Notícias

Especialista em direito digital avalia legalidade do site Tudo sobre Todos

O site “Tudo sobre Todos” tem sido alvo de preocupação por parte de brasileiros nos últimos dias. A página oferece a divulgação de informações de pessoas físicas e sem nenhum consentimento das mesmas. Dados como CPF, RG, links para redes sociais e endereços estão dispostos para quem quiser pagar por eles. Para isso, basta digitar o nome de uma pessoa. Informações adicionais seriam dadas mediante pagamento – com planos a partir de R$ 9,90 até R$ 79 reais, pagos com a moeda virtual Bitcoin.

Segundo Paula Tonani, do escritório Tonani Advogados, por lei, dados de RG e CPF não podem ser divulgados sem autorização expressa de seus proprietários. E que, nesse contexto, a divulgação pode levar a pedido de indenização por danos morais.

Dessa forma, usuários que tiveram seus dados expostos e se sentirem prejudicados podem entrar com pedido de cancelamento de cadastro via liminar ou tutela antecipada. “A circulação e disponibilidade indevida de dados pessoais sem autorização já constitui ofensa moral”, explica Paula.

Na segunda-feira (27), alguns internautas relataram que não conseguiam acessar o site, que aparentemente se encontrava sob problemas técnicos. Ontem (28), o Ministério Público Federal informou que entrou com pedido de liminar na Justiça Federal para retirar do ar o site. No entanto, até esta quarta-feira o “Tudo sobre Todos” ainda se encontra ativo.

Apesar de divulgar informações de brasileiros, os servidores do site se encontram em território francês. E a própria página na internet informa que o serviço é administrado pela empresa Top Documents LLC. O fato de sua suposta administração não se dar no Brasil também poderia dificultar a ação do MPF.

“Demandar contra uma pessoa física ou jurídica domiciliada fora do país impõe a necessidade de que os atos processuais sejam realizados com maior demora, pois todas as intimações, notificações e citações serão realizadas por carta rogatória, cujo cumprimento pode levar até dois anos”, resume a advogada.

Mas o que fazer caso você encontre seus dados no site? É possível, por exemplo, processar seus responsáveis ou pedir indenização por danos morais?

Na entrevista a seguir, o advogado especializado em Direito Digital, Helio Ferreira Moraes, do escritório PK Advogados, fornece mais detalhes sob o ponto de vista legal.

IDG Now – O site “Tudo sobre Todos” defende que divulga somente dados públicos. No entanto, a publicação deles para uso de terceiros constitui crime ou ato ilícito?

Hélio Ferreira Moraes – O fato dos dados estarem disponíveis na Internet não significa que podem ser utilizados indistintamente. O dado pode ser público, mas não significa que podem estar publicamente acessíveis, pois podem ter natureza pessoal, o que garante aos seus titulares o direito de controle sobre a sua divulgação e coleta.

Embora a questão não esteja completamente regulamentada no Brasil, a Constituição Federal garante o direito à privacidade e intimidade e o direito ao Habeas Data para controlar seus dados disponíveis em bancos de dados.

Além disso, o Código de Defesa do Consumidor sempre assegurou o direito do consumidor em acessar e modificar os seus dados disponíveis em bancos de dados.

Mais recentemente, o Marco Civil assegurou os direitos de inviolabilidade da intimidade e da vida privada, determinando inclusive que a coleta de dados somente pode ser realizada mediante consentimento expresso dos usuários de serviços na internet, através de um procedimento transparente e com um propósito específico, justamente para evitar que os dados pessoais se transformem em uma mercadoria que o usuário fique totalmente a mercê da comercialização de suas informações.

De maneira geral, me parece que essa coleta e concentração de dados na forma proposta pelo “Tudo sobre Todos” seria ilegal à luz do Marco Civil e Código de Defesa do Consumidor, caso este não tenha o direito de controle sobre a inclusão de suas informações.

IDG Now – Nossa legislação proíbe a comercialização de dados pessoais? Quem o faz pode ser penalizado de alguma forma?

Moraes – Ainda não existe uma regra clara no Brasil sobre a comercialização de dados pessoais, que justamente é objeto das discussões do Anteprojeto de Proteção de Dados pelo Ministério da Justiça, que esteve em consulta pública até o início de julho de 2015.

Embora não exista uma regra clara, a legislação já possui elementos que permitem proteger os dados pessoais, pontos bem consolidados no Marco Civil, bem como no aspecto da proteção a privacidade e a intimidade, pois informações sobre vizinhos e local de moradia, como supostamente são encontradas em tal site, poderiam ser claramente caracterizadas como informações dessa natureza, protegidas até mesmo na Constituição Federal.

Tanto já existem mecanismos para proteger os dados pessoais no Brasil, que em 2014 a Oi foi multada pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) em R$ 3,5 milhões por violação ao direito à privacidade e intimidade e publicidade enganosa, pois mapeava o tráfego de dados do consumidor na internet de modo a compor seu perfil de navegação para, supostamente, comercializar estes perfis para anunciantes, agências de publicidade e portais da web.

IDG Now – O fato da empresa que administra o site “Tudo Sobre Todos” ser estrangeira, isso poderia prejudicar uma investigação por parte do Ministério da Justiça?

Moraes – Mais do que prejudicar a investigação, que de fato pode ser complicada devido ao fato da obtenção de informações sobre os responsáveis depender de autoridades estrangeiras e qualquer medida para tirar o site do ar também poderá depender de autoridades estrangeiras, o fato da empresa que administra o site estar localizada no exterior parece indicar uma estratégia de ocultação dos responsáveis no Brasil, provavelmente por temer eventuais investigações, tendo em vista que o Marco Civil deixou claro que eventuais membros do mesmo grupo econômico situados no Brasil poderão ser responsabilizados pelas condutas da pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro.

IDG Now – Em um horizonte um pouco amplo, como esses dados vazados poderiam prejudicar seus proprietários?

Moraes – Dados tão amplos como prometidos no site e fornecidos de maneira indistinta poderiam ser utilizados tanto licitamente como ilicitamente para uma série de crimes de natureza pessoal, aliás os criminosos já vêm utilizando recursos eletrônicos para obter dados de suas vítimas. Recentemente, um sequestrador declarou publicamente que havia obtido os dados de sua vítima em uma rede social, na qual o pai da criança expunha todos os hábitos familiares, inclusive com rotinas e bens relevantes da família. Em uma esfera não tão danosa quanto a criminal, essas informações podem gerar incômodos para seus detentores, pois podem ser utilizadas para compor seu perfil de consumo para realização de marketing por anunciantes, agências de publicidade e portais da web, o que fatalmente poderia trazer uma série de ofertas invasivas aborrecendo os detentores de suas informações.

IDG Now – Por parte dos usuários que tiveram seus dados expostos. Como eles podem ou devem prosseguir?

Moraes – A situação torna-se não tão simples devido ao site estar sediado no exterior. Caso consiga comprovar o vínculo do site a um grupo econômico estabelecido no Brasil, o usuário teria direito a solicitar essa exclusão, mas teria que recorrer a uma ordem judicial.

Adicionalmente as medidas acima estabelecidas, o usuário precisaria comprovar o tipo de dano que sofreu para tentar obter uma indenização, que poderiam ser de natureza moral, pela violação da sua privacidade e intimidade ou econômica, dependendo da utilização que for feita dos dados que possa trazer um prejuízo ao usuário. Além disso, existem medidas administrativas previstas no Marco Civil como multa de 10% do faturamento do site e interrupção de suas atividades que também poderiam ser aplicadas.

IDG Now – Somente o Ministério da Justiça ou o MPF podem remover o site do ar?

Moraes – Não apenas estes, o Judiciário também poderia remover o site do ar mediante a provocação de alguma pessoa física ou jurídica, como associações de consumidores por exemplo.

IDG Now – Não é o primeiro site do tipo que vem a público. Neste ano, o “Nomes do Brasil” foi fechado pelo Ministério da Justiça, por exemplo. Como o senhor analisa essas iniciativas que divulgam dados pessoais sem consentimento de seus proprietários? Há uma forma de proibir que outros sites façam o mesmo?

Moraes – O Anteprojeto de Proteção de Dados, proposto pelo Ministério da Justiça, poderia regular essa questão de maneira mais clara, entretanto não impediria o surgimento de novos sites com esse propósito, apenas as autoridades teriam elementos mais objetivos para remover tais sites rapidamente. Vale lembrar que mesmo que isso ocorra, a localização do site no exterior que não seja vinculada a um grupo econômico que tenha atividades no Brasil poderá frustrar quaisquer medidas contra o site, pois poderá depender de regras de direito internacional ou mesmo nacional de outros países, que eventualmente não determinem a exclusão deste tipo de site. Existem casos clássicos de sites deste tipo que permanecem em funcionamento por vários anos, como The Pirate Bay, que por estar situado na Suécia dificulta ser alcançado pelos detentores dos respectivos direitos autorais.

Recent Posts

Novos executivos da semana: Dahua, Rimini Street, Arcserve e mais

O IT Forum traz, semanalmente, os novos executivos e os principais anúncios de contratações, promoções e…

7 horas ago

Sustentabilidade x IA: emissões da Microsoft sobem 30%

A Microsoft está enfrentando críticas após um relatório revelar um aumento alarmante em suas emissões…

8 horas ago

Centroflora integra e monitora ambientes industriais e automatiza manutenções

O Grupo Centroflora é um fabricante de extratos botânicos, óleos essenciais e ativos isolados para…

9 horas ago

8 oportunidades de vagas e cursos em TI

Toda semana, o IT Forum reúne as oportunidades mais promissoras para quem está buscando expandir…

11 horas ago

Fraudes: 58% das empresas dizem estar mais preocupadas no último ano

Um estudo divulgado na segunda-feira (13) pela Serasa Experian mostra que a preocupação com fraudes…

11 horas ago

82% dos ataques via USB podem interromper operações industriais

A Honeywell divulgou essa semana a sexta edição de seu Relatório de Ameaças USB de…

12 horas ago