar políticas para melhorar a saúde da população brasileira. Mas, para isso não precisa de open health, precisa que os dados estejam organizados.

IT Forum: Quais são os desafios de integrar o sistema público e privado?

Antônio Britto: Nós estamos extremamente atrasados na organização de dados. Nos últimos anos tem sido feito um esforço para levar a internet para todos os municípios e tentar fazer com que os posto de saúde público ou privado comecem a informatizar os dados. Isso é apenas o início do caminho, porque mesmo aqueles digitalizados estão muito desorganizados. Se você acessar o Ministério da Saúde, vai ver que eles têm uma quantidade inacreditáveis de dados não individualizados já coletados. Mas os sistemas, o uso de IA, uso de medicina preditiva, uso desses dados de forma organizada para elaborar políticas públicas, tudo isso está muito atrasado.

No campo privado, a gente nota um avanço grande do hospital para dentro. Qualquer brasileiro que vai ao hospital privado sabe que quase a maioria absoluta já faz uma jornada no hospital de forma digitalizada. Mas isso ainda é muito pouco porque é desconectado dos dados públicos e desconectado do que já é uma realidade nos países desenvolvidos, como o acompanhando do tratamento pelo celular.

IT Forum: O open health é comparado, por muitos, com o open banking. Mas essa relação não parece estar tão próxima. Qual a sua opinião?

Antônio Britto: Tudo o que envolve dinheiro no Brasil anda muito rápido. A receita federal é um exemplo no mundo. Nosso sistema bancário é muito mais avançado do que em países de todo o mundo. Mas na área social, que deveria ser a primeira que deveria avançar em coleta de dados, é a mais atrasada. Se quiser dados de saúde e educação, ainda que tenha avançado, ainda é precário.

IT Forum: Como a pandemia expôs essa desorganização dos dados na saúde?

Antônio Britto: A pandemia foi um exemplo das nossas dificuldades em coletar e organizar dados. Eu diria que, hoje, a gente coleta dados melhor do que organiza. Até um tempo atrás, o Ministério da Saúde, segundo um ministro me disse, tinha mais de 170 sistemas diferentes gerando informações sobre a situação de saúde no brasil. Imagina pilotar a nave da saúde brasileira e ter que olhar para 170 painéis.

IT Forum: Faltam tecnologias para que a organização e uso de dados acontece?

Antônio Britto: Tem um país no mundo que tem um sistema informatizado para declarar Imposto de Renda que é melhor do que a maioria dos países do mundo. Esse mesmo país apura o resultado do voto de milhões de pessoas em três horas sem dúvidas e sem nenhum problema. Esse país se chama Brasil. É óbvio que tem tecnologia e conhecimento, falta decisão política. O país que organizou as eleições não vai saber organizar um cadastro de informação de saúde? Claro que a gente pode, a grande pergunta é: se pode, por que não acontece?

IT Forum: E, se não acontece, a culpa é do governo federal?

Antônio Britto: Não. Parte da confusão vem daí. Na medida que a gente tem um sistema de saúde descentralizado, o governo federal pode oferecer meios e pode facilitar com apoio financeiro e tecnológico para que todos os municípios entrem nessa rede. Mas se não construirmos esse sistema de baixo para cima, ele não vai ficar pronto nunca.

O estado tem outra parcela enorme de dados, então se não houver uma cooperação muito forte entre os três entes federativos, nós não saímos dos sistemas redundantes ou sem conectividade.

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