Com blockchain, Boston Scientific quer revolucionar compras hospitalares

Projeto premiado usa tecnologia de registro para coibir fraudes e aumentar eficiência de estoques em hospitais latino-americanos

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7:30 pm - 24 de novembro de 2021
Mauricio Vieira, diretor de TI para a América Latina e de TI global para urologia da Boston Scientific Mauricio Vieira, diretor de TI para a América Latina e de TI global para urologia da Boston Scientific Foto: Divulgação

“O setor de dispositivos médicos é real. É a sala de cirurgia. O pessoal batalhando, o paciente desesperado. Aí está a importância daquilo que a gente faz. Tem um sentido e um propósito, é concreto”, pondera Mauricio Vieira, diretor de TI para a América Latina e de TI global para urologia da Boston Scientific. O executivo é responsável pelo projeto de inovação que levou a empresa a ser a vencedora do prêmio As 100+ Inovadores do Uso de TI em 2021 na categoria Indústria Farmacêutica e Dispositivos Médicos.

“Eu tive a oportunidade de ir a campo e ver, e isso te transforma como ser humano”, ressalta o executivo. Intitulado Gestão de Inventário Consignado utilizando Blockchain, o projeto se vale da tecnologia de registros distribuídos para controlar a jornada dos equipamentos fabricados pela empresa através da complexa cadeia do setor da saúde, que inclui uma diversidade de atores, incluindo indústria, hospitais, planos de saúde, médicos e, claro, os pacientes.

Esses participantes, por muitas vezes terem interesses conflitantes, “não necessariamente confiam uns nos outros”, explica Vieira. “Então por que não colocar um selo de qualidade em cima desse fluxo de maneira que o plano de saúde, quando olhasse para tudo isso, visse que não tem como eles [os registros] terem sido alterados? Foi daí que veio a ideia de usar blockchain”, conta.

O fato do projeto ter nascido na América Latina não é por acaso. Por aqui, diferente dos EUA, por exemplo, os hospitais adquirem dispositivos e equipamentos médicos por consignação. Ou seja, os itens só são pagos à indústria após o uso, muitas vezes diretamente pelo plano de saúde, e não pelos próprios hospitais. Por isso o controle de estoque ou inventário é crucial não só para manter o abastecimento em dia e evitar problemas no atendimento ao paciente, mas também para coibir desvios.

“Essa área de dispositivos médicos tem muitas fraudes. Muitos casos de o médico reportar que um stent foi colocado, mas de fato não foi consumido. Por isso o plano de saúde tem que auditar uma amostra gigantesca, e o tempo de reembolso pode levar até seis meses. E na prática acaba impactando a gente também”, explica Vieira. “Toda cadeia é impactada pela falta de um controle de estoque decente.”

Quando o reembolso leva tanto tempo para ser feito – seja ao hospital ou à própria indústria –, o fluxo de caixa da Boston pode ser afetado. E, pior, podem ocorrer problemas de auditoria interna. Afinal, se há discrepância entre o controle de itens feito por parte da empresa e dos hospitais, gera-se desconfiança. E o próprio modelo de negócios na América Latina fica prejudicado.

Novo modelo de negócios

Segundo o diretor de TI da Boston, quando o blockchain é inserido nos sistemas de controle de estoque dos hospitais, é como se houvesse um extrato bancário imutável que registra toda e qualquer transação. Nada pode ser apagado ou mudado, a transação é automática. “É um selo de qualidade”, resume.

Na prática funciona assim: quando os produtos consignados são pegos no estoque, eles são escaneados e automaticamente o sistema envia para a Boston o que foi utilizado. O ERP da empresa gera um pedido automaticamente para repor o estoque consumido. Cada passo é reportado em outra aplicação, que é o blockchain, “como se fosse um extrato bancário”, resume Vieira. “Consigo controlar o giro do estoque, sei o que e quando mandei, como foi consumido, a identificação de quem deu entrada, quem pegou o produto e levou pra sala de cirurgia etc. Tudo gravado nessa outra plataforma na nuvem.”

A empresa encontrou fornecedores de blockchain, mas nenhum que se adaptasse exatamente às necessidades do projeto pensado pela TI da Boston Scientific. Até que a canadense FactR apareceu e entrou como parceira do projeto. A empresa integrou uma solução pensada para o setor de transportes com base no Hyperledger Fabric, da IBM.

“Uma ponta é a Boston, outra são os hospitais. Começamos com um hospital na Colômbia, a Clínica Las Américas [em Medelín]”, conta Vieira. “Usamos como um diferencial da Boston, mas a ideia é que se o hospital quer usar em outros fornecedores, é uma decisão dele. É um benefício para eles também.”

Isso significa que o projeto se tornou um produto digital? “O que pensamos a princípio como inventário agora estamos pensando em transformar em modelo de negócios”, responde o diretor de TI, afirmativamente. “Entendemos que o futuro não está em só vender stents, mas sair da caixinha e encontrar modelos que possam fazer a diferença. Resolver problemas não só de negócio, mas do paciente, de pessoas.”

Desafios e resultados

O sistema de gestão de inventário consignado utilizando blockchain da Boston está em 45 hospitais da Colômbia, México e Chile. Um piloto deve ser lançado no Brasil em breve, e o objetivo, segundo Vieira, é ter o sistema em toda a América Latina.

Segundo Vieira, o grande desafio do projeto era contar com hospitais parceiros que de fato “comprassem a ideia”. Isso desafiou a área comercial da Boston Scientific que já atende esses hospitais a mostrar os benefícios do projeto. E para convencer as equipes técnicas dos hospitais, a TI da Boston Scientific usou automação robótica de processos (RPA) para livrar os hospitais de imputar manualmente as informações nos sistemas.

“Quando ele [o hospital] vê que funciona e traz valor, ele muda [de RPA] para APIs, que são mais robustas e inteligentes. Se já chegar dizendo que vai mudar sistemas não funciona. Tem que entrar devagar, de mansinho”, brinca o executivo de tecnologia.

Para aqueles hospitais que embarcaram no projeto, os resultados já são sensíveis: os problemas de estoque nesses hospitais acabaram e as auditorias foram facilitadas e se tornaram mais transparentes e rápidas. O terceiro benefício, diz Vieira, foi baixar a necessidade de estoques em quase 50% nesses hospitais.

“Antes não se sabia direito qual era o estoque e havia variações, [o que exigia] um número de segurança no estoque. Agora consegue-se operar de forma muito mais enxuta. O prazo para reembolso também diminuiu mais de 50%”, comemora, mesmo que isso signifique que a Boston envia agora menos produtos para os hospitais. “O intuito disso é uma transformação do setor.”

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