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De volta do futuro

Frio na barriga era o que eu estava sentindo alguns dias atrás indo para o Aeroporto de Guarulhos. Sentimento que nunca senti às vésperas de embarcar para outros lugares, como o Vale do Silício, Cannes, SXSW ou Websummit em Lisboa. Eu estava indo com um grupo de empresários para uma missão empresarial na China. Foi a minha primeira vez no país-continente asiático.

As minhas expectativas estavam difusas, pois realmente eu não sabia o que esperar dessa viagem. Aqui no Brasil a gente ouve muitas histórias sobre comidas esquisitas, costumes que a gente não entende, mas os assuntos ficam na superfície de temas com pouca profundidade. Essa missão mudou completamente as minhas percepções sobre o que eu achava ser o “chingling way of doing things”. Todos os meus preconceitos foram jogados por terra. No momento de voltar para o Brasil, já no Aeroporto de Shenzhen após uma semana com mais de trinta reuniões, eu tinha a convicção de que estava voltando do futuro.

O soco no meu cérebro começou com uma visita à empresa IngDan, uma companhia multibilionária completamente desconhecida por nós brasileiros e que detém um sem número de patentes de tecnologias muito sofisticadas e é sócia local da Microsoft. Com eles aprendi o conceito AIoT (‘Artificial Intelligence + Internet of Things’). Eles escrevem assim mesmo: AIoT. Na visão exposta pelo CEO e fundador da empresa,  Jeffrey Kang, o futuro está sendo construído em Shenzhen – e não no vale americano – e será alicerçado nesse conceito que une inteligência artificial (IA) com hardwares conectados a redes supervelozes, dando vida autônoma a coisas cotidianas, como trens, carros, elevadores, escadas, robôs, semáforos de rua, brinquedos e uma infinidade incontável de exemplos.

Talvez você possa pensar assim: já ouvi, li e vi isso na prática. Isso não é novidade nenhuma. A CES está cheia de exemplos assim. O que posso te dizer é que nada substitui você ver isso dentro da fábrica, na origem, na fonte e trocando ideia com quem está desenvolvendo e patenteando essas tecnologias. A profundidade da experiência transformou a minha visão sobre como essas tecnologias podem impactar hábitos e consumos.

Conheci a Ubtech, que é uma empresa de robôs humanoides que tem como missão empresarial colocar um robô em cada lar do planeta. Vi de perto o Walker, que é uma espécie de Lucy do desenho Jetsons. Fomos na Makeblock, que desenvolveu um método e peças de hardware com o propósito de ensinar crianças acima de quatro anos a fazer e programar robôs. Estivemos no ‘Shenzhen Innovation Lab’ e tivemos a honra de sermos recebidos pelo professor e doutor David Li, que fez uma explicação brilhante de como a China evoluiu nos últimos 40 anos e o que, nas palavras dele, é o jeito chinês de fazer as coisas: “Para nós chineses ideia não tem valor. Você vai ter uma a cada refeição. O que importa mesmo é saber executar”, ele afirmou categoricamente na sua palestra para nós. Aprendi o conceito 996 que explica o jeito dos chineses de trabalhar das 9h às 21h, por seis dias na semana.

A missão percorreu Shenzhen, Guangzhou (onde tem a megafeira de Cantão) e Hong Kong. Na Lingnan University conhecemos a empresa Midstereo, que desenvolveu e patenteou a tecnologia que permite ver imagens 3-D a olho nu, sem precisar de óculos. É algo surreal você ver cenas de um filme com coisas explodindo na sua cara sem precisar colocar nenhum aparato eletrônico para isso. Visitamos uma agência governamental em Hong Kong e outra em Guangzhou. Foi possível entender o que pensam sobre temas como liberdade e empreendedorismo, entre muitas outras coisas.

De tudo o que vi, eu tentei resumir em três aprendizados o que gostaria de compartilhar com você que está lendo este texto. O primeiro é que independentemente do modelo único de governo, o que realmente importa é a capacidade realizadora que a cultura chinesa valoriza. Fazer as coisas, entregar no prazo e evoluir constantemente são valores e práticas que fizeram milhões de pessoas saírem da miséria do passado recente e entrarem na prosperidade do presente. A segunda coisa é a ausência de medo da tecnologia.

Na visão deles a tecnologia serve para resolver problemas reais do dia a dia. No ocidente, eu vejo uma visão muito glamourizada da tecnologia que gera um certo medo e distanciamento, quase que uma coisa inatingível para algumas pessoas. Eu não percebi esse sentimento lá. Talvez não tenha conhecido gente o suficiente ou as pessoas que conheci são todas envolvidas com tecnologia.

Porém, os números do país mostram que parte significativa da evolução do GDP vem da adoção maciça da tecnologia. Pode ser um indicativo de que a minha percepção esteja correta. E o terceiro aprendizado é que a China representa nesse momento histórico uma oportunidade ainda pouco explorada para os brasileiros interagirem e desenvolverem projetos tecnológicos e de transformação digital. A gente está muito acostumado a olhar para celeiros como EUA e Israel. Vale a pena prestar mais a atenção na Ásia, e a China deve ter uma relevância muito grande nesse exercício. Ir para lá é quase como entrar num portal e visitar o futuro que já está acontecendo.

*Adilson Batista é fundador e diretor de estratégia da Today

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