Entra a desafiante: os planos da AMD para crescer no mercado brasileiro

Fabricação de servidores para nuvem e programa de canais robusto são parte da estratégia da AMD para reverter domínio da Intel, revela Sergio Santos

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10:15 am - 12 de julho de 2021
Sergio Santos, AMD Sergio Santos, gerente geral da AMD Brasil (Foto: Divulgação)

Quando a reportagem do IT Forum ingressou na videoconferência em que conversaria com Sergio Santos, gerente geral da AMD no Brasil, o executivo falava sobre o filme Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993). Na película, o protagonista é um repórter arrogante – interpretado por Bill Murray – preso em um loop temporal e fadado a repetir infinitamente as mesmas 24 horas. Com o tempo percebe que pode usar essa repetição para corrigir os próprios erros e defeitos.

É uma menção curiosa porque a AMD também parece ter repetido certos erros durante as últimas décadas. Enquanto fabricante de processadores, ganhou mercado com algumas tecnologias antes da concorrência adotá-las. O chip de 64 bits, por exemplo, ou os de múltiplos núcleos. Atualmente é a única no mercado com processadores construídos em 7nm – a Intel promete os dela apenas para 2023. Mas isso nunca significou um domínio do mercado. “Parávamos de evoluir”, diz o executivo, que garante que esses erros não se repetirão.

“A diferença para agora é um roadmap sendo executado com perfeição. Tudo que a empresa falou [que faria] está acontecendo”, assegura Sergio, atribuindo todo mérito à CEO global da companhia, Lisa Su.

No Brasil, a Intel reina absoluta. Dados da GfK citados pelo próprio executivo estimam que a AMD detém apenas 10% do mercado, enquanto em outros países da América Latina, como o México, por exemplo, essa fatia chega a 50%. Parte do segredo para reverter o domínio do “concorrente azul” por aqui, diz o executivo em entrevista concedida ao IT Forum, é apostar no mercado corporativo, particularmente no de data centers e cloud computing.

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“Daqui para frente o foco principal da AMD no Brasil é cloud”, diz o executivo, que montou um time específico para atender o mercado de servidores e computação de alta performance, ou HPC. “A maior parte do meu time atual é focado nesse segmento”, reitera. O plano inclui uma grande parceria com a Dell lançada em março e, a médio prazo, participar da fabricação de servidores com empresas nacionais.

Na conversa, Sergio também conta algumas curiosidades. Uma delas é que a AMD planejou ter uma fábrica no Brasil e chegou a apresentar a ideia para o governo federal em 2006 – mas os planos não foram adiante devido ao custo elevado de instalação de uma planta no país. Confira a seguir os melhores da conversa.

 

IT Forum: Faz cinco anos que você está na AMD, e a empresa mudou bastante nesse período. Como você avalia essas transformações sob o ponto de vista da operação brasileira?

Sergio Santos: Cinco anos da “segunda vida”. Eu entrei na AMD em 2004 e fiquei até 2011 [como diretor de canais], aí fui para a Western Digital em um momento em que ela estava começando a fabricação de HDs no Brasil. Foi o que me motivou a ir. Depois [em 2014] fui para a Microsoft [para ser líder de canais de distribuição de software]. Depois de um ano eles extinguiram a área, moveram tudo para [o modelo] de assinatura. Voltei para a AMD no começo de 2016 [novamente como diretor de canais e depois promovido à gerente geral em 2019] e parece que nunca sai. Voltei em um momento em que a AMD está muito bem, com liderança tecnológica. Mas isso não aconteceu do nada, remonta a essa época em que voltei. Quando a Lisa Su [atual CEO global] assumiu a empresa [em 2014], deixou muito claro que ia focar em PCs. Aquilo que a AMD sabe fazer bem. Naquela época falar em PC quando o mercado parecia estar acabando, e só se falava em tablet e smartphone… Ela foi chamada de maluca. Mas ela definiu o foco. E o próximo passo era [ter] produtos competitivos. E naquela época estávamos muito atrás do concorrente [a Intel] em termos de tecnologia. A Lisa olhou o portfólio de produtos e viu que não atenderia a necessidade dos clientes em cinco anos. E ela não queria um desenvolvimento a partir daquela tecnologia, tinha que ser do zero. Ela sempre fala de big bets. São apostas. Pensar quais serão as necessidades dos clientes e desenvolver [chips de] silício para isso é uma aposta. É uma aposta que começou a dar frutos em 2017, quando lançamos o [chip com arquitetura] Zen 1. A AMD teve momentos de liderança antes, mas não tinha continuidade. Em 2004 lançamos o primeiro processador 64 bits. Logo em seguida o primeiro com dois núcleos. Só que parávamos de evoluir. A diferença para agora é um roadmap sendo executado com perfeição. Tudo que a empresa falou [que faria] em 2017 está acontecendo.

 

IT Forum: Mas e o mercado nacional? Como foi afetado por essas mudanças

Santos: A verdade é que quando se introduz um produto de qualidade não é do dia para noite que se reverte a percepção de mercado. Meu concorrente ficou anos com a liderança tecnológica. As pessoas não vão correr até mim, não é assim que funciona. Temos que construir uma base sólida de parceiros aqui no Brasil. Quando voltei [para a AMD] em 2016 já sabíamos do portfólio competitivo, mas que preciso fazer? Desenvolver parceiros, programas, para que o produto chegue no mercado e o cliente tenha a percepção de que o produto é bom. Na época reestruturei todo o canal de distribuição, esse foi o primeiro passo. O segundo passo foi desenvolver o canal de varejo, que na época era embrionário. Amazon, Pichau [grande varejista online focado no público gamer], Kabum… Quando começamos a desenvolver esse canal ele era mais ou menos 15% do negócio [da AMD], e hoje é 75%. A gente imprimiu uma tendência de mercado e obviamente a reputação da marca cresceu. E passamos a vender produtos no topo da pirâmide. E o terceiro pilar foi desenvolver campanhas de marketing para elevar o reconhecimento da marca.

 

Lisa Su, AMD

Lisa Su, CEO da AMD, apresenta um dos processadores da companhia durante a CES. (Foto: Reprodução CES 2021)

 

IT Forum: Há um programa de canais para as revendas da AMD no Brasil?

Santos: Temos um programa de suporte aos canais, o Alliance. Ele suporta tanto a revenda integradora de PCs [para o consumidor final] como a corporativa. Tanto as que compram notebooks como as que montam máquinas mais parrudas, geralmente gamers, e vendem para públicos específicos. O programa ficou tão forte que estamos exportando para os vizinhos. Na América Latina são três sub-regiões: Brasil, a maior; México e Caribe; e a que chamamos de Spanish South America, que compreende os demais países. E expandimos o programa para as outras duas regiões. Ao invés de só Brasil o Alliance será América Latina a partir do ano que vem.

 

IT Forum: Aproveitando que você falou em notebooks, qual a participação dos produtos da AMD nesse mercado brasileiro hoje? Aumentou?

Santos: Lá fora existe um portfólio gigante. Quando a Lisa Su anunciou a família Ryzen 5000 em janeiro, na largada já tínhamos mais de 200 [modelos de] notebooks. Por que não no Brasil? Infelizmente as coisas demoram para chegar porque demandam fabricação local, diferente da grande maioria dos países ao redor do mundo, e isso requer muito investimento e preparação. Eu questiono a questão da fabricação local pois isso seria para trazer mais empregos para o Brasil, mas o número que de fato gera, e questiono sem ter a resposta, não acaba se perdendo por conta do quanto pagamos a mais? Até o lançamento do Ryzen ficamos um bom tempo sem nenhum produto no Brasil. A Acer trouxe o Ryzen e hoje tem vários modelos. Logo em seguida a Lenovo, entrando tanto na área corporativa como no varejo. Aí a Asus, também mais em varejo, e a Dell agora anunciando também servidores [com processadores Epyc]. Em breve teremos mais fabricantes de servidores com plataformas AMD no Brasil. Está crescendo a cada trimestre.

 

IT Forum: E os fabricantes nacionais?

Santos: Já temos uma parceria muito forte com eles no segmento corporativo e em governo. Mas ainda não vemos fabricação de servidores, que é bastante restrita aos multinacionais. A fabricação de servidores ainda é muito tímida no país. Estamos abrindo essa frente também, mas diria que a médio prazo. O grande foco hoje é a Dell, e estamos praticamente com toda nossa estrutura interna de servidores para dar suporte para que a Dell venda mais soluções com AMD.

 

IT Forum: Você considera que a fabricação nacional de chips é uma utopia? Qual a chance de termos uma fábrica da AMD no Brasil?

Santos: Eu diria que o Brasil teve chances no passado, inclusive quando perdeu para a Costa Rica uma fábrica da Intel [em 1998]. A própria AMD conversou com o governo federal em 2006, se não me engano. Mas esbarrou na burocracia, no chamado “custo Brasil”. São investimentos muito altos, de bilhões de dólares, para ter uma fábrica de ponta. Eu não vejo isso acontecendo a médio prazo. Pelo menos nos próximos 10 anos não vejo chance. Mais do que isso não dá para saber. Hoje Taiwan é o grande polo [de fabricação], nosso grande parceiro é a TSMC. Ninguém sabe, mas se usa muita água para produzir semicondutores, e eles estão enfrentando uma seca severa atualmente. Se de repente há um colapso climático e não dá para comprar mais água lá, teríamos que mudar de lugar. Mas não vejo o Brasil hoje com potencial nem infraestrutura para atrair investimento dessa magnitude.

 

IT Forum: Como foi esse período de pandemia para a AMD, em termos de abastecimento? Faltaram chips no mercado brasileiro?

Santos: Existe, ou existiu, já que hoje não vejo mais o problema, uma percepção de falta de produto. Por que digo percepção? Porque a demanda subiu muito. Não é que estava faltando produto. Um exemplo que vivi na pele em 2011: houve uma enchente na Tailândia e lá estavam as duas maiores fábricas do mundo de HDs. Do dia para noite 60% da produção mundial desapareceu. Isso é falta de produto. O que aconteceu na pandemia é que todo mundo estava produzindo, e a AMD quase duplicou a produção, só que a demanda estava muito maior. Nenhuma fábrica consegue se adaptar a isso. Mas o que vemos hoje? Todos os sinais que estamos recebendo é de melhoria significativa, tanto em placas de vídeo como em processadores. A mineração [de criptomoedas] está arrefecendo e o preço começa a recuar. E aqui no Brasil foi pior porque o dólar subiu e o preço para o usuário final duplicou. E não adianta ter o produto em estoque porque o usuário não tem dinheiro para comprar. E isso é global: é hora de fazer margem, porque está tudo mais caro, o frete está mais caro. Mas chega uma hora em que não importa mais a demanda, o consumidor não pode mais pagar. E acho que chegamos muito perto de alcançar esse ponto. O lado bom é que vemos um arrefecimento do [valor do] dólar. O efeito não é imediato, mas há sinal de melhora. E de disponibilidade. Nós temos processadores para entregar, e placas de vídeo está melhorando. A partir de outubro vai estar bem melhor.

 

IT Forum: Apesar de AMD estar, como você diz, na “liderança tecnológica”, há uma grande movimentação por parte dos concorrentes. A Nvidia comprou a ARM em 2020 de olho no processamento móvel e parecer ter certo domínio em inteligência artificial para data centers. Enquanto isso a Intel começa a esboçar concorrência no mercado de placas de vídeo. Como você enxerga esses movimentos da concorrência?

Santos: Qualquer empresa não consegue estar sozinha no mercado. A concorrência é saudável. No segmento de tecnologia ela impulsiona desenvolvimento. Até meu “concorrente azul”, antes da AMD lançar o Ryzen, estava estagnado. O cliente pagava caro por produtos sem grandes desenvolvimentos. A AMD adquiriu a Xilinx [em outubro de 2020 por US$ 35 bilhões] para o mercado de data centers, e também temos solução de IA. Acho muito bom porque os clientes não ficam limitados a um único fabricante para certo segmento. Hoje o cliente tem escolha. No mercado de data centers, tudo que estamos fazendo hoje está na [computação em] nuvem. Como pode em um mercado gigantesco desses ter só um fabricante de processadores?

 

IT Forum: Aproveito o gancho para perguntar como está o mercado de data centers e HPC [computação de alto desempenho] para a AMD, considerando principalmente o Brasil?

Santos: Estamos vendendo bastante. Infelizmente começou um pouco mais tarde por conta da fabricação local. Trabalhamos com a Dell para lançar servidores, inclusive já ganhamos alguns negócios com eles. É recente, começamos em março. A Dell está com portfólio para atender esse mercado, seja cloud ou soluções hiperconvergentes. Vamos ter soluções para HPC também. Não vou falar os clientes pois não sei se a Dell me deixa falar. Mas partimos praticamente do zero. E obviamente para crescer nesse mercado é preciso ter produção local. Mas é um dos grandes focos da AMD Brasil. Montamos um time específico para atender o mercado de servidores e HPC. A maior parte do meu time atual é focado nesse segmento. Trouxemos uma pessoa da HPE, o Alexandre Amaral [diretor de vendas de nuvem e data center desde maio desse ano]. Então é um mercado que é foco. Daqui para frente o foco principal da AMD no Brasil é cloud.

 

IT Forum: Isso quer dizer que o mercado de consumo está “ganho”?

Santos: Muito pelo contrário. Nosso share [no Brasil] ainda é baixo, ao contrário da América Latina. No México temos mais de 50%. Aqui no Brasil, segundo o GfK, o share da AMD é 10%. Mas, de novo, começamos com poucas plataformas. O meu sortimento versus o deles [a Intel] é provavelmente dez vezes menor. Mas é um trabalho em progresso, temos que crescer bastante. Quem quer uma máquina [PC] topo de linha procura Ryzen, e isso é um conhecimento do trabalho da nossa engenharia. De fato é bom, porque faz com que os fabricantes [de computadores] queiram trazer mais [processadores da marca para o Brasil]. Vamos ver crescimento da linha de consumo, que já tem sido grande. De 2020 para 2019 crescemos 250%. Esse ano vamos crescer mais de 100%. Mas ainda temos muito a crescer, nosso share é bem tímido. É questão de continuar trabalhando e entregando produtos.

 

IT Forum: Do ponto de vista comercial, qual a estratégia para ganhar esse terreno?

Santos: O primeiro passo é aumentar portfólio e cobertura geográfica. O aumento de portfólio está acontecendo. O segundo, no mercado corporativo, para o [segmento] de PMEs, expandir canais, o que está sendo feito, inclusive com o programa Alliance. Estamos aumentando a estrutura de suporte, temos um time para SMB, não só para distribuidores, mas também revendas. No Enterprise temos um time trabalhando direto com clientes finais, grandes bancos, todos os segmentos de indústria, para mostrar para esse pessoal a tecnologia AMD. Para eles testarem. Mandamos kits para teste. Uma vez que a tecnologia está homologada em grandes clientes, eles podem comprar de quem quiserem. E no governo temos um time montado para atender especificamente esse segmento, que tem particularidades muito únicas. O que é diferente? Temos grandes OEMs [fabricantes de PCs] locais fortes, a Positivo, a Daten, que trabalham e sabem muito bem como trabalhar com governo. As multinacionais não têm tanta flexibilidade. Os OEMs nacionais são mais ágeis, customizam melhor. E o corporativo está focado uma parte só em servidores e outra só em clients [desktops e notebook].

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