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Como CEO da Kickante se tornou um das mulheres mais inovadoras do mundo

Candice Pascoal deixou o interior da Bahia, mais precisamente a cidade de Juazeiro, com seus atuais 150 mil habitantes, para se dispor mundo afora. Fosse o desejo do pai médico, ela seguiria a mesma carreira, teria aberto consultório ou frequentaria os corredores de clínicas e hospitais. Mas quem há de saber das profissões que não nos tornamos. Baiana, determinada, foi por outro caminho. Queria algo mais dinâmico. E não hesitou: a faculdade de Administração e Comércio Exterior parecia adequada para levá-la além da linha do Equador. Hoje, aos 39 anos, Candice me conta sobre sua trajetória em entrevista por telefone – para ser mais precisa, em uma ligação de WhatsApp. Estamos distantes na geografia, eu em São Paulo, ela no conforto de sua casa instalada em um bucólico interior da Holanda, onde mora há oito anos. Mas apesar do país onde reside ser referência mundial em inovação, o negócio que ela fundou e administra tem raízes no Brasil, o site de financiamento coletivo Kickante.

Lançada em 2013, a Kickante se tornou a principal plataforma de crowdfunding do Brasil. No total, o serviço já conseguiu financiar 70 mil projetos e captar cerca de 55 milhões de reais. Por meio dele, a ONG Santuário Animal levantou mais de R$ 1 milhão para renovar suas instalações. Outras grandes organizações não governamentais como Médicos Sem Fronteiras e Greenpeace também concluíram campanhas bem-sucedidas na plataforma.

O alcance da Kickante chamou atenção e o trabalho de Candice ecoou lá fora. Em 2017, ela levou o prêmio internacional Cartier Women’s Initiative Awards, que identifica e apoia projetos de empreendedorismo liderado por mulheres. No mesmo ano, a plataforma foi reconhecida como fintech, como são chamadas as startups que oferecem soluções financeiras, ao se tornar uma das cinco vencedoras do Fintech Awards Latam. Antes de o ano acabar ainda deu tempo de outro projeto seu ganhar a forma impressa, lançou o livro “Seu Sonho Tem Futuro”, financiado pela Kickante, tendo levantado R$ 99 mil na época. Para ela, lançar um projeto pelo próprio negócio serve também como uma espécie de termômetro: o que está dando certo ou errado? O que ajuda a atrair mais pessoas?

“Meu sonho com a Kickante não era lançar apenas uma plataforma, ser uma startup, era fazer com que o crowdfunding se tornasse o braço direito do brasileiro”, define Candice. “Que o brasileiro conhecesse essa maneira de captar fundos onde os riscos são muito baixos e além disso de cobrir a lacuna financeira dos projetos que não são financiados ou porque são muito pequenos ou porque são muito diferentes”, completa.

Pesquisa e inovações

Sites como Indiegogo e Kickstarter, lançados entre 2007 e 2009 nos Estados Unidos, iniciaram a leva de serviços de financiamento coletivo. Mas diferente dos domínios estrangeiros, que conseguiram colocar muitos produtos no mercado, incluindo cases de sucesso como o smartwatch Pebble, a Kickante parece dar maior visibilidade a projetos culturais e sociais. Candice diz que não se trata de uma inclinação proposital, mas uma consequência do mercado brasileiro.

“Na realidade não fomos nós quem escolhemos os tipos de projetos, foram os projetos que nos escolheram”, resume. “Nos EUA e em alguns países da Europa, o empreendedorismo e inovação em produto está mais avançado e o custo para tirar o produto do papel é muito menor, então você vê eles se arriscarem muito mais”, explica.

Mas a plataforma já levantou recursos para produtos, incluindo uma bike elétrica, e até mesmo aplicativos: o Joinder Me, um app de relacionamento, e o Malalai, aplicativo de geolocalização que visa aumentar a segurança de mulheres. “A quantidade de pessoas trazendo produtos ainda é menor, mas quando isso crescer, imagino que também se refletirá na plataforma”, prevê Candice.

Antes de lançar o Kickante, Candice veio ao Brasil para fazer uma pesquisa de mercado. Já haviam sites de crowdfunding no País. Mas, segundo ela, o mercado ainda era pouco explorado. Lançou a plataforma e inclui novos recursos, como a possibilidade de parcelar doações, investiu em oferecer conteúdo de marketing digital para criadores, baixou taxas por campanha e abriu a plataforma para atrair o máximo de projetos. Os ajustes renderam. Aliar-se a grandes ONGs também veio dar credibilidade a um projeto iniciante na época e, no final do dia, Candice trilhou um caminho onde se deu a conhecer muitas pessoas, entre elas, aquelas que apostaram na iniciativa. Dois de seus ex-chefes se tornaram os primeiros investidores. Candice também contou com o apoio do irmão, Diogo Pascoal, cofundador da Kickante. Hoje, a empresa conta com oito investidores.

Do estágio não remunerado a VP internacional

Ainda na faculdade, aos 18 anos, Candice conseguiu um estágio em Nova York. O local de trabalho era a WTCA (World Trade Centers Association). Lá, a primeira tarefa que recebeu foi checar uma lista de telefones. Eles ainda estavam funcionando? “Fiquei frustrada”, lembra. Mas tão logo concluiu a tarefa, pediu por outra que exigisse mais. Foi assim que assumiu a revisão do WTC University e acabou chamando a atenção de Guy Tozzoli, diretor do WTCA e quem liderou a construção das Torres Gêmeas. “Todos os dias ele separava uma hora do dia para me aconselhar. Muito do que eu aprendi sobre liderança e empreendedorismo foi com ele”, conta Candice.

A baiana ainda estagiou em Paris antes de retornar para Nova York, onde decidida a entrar no renomado selo de música Putumayo World Music, pediu demissão de um bom emprego para novamente estagiar, dessa vez na gravadora. Em seis meses, diz Candice, ela assumia uma nova posição: a de diretora para depois ser promovida a vice-presidente internacional. O período foi marcado por muito trabalho e viagens. “Depois de cinco anos fazendo isso, trabalhando das 8h às 2h, eu decidi que precisava parar um pouco”.

Veio então o convite para trabalhar com captação de recursos para grandes ONGs. Foram quatro dedicados a isso. “Mas aquele semente de querer fazer algo meu vinha crescendo ainda mais”, lembra. Um episódio na Índia foi a epifania que precisava para recomeçar. Tempos depois lançava a Kickante.

A essa altura da conversa, penso que Candice tem dessas personalidades que fazem o tempo render mais. E carrega dos segredos da biologia humana que não exigem dela dormir muito. Ela diz que é persistente, mas não confunda isso com teimosia. “Se eu coloco na minha cabeça que vou fazer algo, eu não paro até conseguir fazer”, diz ela para não deixar dúvida. “Eu tenho convicção de que qualquer pessoa com qualquer sonho, se você persistir, não teimar – persistir e teimar é diferente”, diz abrindo um parênteses. “Você foca no que você quer e você se reinventa durante o curso, reinventa os seus processos e teimosia você bate nas mesmas teclas e não vai adiante”, resume.

Unicórnios: empreender não é buscar seres mágicos

Candice também critica o fetiche que se criou ao redor do Vale do Silício. Como que se para inovar por aqui fosse preciso ambicionar as paisagens de uma ensolarada Califórnia. O que funciona lá, não necessariamente se aplica aqui.

“Empreender não é ficar nessa neura de que startup é unicórnio”, alfineta. “Não é assim. No mundo inteiro tem gente empreendendo de todas as idades, de classes sociais, de cores. Empreender é achar uma necessidade do mercado, tirar esse projeto do papel, sem se prejudicar, sem se endividar, fazer de maneira responsável”, sentencia.

Criando um lugar seguro para outras mulheres

A empreendedora também desconfia um pouco dos efeitos colaterais do termo “empoderamento”. “Tem que tomar cuidado. Virou jargão de marketing a ser almejado pela mulher. Empoderamento é uma decisão diária, que vem da mulher decidir o que ela quer, se ela quer ser ou não dona de casa, se ela quer empreender ou não, o quanto ela quer ganhar e pedir por isso”, diz.

Quando pergunto a ela sobre representatividade, Candice, que vivenciou um universo corporativo definido em sua maior parte por homens, reforça que é preciso de um esforço de mulher para mulher. “Quando a gente vê um ambiente onde homens são mais financiados, onde homens estão mais presentes nos eventos, e a mulher não se sente confortável e não tem fluxo de caixa para tirar o seu projeto do papel, isso dificulta”, ressalta. “Eu sempre falo muito para as mulheres que a gente precisa apoiar o negócio de outras também, porque quanto mais de nós estivermos no ambiente de trabalho, isso torna mais confortável para meninas e mulheres que são menos assertivas estarem e todas nós somos importantes neste ambiente”, completa.

Metade dos projetos financiados pela Kickante são criados por mulheres, diz Candice. Os aplicativos, inclusive, citados nesta matéria foram pensados e desenvolvidos por empreendedoras.

Aos 39, mãe de um menino de 6 anos, Candice ressalta que empreender é saber que sempre terá altos e baixos. “Eu decidi empreender aos 30. Você pode empreender, ter o seu espaço e ainda ser fiel aos seus propósitos. […] E você precisa acreditar muito no que faz, porque o empreendedor vai se perguntar uma hora quando esses altos e baixos vão terminar e eles não terminam nunca. Empreender é isso”.

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