Como me preparar para o “Uber do meu mercado”

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12:25 pm - 14 de abril de 2016
Como me preparar para o “Uber do meu mercado”

Um CIO antenado certamente acompanha o que acontece em outros mercados e os efeitos das disrupções tecnológica em vários setores da economia. Isto tira o sono de muita gente, pois não é mais uma questão de “se” haverá um Uber no seu mercado, mas sim de “quando” isto acontecerá.

O que vou compartilhar aqui é um pouco do que já está acontecendo no Brasil e como o CIO pode ajudar a sua corporação e até mesmo ter um papel mais estratégico com a chegada destas disrupções tecnológicas.

O barateamento constante da tecnologia, a existência de muito dinheiro para investimento de risco, somados a uma mentalidade cada vez mais empreendedora, continuarão a criar novas startups, que chacoalharão segmentos de mercados que antes viviam em relativa proteção.

O que Uber está fazendo com os taxistas é um exemplo do que poderá acontecer em qualquer mercado. A chegada de uma startup com um produto mais simples, barato e fácil de usar, pode estremecer um determinado setor. O Uber é o exemplo mais emblemático, mas os casos são muitos: Netflix para a TV a cabo, Nubank para as instituições financeiras, Whatsapp para telecom, Airbnb para hotelaria, QuintoAndar para imobiliárias e assim vai. E estamos falando só de empresas que já estão atuando no mercado brasileiro. Os exemplos são ainda mais numerosos nos mercados americano e europeu.

Estive em um banco brasileiro onde o cartão de crédito Nubank está começando a incomodar. Esse banco deseja criar um produto semelhante para competir diretamente com o cartão roxinho. Quando começamos a sessão de brainstorm sobre as possibilidades para o novo produto, logo veio a exclamação “Espere aí, este é um banco com décadas de história e com cartões que geram muito lucro à corporação! Não podemos fazer assim! Além do mais, vou arrumar briga com outra diretoria”. É provável que tudo isso seja mesmo verdade, mas as startups não sabem disso e seguirão adiante com os seus planos de expansão. As empresas já estabelecidas tem os seus compromissos com o que foi construído, com a governança e com os seus stakeholders. Um negócio nascente não tem estas amarras e vai usar isto como vantagem competitiva.

O que se passou naquele banco é a situação clássica colocada no livro “O Dilema da Inovação” (de Clayton M. Christensen). Basicamente uma empresa cresce sobre um modelo de negócio bem sucedido, que gera lucro e uma pretensa solidez. Vem a disrupção tecnológica e permite que pequenos competidores criem uma nova geração de produtos, mais simples e acessíveis, atuando em nichos de mercados que geram margens de  lucro menores do que o negócio já estabelecido. A empresa tradicional inicialmente despreza os novos players. Isto pode acontecer por questões de tamanho reduzido do mercado onde os novos players atuam, pela margem menor daqueles produtos e por vários outros compromissos já estabelecidos.

Os novos players começam a crescer e ganhar mais fatias de mercado, canibalizando as margens da empresa estabelecida. Isto reduz drasticamente a capacidade de resposta, pois as margens já são menores, os antigos clientes podem já estar seduzidos pela novidade e até a aquisição do novo player pode estar fora de questão, pela sua valorização. Para ilustrar, a valoração estimada do Nubank é de US$ 500 milhões (março/2016), um preço que poucos competidores do mercado de cartão de crédito estariam dispostos a pagar.

Como as disrupções envolvem sempre TI, o CIO está em uma situação privilegiada para apoiar a estratégia do negócio. Algumas das ações que ele pode tomar estão dentro de sua alçada de atuação e, em outras, ele poderá ser um conselheiro especialista. Abaixo estão algumas ações que podem ser implementadas desde já para passar pelo dilema da inovação sem ser tragado pelo Uber de seu mercado. Elas estão listadas por ordem decrescente de alçada do CIO.

A criação de uma TI bimodal() é a maneira mais à mão para o CIO criar um ambiente propício à inovações de maior impacto. O modo 2 deve estar mais próximo ao negócio para criar inovações mais disruptivas e menos incrementais (isso fica para o modo 1). O time do modo 2 deve ter uma mentalidade bem diferente do time tradicional de TI. Dar elevada importância para previsibilidade e governança é uma desvantagem no modo 2. Provavelmente os fornecedores também serão outros: empresas menores, mais ágeis e que tragam ideias e soluções menos convencionais para os problemas apresentados. A limitação desta abordagem é que muitas disrupções envolvem a mudança no modelo de negócio, algo que está além da responsabilidade de TI.

Um passo além da TI bimodal é criar um comitê com as áreas de negócio e TI que pense inovação como um investidor de risco trata o portfolio de startups. Empresas que fazem uma análise detalhada de ROI têm grandes dificuldades para lidar com tecnologias disruptivas, pois elas exigem dados de mercado que ainda não existem. Um investidor de risco sabe que de cada 10 iniciativas 7 falharão completamente, 2 terão algum sucesso e uma poderá se tornar uma estrela. Ele reserva um orçamento para isso e estabelece métricas de sucesso e falha para cada iniciativa. Falhar e aprender com as falhas é parte importante do processo.

Se aproximar do ecossistema de startups e aprender com elas é também uma opção. Isso é interessante para absorver uma cultura mais empreendedora, trabalhar com inovação aberta e até adquirir participações em startups promissoras. Os bancos Itaú e Bradesco criaram respectivamente as aceleradoras Cubo e InovaBRA. A seguradora Porto Seguro criou a aceleradora Oxigênio, onde o CIO Italo Flammia tem um papel estratégico.

Outro caminho para lidar com os players disruptivos é montar operações separadas, com uma estrutura de custo menor, aproveitando as tecnologias disruptivas e sem as amarras herdadas do negócio tradicional. É muito provável que esta nova organização canibalizará parte do mercado da organização mãe, mas este é um mal menor. No Brasil já existem bancos e seguradoras com projetos de operações independentes para atuar no mercado digital, com produtos mais simples e baratos. Os próximos anos terão bastante novidades neste assunto.

Por último, a aquisição de startups que já apontam com possíveis campeãs de seus setores também é uma opção. As vantagens são claras, pois o negócio já está num estágio mais maduro, que pode se tornar altamente rentável dentro da escala de uma empresa estabelecida. Por outro lado, o custo de aquisição pode ser proibitivo. Além disso, o risco de choque cultural também é considerável, podendo colocar em risco o investimento e um benefício intangível, que é trazer um DNA novo para a organização.

Estas ações acima podem fazer as empresas estabelecidas aproveitarem as oportunidades trazidas pelas rupturas tecnológicas de uma forma ativa, mais do que ficarem somente sujeitas às ameaças que as inovações trazem. O importante é o senso de urgência, pois transformação digital já está batendo à nossa porta e é melhor estar preparado para quando o “Uber do meu mercado” aparecer.

*Luis Dosso é diretor na Dextra

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