IT Forum@Home: ‘nada pode ser separado da natureza’, defende Ailton Krenak

Indígena e ativista socioambiental fez reflexões sobre meio ambiente em debate com Adriana Solé, da Fundação Dom Cabral

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3:37 pm - 22 de abril de 2021
IT Forum@Home Adriana de Andrade Solé Ailton Krenak Reprodução/IT Mídia

“O planeta entrou no passivo ambiental”, é o alerta deixado por Ailton Krenak, escritor e um dos mais importantes ativistas do movimento socioambiental e de defesa dos povos indígenas do País, durante sua fala na plenária de abertura do segundo dia do IT Forum@Home, nesta quinta-feira (22). Sob o tema “Meio Ambiente e Sustentabilidade”, o debate contou ainda com a participação de Adriana de Andrade Solé, professora da Fundação Dom Cabral e do Digital Onboard, da HSM.

“É como se todas as nossas ações, todas as nossas empresas no mundo, entrassem no vermelho. Está todo mundo no vermelho, questionando ‘por que isso aconteceu com a gente?’”, continuou. A reflexão de Ailton não poderia vir em um momento mais apropriado: hoje, 22 de abril, comemora-se o Dia da Terra, evento anual global de conscientização da proteção do meio ambiente.

É também nesta quinta-feira que 39 chefes de estado e governo promovem reuniões virtuais em uma cúpula proposta por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, em preparação para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-26), que acontece em novembro, na Escócia. “Nós estamos fazendo esse evento em cima do prejuízo. A gente não precisava estar no vermelho, a gente poderia estar em outro lugar”, pontua.

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Ailton ponderou sobre o real impacto que a cúpula será capaz de produzir, em um contexto em que boa parte dos líderes se reúne apenas em busca de recursos para aplicar em ações de preservação ambiental em seus respectivos países. Para o filósofo, o caminho para avançar a questão ambiental seria o de uma agenda propositiva. “Um encontro em que todo mundo vai pedir dinheiro é muito triste. Deveria ser um em que as pessoas vão colaborar, cooperar”, avalia.

Também na visão do ativista, essa agenda propositiva passa necessariamente pela retomada da compreensão por pessoas e empresas de que tudo é parte da natureza – e de que nosso corpo é a Terra. Desde a revolução industrial, diz Ailton, a humanidade tem se “divorciado” da ideia de que é parte da natureza, o que tem prejudicado nossa capacidade de agir de forma a garantir a preservação do planeta.

“A nossa harmonia com esse organismo vivo, que é o planeta Terra, vai devolver um sentimento de pertencimento tão maravilhoso e tão potente que vai nos regenerar. Não somos nós que vamos regenerar o planeta, o planeta que vai nos regenerar. Assim como ele dá oxigênio para a gente de graça, ele vai dar também a inteligência e a capacidade de conciliar a produção daquilo que necessitamos para suprir nossas formas de vida e cultura [com a Terra]. A Terra vai nos dar isso desde que sejamos capazes de falar a língua dela”, pontua.

Para explicar o conceito, Ailton usou o exemplo do impacto sentido pelo próprio povo Krenak, e tantas outras comunidades ribeirinhas, após o desastre da Barragem do Fundão, em 2015, em Minas Gerais, que jogou toneladas de lama tóxica e rejeitos de mineração no Rio Doce. Ailton compara o desastre à uma prisão domiciliar para aqueles que dependem do rio, que, por cinco anos, têm sua rotina suspensa pelo curso d’água agora contaminado. “Quando você dana um rio, você está danando seu corpo. É doloroso, é seu corpo”, conta.

Transformação digital, mas em que direção?

Falando sob o ponto de vista de governança corporativa, Adriana Solé ecoou o discurso de Ailton e trouxe o debate para dentro das empresas. Segundo ela, a pandemia teve um papel importante na aceleração de tendências como o ESG, além de promover uma preocupação maior por parte de conselhos, investidores e outros stakeholders com estratégias sólidas de sustentabilidade. O panorama posto por ela, no entanto, ainda não é positivo.

“No meu ponto de vista, o básico não está sendo feito. Nós estamos falando em ecossistema, mas mal nós estamos fazendo o primeiro direcionamento estratégico básico dentro das empresas, que é o ‘governança, compliance e risco'”, avaliou.

A consultora deixa uma série de alertas em relação ao tema, e faz uma crítica à “banalidade do mal” que ainda paralisa conselhos e gestores de corporações para que transformem as práticas de suas organizações. Segundo ela, muitas companhias ainda privilegiam a “mediocridade”, em que pessoas abrem mão de seus valores ascender na estrutura de poder de grandes empresas e manter o status quo. “Se tem um problema nas entranhas da governança do estado e corporativa brasileira, e percebemos isso nas nossas assembleias, é a banalidade do mal. As pessoas não querem soltar o osso.”

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Entre as empresas que estão promovendo ações positivas, Solé também ressalta a importância de que companhias deem mais atenção à direção para a qual suas ações estão sendo planejadas – um alerta que foi voltado, em especial, para as equipes e lideranças de TI. “Vocês estão apropriando e desenvolvendo processos em que direção?”, questionou. “Uma das metas [de equipes de TI] é alavancar a estratégia de transformação digital das empresas, mas com que propósito e para onde?”

A questão foi reiterada por Ailton Krenak, que questionou a febre de inovação promovida pela indústria de tecnologia e pela cultura de startups, em que empresas promovem produtos disruptivos sem se responsabilizar pelo impacto que podem ter no ecossistema. “É uma espécie de incontinência tecnológica”, afirma. “A gente aceita disrupção, mas não precisa virar um surto, um acidente vascular cerebral. Tem que ter responsabilidade”.

É hora das mudanças

Ambos também pontuam que a hora para promover essas mudanças é agora. Do ponto de vista das empresas, Solé afirma que, além do contexto global de discussões sobre o meio ambiente, grandes corporações brasileiras estão no momento de realização de suas assembleias gerais. Levar a questão da sustentabilidade, e do papel da tecnologia do processo, para as reuniões em que estratégias gerais serão definidas, é essencial. “O grande momento é agora, os direcionamentos estratégicos são dados agora”, assinala.

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A consultora faz ainda um apelo para que mais empresas busquem ouvir comunidades locais quando planejam suas ações relacionadas a ESG, já que elas são as verdadeiras impactadas pelas decisões tomadas por corporações. “O que falta é, realmente, a intenção de escutar as comunidades locais”, coloca. “A turma local é que tem a resposta para isso. Por mais competência que nós tenhamos, por mais tecnologia que tenhamos, a forma de como fazer e o que tem que ser preservado tem que ter a cultura local. Falta, na arrogância corporativa, escutar quem está ali”.

“Nós estamos atrasados, mas isso não significa que perdemos o rumo”, reforça Ailton sobre a necessidade de ações de preservação ambiental. Retomando a necessidade de que voltemos a nos conectar com a Terra, o ativista reforça, no entanto, que a proteção do planeta só acontece coletivamente, não como ação individual.

“Sempre é tempo. O que ocorre é que quando chegamos muito atrasado, o estresse que vai implicar nessa restauração, ele pode nos levar a rumos que não conseguimos governar. A gente perde a capacidade de fazer a manobra”, diz.

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