ESG no topo: os desafios práticos da responsabilidade corporativa

Agenda ambiental, social e de governança vira critério de investimento e decola no mundo todo. Mas por onde começar?

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10:01 am - 09 de setembro de 2021

Nem sempre é fácil distinguir uma mudança efêmera de uma permanente. Um indício forte de que uma coisa veio para ficar de uma vez por todas é quando o dinheiro decide defendê-la. “Se o negócio não é ESG, não é sustentável”, disse não um ambientalista, mas o presidente da gestora Brookfield no Brasil, Henrique Martins, em evento realizado por um banco de investimento brasileiro em maio deste ano. Emblemático.

Martins, cuja empresa administra US$ 600 bilhões globalmente, ecoa um discurso cada vez mais forte no mercado financeiro, e que dessa vez parece ter ultrapassado a fronteira do mero palavreado. São mais comuns, inclusive no Brasil, os fundos de investimento, bolsas de valores, corretoras e instituições financeiras que adotam critérios de sustentabilidade ambiental, social e de governança (ou ESG, acrônimo do inglês environmental, social and corporate governance) para aportar dinheiro em uma empresa.

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A bem da verdade o tema não é novo, e o mundo o discute pelo menos desde 1992, quando a ONU realizou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento no Rio de Janeiro – a ECO-92, como ficou conhecida. Na Europa, a mais madura das regiões para o ESG, indicadores do tipo já são comuns há algum tempo no mercado financeiro.

No mundo os ventos começaram a soprar com mais força em 2019, quando cerca de 180 CEOs de grandes corporações – como Apple, JP Morgan, Johnson & Johnson e BlackRock – assinaram uma declaração em que se comprometeram a priorizar a sustentabilidade e a responsabilidade social para além dos muros corporativos, mas também dentro deles.

Larry Fink, CEO da BlockRock, uma das maiores gestoras de fundos do mundo com mais de US$ 8 trilhões sob tutela, foi provavelmente o mais empolgado signatário do compromisso. Escreveu em 2019 sua tradicional “carta aos CEOs” conclamando as empresas a direcionarem esforços para uma agenda ESG. E reiterando que adotaria critérios nesse sentido na hora de investir os trilhões nas mãos de seus analistas.

Além disso, o Relatório Global de Riscos de 2020 do Fórum Econômico Mundial apontava o clima extremo, a deficiência dos países a responder aos problemas climáticos, os desastres naturais, a perda de biodiversidade e os desastres causados pelo homem como os cinco riscos mais prováveis para a economia global. Todos eles entre os 10 mais impactantes.

Um pouco de contexto

“Na verdade, o mercado financeiro não falava de ESG. Ele ideologizou esses assuntos há muitos anos. Entendeu que pertenciam à ideologia contrária. Simplesmente ignorou. Isso criou uma lacuna de conhecimento gigantesco”, lamenta Fabio Alperowitch, diretor e fundador da Fama Investimentos, gestora brasileira que desde 1993 tem os princípios de ESG como filosofia de investimentos. “O acrônimo surge em 2005, mas os princípios já existiam”, explica.

Para o investidor, apesar de a tendência ter amadurecido primeiro na Europa e sobrevivido em “bolsões” nos Estados Unidos e outros mercados, inclusive o brasileiro, a eleição do republicano Donald Trump ajudou a impulsionar a mudança globalmente. Carregada do que Alperowitch chama de “agenda anti-ESG”, incluindo a saída dos EUA do Acordo de Paris, as políticas do ex-presidente fizeram as organizações mais preocupadas com o tema reagirem.

A mesma lógica, segundo ele, chega ao Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro. “E aí vem a reação da mídia. Ela não trazia [o tema ESG] todo dia, mas desde 2018 o faz, um pouco para contrapor a agenda do Bolsonaro”, diz. Soma-se a isso o rompimento de barragem em Brumadinho em janeiro de 2019 (repetindo e aumentando a tragédia de Mariana em 2015) e as queimadas recordes registradas na Amazônia e no Pantanal desde 2020, entre outros incidentes. Além, é claro, dos custos humanos e sociais do COVID-19.

“O que a pandemia trouxe? Antecipou uma série de medidas que já vínhamos percebendo”, diz Adriana Solé, professora da Fundação Dom Cabral e fundadora da consultoria Governança Já, além de conselheira de grandes empresas como SCGÁS e Vale. “Antes da pandemia as empresas estavam muito no GCR [sigla em inglês para governança, riscos e compliance]. Os executivos perceberam que poderiam ser presos e responder a processos penais. Aí veio a pandemia e, no Brasil, o trauma de Brumadinho.”

Segundo a especialista, as empresas finalmente perceberam que não poderiam ser “uma ilha de excelência cercada por um ambiente devastado por elas próprias”. E avançaram para um “segundo patamar”, em que a preocupação com o GCR dá finalmente lugar ao ESG. “É a volta melhorada a uma ideia antiga de responsabilidade corporativa”, diz Adriana.

Oportunidades e caminhos

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, em relatório publicado em setembro de 2020, o “mercado sustentável” era estimado em mais de US$ 30 trilhões em ativos totais nos cinco maiores mercados (Austrália e Nova Zelândia, Canadá, Europa, Japão e EUA) ao fim de 2019.

Mas acessar todo esse capital – que tende a aumentar cada vez mais, segundo a unanimidade dos especialistas ouvidos pelo IT Forum – não é tão simples. As empresas precisam demonstrar que têm processos e produtos “limpos”, que adotam critérios cada vez mais rígidos.

“Antes de qualquer coisa é uma questão de cultura”, diz Antonio Raimundo, coordenador do curso de pós-graduação em Meio Ambiente e Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas. Essa cultura, diz, pode surgir tanto de forma espontânea, geralmente impulsionada pelas lideranças, quanto por força de lei. Em ambos os casos a informação é fundamental.

“O primeiro compromisso ético é se informar sobre a legislação do país. Se quero entrar na questão ambiental, por exemplo, o que se está fazendo? Em que pé estamos hoje?”, diz, salientando a importância de formar os executivos das empresas. “Se é determinação da empresa, escolha duas ou três lideranças para fazer um curso específico.”

O segundo passo, para Raimundo, é identificar processos condizentes com esses conhecimentos e os que precisam ser ajustados com maior velocidade. “E aí a empresa tem parâmetro para efetivamente criar os próprios processos. Cada empresa vai ter suas peculiaridades e vai tomar decisões com relação ao que espera”, pondera.

Para Luzia Hirata, head de investimentos ESG na Resultante, consultoria especializada em projetos de sustentabilidade e cuja maioria dos clientes está no mercado financeiro, os planos de ESG das corporações precisam estar alinhados à estratégia de negócio. “Não são coisas separadas, elas têm que estar alinhadas”, ressalta. “Nesse último ano a demanda cresceu muito. Temos observado esse movimento em todos os setores. Alguns [nos procuram] para entender como incorporar [o ESG], outros em estágio mais avançado e com demandas mais complexas.”

Executivos e conselheiros que entendam o que é ESG e a importância de “abraçar a causa” de forma estratégica e olhando para o negócio torna o processo mais fácil e natural. O que explica o sucesso de empresas que tem entre os fundadores pessoas profundamente implicadas com o tema e que construíram suas empresas em torno disso.

“Sinto que é uma grande dificuldade ter a diretoria e o C-level entendendo [o tema ESG] de diversas formas. Alguns pensam que são apenas indicadores, números que descem para a gestão e ficam fáceis de fazer na prática. Mas não é só contratar, tem que treinar, impulsionar, incluir, desenvolver, preparar o espaço, os colegas”, diz Marcus Nakagawa, professor da ESPM e coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental.

Para o professor, esse entendimento frio e numérico, embora importante, torna difícil operacionalizar agendas ESG realmente abrangentes. No que diz respeito ao aspecto social, por exemplo, não basta contar o número de funcionários negros ou LGBT contratados, pois o S da sigla não é só de diversidade, mas também de relacionamento com a comunidade, entre outros aspectos difíceis de medir.

“Essa talvez seja a grande dificuldade, alinhar a fala daqueles que entendem com a dos gestores e diretores”, pondera.

Mercado de trabalho

A importância crescente do ESG aumentou significativamente o interesse das empresas por profissionais qualificados para operacionalizar as agendas. Para Nakagawa essa carência já existe e é perceptível no dia a dia tanto na ESPM como em outras instituições de ensino.

“Estamos montando um núcleo de curso ligados a isso [ESG]. E há um movimento também na pós-graduação. Colegas de grandes empresas também, e nossos parceiros de outras escolas também [estão] montando cursos especializados”, comenta o professor, que também é conselheiro da Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade, a Abraps, onde se observa um movimento crescente de “associados divulgando vagas”.

Outro movimento percebido por ele vem dos próprios cursos de graduação em negócios e outras áreas, que tentam cada vez mais incluir trilhas de conhecimento relacionadas aos temas do ESG. “Realmente existe essa lacuna. O mercado nos últimos 10 anos diminuiu, depois da crise de 2008. As vagas foram diminuindo e acabando e as pessoas acumularam muitas funções. E agora parece que tem uma volta.”

João Carlos Redondo, coordenador de um curso chamado “ESG na prática” ofertado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, o IBGC, diz que a carência sim, existe, mas depende muito das necessidades da empresa. Segundo ele, existe uma “primeira geração” de profissionais surgida no começo dos anos 2000 que são profissionais sênior com muito conhecimento acumulado e que desenvolveram outros profissionais na prática ao longo do tempo. Mas não eram tantos e hoje é difícil contratar profissionais mais experientes para liderar agendas ESG sob um ponto de vista mais operacional.

“É um mercado com poucos profissionais se a gente pensar no potencial dele. Mas acaba tendo uma opção das empresas que é aprender dentro do negócio. É uma forma que funciona bem, embora haja uma curva de aprendizado que não é pequena”, explica o professor, que ressalta que existe muito conhecimento compartilhado entre os profissionais da área. “Não é uma agenda concorrencial. Essa área troca muito informação, e os aprendizados são parecidos. É um ambiente colaborativo importante.”

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Em busca da maturidade do ESG

Tanto esforço educacional para sistematizar o ESG nas organizações e torná-lo uma prática de fato parece ter um outro objetivo adicional: acabar com o greenwashing. O termo em inglês, que pode ser traduzido como “banho verde”, é aplicado a organizações ou pessoas que se apropriam do discurso ESG e se valem de marketing e relações públicas para tentar convencer que são social e ambientalmente responsáveis – mesmo não sendo.

Mas mesmo diante de tantos mecanismos de controle por parte de fundos de investimento e até leis transnacionais regulando o tema, o greenwashing ainda existe? “Muito. Essa resposta não é difícil”, brinca Luzia Hirata. Para ela muitas vezes isso acontece não por má fé, mas pela falta de maturidade em entender que posicionamentos sobre o tema são muito sérios e precisam ser cuidados.

Mas ela destaca um “outro lado” da questão. Quando a crítica é excessiva e não perdoa o mínimo deslize, também pode ser prejudicial, diz. “Não existe mundo perfeito ou empresa perfeita. É um caminho a ser construído e muitas empresas sujeitas a pontos críticos”.

Fabio Alperowitch concorda que a prática existe, mas que ficou mais difícil de aplicar ao longo dos anos por conta das consequências sofridas pelas organizações que são “pegas”. “Quando falamos de empresas listadas em bolsa, há dois anos não fazia a menor diferença ser verde ou não. Agora é diferente. Se você é antiverde muitos fundos vão te cancelar. E as empresas não querem ir por esse caminho”, diz o gestor.

Nakagawa reforça que as instituições financeiras e governos não só observam com mais cuidado os indicadores apresentados como há organizações da sociedade civil, assim como os próprios consumidores atentos para denunciar problemas.

“É preciso que se tenha indicadores palpáveis, um lastro de ações e relatórios”, explica o professor da ESPM. Que reitera: as organizações maduras no ESG são aquelas que admitem seus erros e agem para melhorar, ao invés de simplesmente negar problemas. “É bom falar de erros porque é aí que o mercado se mexe.”

Adriana Solé concorda e dá como exemplo a Vale, talvez uma das grandes vilãs corporativas recentes por conta do desastre de Mariana e Brumadinho. “As mineradoras estão começando [a adotar ESG] porque são hors concours em termos de desastre”, diz a consultora. “Ou fazem a coisa direito ou vamos ter problemas de novo. Até quando vamos ter resiliência para aguentar acidentes da dimensão dos que tivemos?”

No entanto, lembra Adriana, o ESG está sendo visto publicamente e por gestores como uma espécie de “panaceia”, mas o assunto deve ser visto com mais cuidado. “Isso não é circo. Muita gente já usou esse discurso para fazer coisa feia”.

Os 10 passos (sugeridos) do ESG

  1. Autoanálise: conhecer a cultura e o propósito da organização para descobrir se é favorável ao ESG ou não;
  2. Entender os públicos e a influência da empresa sobre eles (e vice-versa);
  3. Entender e mapear o impacto do negócio sobre o mundo (externalidades). Positivos e negativos;
  4. Priorizar os temas mais relevantes e pensar em como endereçá-los;
  5. Criar mecanismos para conhecer a cadeia de valor e definir programas de relacionamento;
  6. Estabelecer agenda social e exercer o papel da empresa na sociedade;
  7. Definir a governança sobre o tema, que precisa estar alocada na organização com independência e autonomia para realizar uma transformação cultural de fato;
  8. Definir indicadores e metas de curto, médio e longo prazo;
  9. Dar transparência a todas as iniciativas, prestando conta à sociedade e aos públicos identificados no passo 2;
  10. Liderar. Buscar se tornar uma organização referência e inspirar empresas menores e do setor em que atua a seguir uma agenda ESG, melhorando a própria sociedade.

Fonte: professor João Carlos Redondo, do IBGC

 

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