Como a análise de dados torna o transporte público mais seguro durante uma pandemia

Prefeituras e secretarias se beneficiam de tecnologias emergentes para apoiar o fluxo das frotas de ônibus nas capitais

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9:01 am - 27 de julho de 2020

Os ônibus da maior cidade da América Latina têm andado nos últimos meses com lotação bem abaixo daquela que operava antes da pandemia do novo coronavírus sequestrar nossos dias. Segundo dados oficiais da Prefeitura de São Paulo, citados em reportagem da Folha de S. Paulo, no período pré-pandemia a média de pessoas transportadas nos dias úteis era de 3,3 milhões. Em abril, este número caiu para 1 milhão e subiu, em junho, para 1,3 milhão – ou 40% do volume normal. A recomendação da Prefeitura é que durante o período da quarentena, os veículos circulem, pelo menos em teoria, apenas com passageiros sentados. Com isso, busca-se diminuir o risco de contágio da doença.

As medidas de contenção do fluxo de passageiros entre os transportes de massa não é exclusiva da cidade de Sao Paulo, claro. O transporte coletivo tem sido revisto mundo afora devido a pandemia. “Não dá para operar o transporte no mesmo modelo que se operava antigamente”, destaca Roberto Speicys, sócio-diretor e CEO da Scipopulis, empresa adquirida no ano passado pela Green4T, em entrevista a Computerworld Brasil. “Há algumas estimativas que apontam que para transportar as pessoas com os requisitos de isolamento social, a estrutura atual conseguiria transportar de 15% a 35% dos passageiros que transportava antigamente”, complementa.

Doutor em Ciência da Computação pela Universidade Pierre e Marie Curie – Universidade de Paris VI, que integra a Universidade de Sorbonne, em Paris, Speicys está por trás do desenvolvimento do Painel Trancity, da Scipopulis. Em resumo, a tecnologia proprietária e desenvolvida no Brasil processa dados em tempo real e os analisa com uso de Machine Learning para ajudar prefeituras e secretarias na gestão da frota de serviço de ônibus. Em um período de pandemia, a tecnologia atua para melhor adequar a equação entre fluxo e demanda. Recentemente, a Green4T liberou a gratuidade da plataforma para 27 capitais do País durante o período da pandemia. Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre já utilizam a solução.

Como dados atuam na gestão do transporte

A plataforma Trancity depende das grandes bases de dados das próprias prefeituras ou de companhias de ônibus para orientar a gestão pública. São dados que vêm de fontes como geolocalização, quantidade de veículos coletivos em cada linha, número de passageiros transportados que alimentam a plataforma. Os mesmos são processados em nuvem e disponibilizados às secretarias e prefeituras.

Em São Paulo, a plataforma tem sido utilizada desde 2016, segundo Speicys e apoiou decisões como a implementação de faixas exclusivas de ônibus. Já no Rio de Janeiro, a plataforma foi utilizada recentemente para apoiar a gestão da frota durante o período intenso de chuvas.

Speicys, entretanto, lembra que se as cidades passam a se apoiar em tecnologias emergentes para a tomada de decisão que influenciam o dia a dia das pessoas, elas também se beneficiam diretamente da evolução que tecnologias como cloud, armazenamento e até mesmo a inteligência artificial tiveram nos últimos anos para o tratamento de grandes massas de dados.

“Hoje se consegue armazenar muito mais dados do que antigamente. A coleta de dados também avançou, com muitos sistemas móveis conseguindo coletar dados”, reforça. Ele explica que no caso dos ônibus, cada sistema GPS consegue comunicar a posição do veículo a cada 40 segundos. Cerca de 15 mil ônibus em São Paulo geram de 4 GB a 5GB de dados por dia para serem tratados. Escale isso e leve junto os ruídos que cada veículo gera na informação e você teria uma tarefa impossível de administrar manualmente ou com algumas planilhas ingênuas no computador.

Ao recorrer à infraestrutura de cloud do próprio grupo Green4T, o que a plataforma também consegue é elasticidade para crescer em termos de armazenamento. “Não precisa alocar logo de cara, comprar um servidor disponível. A gente usa cloud para administrar e poder crescer de acordo com a necessidade”, explica o CEO da Scipopulis. Na outra ponta, algoritmos de Inteligência Artificial são utilizados para categorizar e classificar informações e demandas.

Se cidades são organismos vivos e sujeitos a uma infinidade de variáveis, os dados também se tornam reféns do dia a dia. E é por isso, explica Speicys, que é importante contar com bases de dados que sejam atualizadas. “A condição do trânsito, ela vai mudando aos poucos. Então a melhor previsão do futuro não é o que aconteceu ontem ou na semana passada quando houve um acidente, por exemplo, pois o dado histórico irá ficar ‘ruim’”, contextualiza. “Então, na hora que você só usa a janela de dados das últimas horas, você consegue prever melhor o futuro”. Segundo Speicys, antes da adoção da ferramenta, a média para tratamento de dados levaria 10 dias. Hoje, consegue se fazer isso quase que imediatamente.

“A ferramenta possibilita ter um filme do que está acontecendo e não uma foto”, compara. “Você consegue comparar hoje, com anteontem, com o mês ou ano passado. Isso dá possibilidades de o técnico pensar coisas que eles não conseguiram fazer antes”.

Cultura de dados é transversal

Segundo Speicys, para além de expandir o uso da plataforma para todas as capitais do País, busca-se com essa riqueza de informações orientar outros debates – e decisões – na esfera pública. Afinal, o transporte público e outros modais são transversais à cidade. Com análise de dados é possível utilizá-los para investigar questões de acessibilidade, do impacto da emissão de poluentes ou até mesmo orientar o desenho das cidades.

“A gestão da cidade é uma só. É interessante você combinar esses dados para tomar decisões, pois elas são sistêmicas. Você toma uma decisão na área do trabalho e ela acabará impactando o transporte; criar uma nova área de escritórios na cidade muda a dinâmica na cidade, como as pessoas se movem. É um desafio integrar esses dados de diferentes secretarias. As cidades, em geral, já têm bastante dados, mas elas têm dificuldade em tratá-los. O potencial já está lá. O que precisa é explorar e recontextualizar esses dados, cruzar informações entre as secretarias e ter visões mais gerais para medir esses impactos sistêmicos nas decisões de gestão das cidades”, finaliza Speicys.

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