EXCLUSIVO: ex-Twitter revela como funcionava a curadoria da rede social
Sob anonimato, repórter do IT Forum conversou com pessoa da equipe de curadoria do Twitter dizimada por Elon Musk - e que tornava a rede mais segura
[Esta é a segunda parte do especial O longo fim do Twitter: selo azul, emoji de cocô e os bastidores do negócio. Confira aqui a primeira parte]
Mas, afinal, como funcionava a curadoria do Twitter?
Em 16 de novembro de 2022, Elon Musk enviou uma série de e-mails para todos os funcionários do Twitter. “Comprometam-se com o trabalho barra pesada ou aceitem a indenização”, dizia. Entre o caos das demissões (em dado momento não havia sequer o time de RH para efetuar os desligamentos) e riscos jurídicos, os funcionários foram encurralados com um acordo de confidencialidade.
Para receber o que lhes era devido, era necessário assinarem um contrato que os obrigaria a ficar em sigilo sobre o Twitter ou Musk pelo resto da vida.
Devido a esse cenário, sabemos muito pouco sobre os bastidores da transição. Ou mesmo como funcionava a rotina de algumas das equipes. Sob condição de anonimato, a reportagem conversou com exclusividade com uma pessoa da famosa equipe de curadoria do Twitter – aquela que foi dizimada e que garantia que fake news seriam barradas, ou que os usuários receberiam o melhor conteúdo para contexto sobre temas específicos (os saudosos “moments”.).
O que era e como funcionava a “curadoria do Twitter”?
“A curadoria funcionava de acordo com as conversas que estavam acontecendo no Twitter. Basicamente, dávamos contexto para essas conversas, de forma que o usuário que entrasse no Twitter soubesse automaticamente o que estava acontecendo na plataforma naquele momento. Então, se a pessoa batesse o olho nos trending topics, e ela visse um termo como GSI, e ela não soubesse o que era GSI ou porque as pessoas estavam falando sobre aquilo, o trabalho da curadoria era explicar o que estava acontecendo e por que aquele assunto estava sendo falado”, contou a fonte.
A pessoa segue: “quando o usuário descia todo feed de notícias dele e via uma notícia falsa, como, no Brasil, por exemplo, o CPX. Como se na época que o Lula visitou o Complexo do Alemão, o CPX fosse uma organização criminosa. Então, se o usuário se deparou com algum tweet sobre aquilo o nosso objetivo como curadoria era contextualizar aquela história e passar a verdade, o que era checado pelas agências e o que especialistas estavam falando sobre aquilo.”
Como o Twitter agia em eventos extraordinários, os breaking News?
Em eventos extraordinários, como invasão do Capitólio ou ataques a escolas, existia um fluxo muito forte de trabalho – e a cada seis meses praticamente era renovado o documento de prioridades. Segundo a fonte, os profissionais trabalhavam com uma ordem de prioridades, que envolvia breaking news em primeiro lugar. “Nesse caso, os ataques em escolas, a invasão do Capitólio, eram breaking news. E aí a gente tinha um fluxo de trabalho, de como seguir com essa cobertura e como acompanhar.”
De acordo com a fonte, o trabalho de curadoria sempre era sempre muito “cross-function”, que envolvia só jornalistas. Era feito lado a lado com outros jornalistas de fora, e com os advogados que trabalhavam na empresa.” Então, por exemplo, na invasão do Capitólio, trabalhamos muito, no Brasil, com parcerias para colocar redes de TV ao vivo para mostrar o que estava acontecendo, com os comentaristas, os especialistas, dando contexto ali para não ficar uma história só em tuítes.”
Curadoria trabalhando em parceria com outras áreas do Twitter
A fonte relatou que o time trabalhava com os jornalistas, do tipo de parcerias, e com os advogados para ver se alguma coisa sensível poderia ter passado pela régua, se tinha algo que era mais importante estava sendo deixado de lado, ou se precisava de aprovação do ‘legal’ antes, pois poderia representar um risco.
“O maior breaking news que consigo pensar agora foi a facada do Bolsonaro. Era checar todas as informações em uma equipe formada por jornalistas e advogados, quem estavam em contato com políticos, ONGs… Na curadoria, fazíamos o papel básico de jornalista, que a redação já faz, como cobrir um evento em tempo real, um breaking news importante, quais ângulos a gente pode dar, e aí também incluía todo esse trabalho entre equipes”, disse.
E como fica o Twitter sem curadoria?
Ao IT Forum, a fonte revelou que tem receio de como que as pessoas vão consumir esse conteúdo hoje no Twitter, e como esse conteúdo vai ser mostrado. Primeiro, como o algoritmo vai passar a funcionar. Depois, como as contas vão passar a agir no Twitter sabendo que não há ninguém de olho nelas ativamente.
“E mesmo que as pessoas não soubessem que existia o trabalho da curadoria antes, mesmo que elas não soubessem que existia o trabalho de public policy ou de vários outros times, acredito que, a partir do momento que o novo dono assumiu, os usuários que querem publicar alguma desinformação, que querem gerar algum caos dentro da plataforma, se sentem mais à vontade.”
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Na visão da fonte, parece que eles ficam com mais liberdade de se expressar, no que seria o objetivo do novo dono. “Ele sempre fala que esse é o objetivo dele na compra. Mas eu acho que isso dá uma abertura muito perigosa para os usuários e como aquele conteúdo vai ser consumido.”
Segundo seu relato, pensando, por exemplo, nos ataques às escolas, quem estava organizando discursos de ódio na plataforma, quem estava publicando desinformação, com certeza se sentiu muito mais à vontade para fazer isso, sabendo da nova direção. “Quem consumiu aquele conteúdo, com certeza, consumiu de forma diferente do que consumiria antes, agora, sem nenhuma curadoria, sem nenhum trabalho de autoridades ali por trás. E quem repassou esse conteúdo também repassou de forma diferente. Acho que a plataforma é afetada em todos os pontos e acaba afetando a sociedade também.”
Sem curadoria, Twitter vira potencializador de Fake News?
Antes, a curadoria podia agir em cima da temática, por exemplo, das escolas. Publicando um momento sobre uma desinformação, explicando melhor o que estava sendo dito pelo Ministério da Justiça, mostrando todos os ângulos da história, e aí quem lia aquela matéria passava para frente, para uma pessoa que não tinha Twitter.
“Hoje talvez a pessoa que não tem Twitter está recebendo uma fake news, um conteúdo tóxico. Então acho que não sei se [o Twitter] sobrevive. E se sobreviver, vai ser nesse ambiente tóxico, nesse ambiente de terra de ninguém. Mas ainda assim eu acho que sobrevive com muitos jornalistas, porque a plataforma ainda é um meio de comunicação de muita gente.”
Para a fonte, muita gente ainda consegue passar informações por ali. Mesmo que haja muitos jornalistas, autoridades, especialistas e técnicos saindo da plataforma, é evidente que muita gente continua lá. “A gente ainda consegue ter conversas lá, a gente ainda consegue driblar um pouco para usar a ferramenta. E talvez por isso ela sobreviva um pouco mais de tempo. Mas não da forma que era antes, completamente diferente, não de forma saudável”, opina.
Anúncios podem se tornar um perigo oculto
Para a fonte, a questão de anúncios também é crítica na plataforma. “Sem saber o que está acontecendo hoje em dia lá dentro, fico pensando que a plataforma vai sobreviver dessa forma, sem um grande anunciante por trás, com pequenos anunciantes, e pequenos anunciantes caóticos.”
Na sua visão, a pessoa que está tentando promover o conteúdo dele, sobre qualquer outra coisa que o usuário que vai receber, não se importa. “Isso também pode fazer com que menos gente use a plataforma e dessa forma ela vá ficando sucateada. Então, depois de tantas perdas, até mesmo em valor – quando o Musk comprou valia US$ 44 bilhões agora vale menos de US$ 20 -, acho que [o Twitter] pode se tornar, pensando nisso tudo, em todo esse cenário, uma plataforma sucateada.”
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