Menos de 14% dos apps populares têm recursos acessíveis para pessoas com deficiência visual
Levantamento sobre acessibilidade de aplicativos no Brasil indica que menos de 1% oferece experiência de uso completa
Estudo revela que, entre os aplicativos com mais de 10 milhões de downloads no Brasil, em média, menos de 11% de seus botões estão rotulados de maneira adequada para pessoas com deficiência visual.
O levantamento também indica que eles têm, em média, descrição em menos de 14% de suas imagens. Esses elementos são fundamentais para que pessoas com deficiência visual consigam navegar pelos apps com autonomia.
Para conhecer qual é o nível de acessibilidade dos principais aplicativos em uso no País, a BigDataCorp e o Movimento Web para Todos avaliaram, na primeira semana de agosto, mais de 2 mil aplicativos que ultrapassaram a marca de 10 milhões de downloads no Brasil na loja de aplicativos do Google.
O resultado desse levantamento confirma o quanto a questão da acessibilidade nos aplicativos ainda está longe de ser uma realidade. Além da média de menos de 14% de suas imagens sem descrição adequada, e menos de 11% de seus botões rotulados adequadamente, só 37% dos seus campos editáveis são claramente identificados.
Experiência do usuário
A descrição dos elementos visuais de um aplicativo, na prática, melhora a experiência de acesso de uma pessoa com deficiência visual, pois permite que um usuário com cegueira compreenda a imagem por meio de um texto alternativo.
Permite, também, que botões tenham um rótul acessível e que o usuário compreenda o que deve ser preenchido em campos editáveis, explicitando que ali se trata de um espaço para ser preenchido com os dados solicitados.
A pesquisa – que contou com o apoio técnico do W3C Brasil e do Ceweb.br/NIC.br – indica que menos de 1% dos aplicativos descreve todos os elementos pesquisados e detectados pelo levantamento da BigDataCorp. O percentual dos que descrevem todas as imagens também está em menos de 1%. Já os que descrevem todos os seus botões são apenas 4% e os que incluem descrição nos campos editáveis são aproximadamente 36%.
O levantamento apurou que 63% dos aplicativos têm menos do que 10% de todos campos editáveis com alguma descrição. Da mesma forma, 55% deles possuem menos de 10% das imagens com descrição e 74% dos apps têm menos de 10% dos botões rotulados adequadamente.
Essas informações servem, segundo o relatório, como um verdadeiro mapa para que uma pessoa cega ou com baixa visão possa encontrar no aplicativo onde deve se cadastrar para encomendar a entrega de uma pizza, por exemplo, consultar a previsão do tempo, ou para baixar uma música de sua preferência.
Na prática, aplicativos de todas as áreas e segmentos – do e-commerce, às viagens e turismo, passando por empresas de telecomunicação e mobilidade – apresentam problemas de acessibilidade, inclusive as marcas mais populares.
“Esses resultados são semelhantes ao que encontramos nos sites da internet”, comenta Thoran Rodrigues, CEO e fundador da BigDataCorp. Outro levantamento feito pela empresa em abril deste ano, também em parceria com o Movimento Web para Todos, revelou que, dos 14 milhões de sites brasileiros ativos, menos de 1% passou nos testes de acessibilidade. No caso dos sites governamentais, o percentual encontrado foi de 0,34%.
“É importante pontuar, no entanto, que, apesar de não haver todos os elementos de interface visual em boa parte dos apps, isso não quer dizer que eles sejam totalmente inacessíveis. A questão é que a experiência de um usuário com deficiência visual torna-se muito melhor se eles estiverem presentes”, acrescenta.
Simone Freire, idealizadora do Movimento Web para Todos, diz que a falta de acessibilidade em sites e aplicativos ficou ainda mais grave e evidente nessa época de pandemia.
“De uma hora pra outra, ficamos ainda mais dependentes dos meios digitais para trabalharmos, comprarmos, nos informarmos. E como fazer isso tudo com tantas barreiras de acesso no mundo virtual? Milhões de brasileiros com deficiência certamente ficaram ainda mais ansiosos e desesperados com as dificuldades de acesso e de navegação nesses canais”, ressalta.
Simone também lembra que essas pessoas tiveram – e ainda estão tendo – seus direitos violados segundo a Lei Brasileira de Inclusão (LBI – 13.146), que prevê a obrigatoriedade da acessibilidade digital em sites e aplicativos de organizações com representação no Brasil.
Como tornar apps acessíveis?
As mesmas diretrizes de acessibilidade digital descritas na Web Content Accessibility Guidelines (WCAG) podem e devem ser aplicadas no desenvolvimento de aplicativos.
“Apesar de existirem orientações específicas para o desenvolvimento de apps nativos de cada fabricante, as diretrizes internacionais do W3C são o norte para percebermos as barreiras de acesso em qualquer aplicação digital. Elas apontam a importância de conteúdo alternativo em texto para conteúdo não textual, como botões, imagens e campos de entrada de texto”, explica Reinaldo Ferraz, Especialista em Desenvolvimento Web do W3C Brasil e do Ceweb.br/NIC.br.
Mas ainda falta esse tipo de conhecimento entre os profissionais que trabalham com desenvolvimento e produção de conteúdo digital. “O Web para Todos foi criado há três anos justamente para promover a cultura de acessibilidade digital no Brasil. Estudos como este são fundamentais para ampliar a conscientização sobre o problema que afeta pelo menos um quarto da população brasileira”, enfatiza Simone.