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Blockchain é muito mais que uma tecnologia exponencial

Comecei a prestar atenção em Blockchain ao ler artigo de
abril de 2014, “Satoshi´s
Revolution: How The Creator Of Bitcoin May Have Stumbled Onto Something Much,
Much Bigger
”. Até aquele momento havia ouvido falar, lido alguma coisa, mas
não me havia caído a ficha. Com o insight, as coisas ficaram mais claras. Sim,
uma nova tecnologia sinalizava um tsunami em alto mar e seu efeito poderia ser
avassalador.

Em 2016, após várias leituras, inclusive a do livro de Don e Alex
Tapscott, “ Blockchain Revolution: How the Technology Behind Bitcoin is
Changing Money, Business, and the World
”, vi que, no fundo,  havíamos captado apenas a ponta do iceberg.
Assim como no início dos anos 90, ninguém imaginava a Web de hoje, e os
negócios fabulosos e inovadores que dela saíram, como Google, Facebook, Amazon,
Netflix, YouTube, Instagram, Uber, Airbnb e outros. O Blockchain está atualmente
como estava a Internet no início dos anos 90.

Blockchain não vai provocar rupturas imediatas, mas manter o
pensamento nas suas perspectivas futuras é fundamental. Se quisermos
efetivamente criar novas fontes de valor, temos de entender para onde todas
estas mudanças estão nos conduzindo. Já existem diversos casos de
experimentações e iniciativas concretas, como o 
recente projeto da Kodak, tentando renascer das cinzas, com a plataforma  KodakOne e a sua KodakCoin.
O essencial é separar o hype da realidade.

Como todo software, ainda existem muitos pontos falhos a
serem corrigidos. As aplicações de Blockchain no mundo real têm apenas alguns
anos, e as suas duas plataformas mais disseminadas, Hyperledger e Ethereum, aliás,
como todas as demais alternativas, não possuem maturidade, o que pode
apresentar problemas imprevistos no próprio software, com potencial bugs ou
mesmo erros de implementação. Mas, aos poucos, vemos aplicações Blockchain se
espalhando. Se falarmos especificamente no tipo de aplicação mais comum de Blockchain, as criptomoedas, listamos mais de 1400. Curioso? Leia o artigo “There
Are Over 1,000 Alternatives to Bitcoin You’ve Never Heard Of
”.

Hoje, ainda temos pouca experiência coletiva e nenhuma best
practices
sobre Blockchain que possam nos ajudar a trilhar o caminho. Mas
sabemos que mudanças exponenciais acontecem muito mais rápido do que
pensamos.  Um exemplo de como uma mudança
exponencial é subestimada é o Human Genome Project. Foi lançado em 1990, com
estimativa de ser concluído em 15 anos a um custo de US$ 6 bilhões. Em 1997,
portanto na metade do prazo, apenas 1% do genoma humano tinha sido sequenciado.
Pelo planejamento linear que nós adotamos, considerando o ritmo de 1% em 7
anos, levaríamos 700 anos para concluir o sequenciamento. É um pensamento
lógico não? A pressão para encerrar o projeto foi imensa, mas quando levaram o
desafio ao futurista Ray Kurzweil, ele disse “1% significa metade do caminho. Ele pensou exponencialmente. 1% dobrando a cada ano significa
chegar aos 100% em 7 anos. O projeto foi concluído em 2001, quatro anos antes
do planejado e custando muito menos que o estimado. O pensamento
linear, tradicional, errou o alvo por 696 anos! Assim devemos encarar o Blockchain. Reconhecer sua imaturidade, mas entender que por ser uma tecnologia
exponencial, sua evolução poderá e deverá ser muito rápida.

Claro que existe muito ceticismo e alguns chegam a apontar o
fato da inexistência de uma “killer application” para comprovar a viabilidade
da tecnologia como um problema. Mas, pensemos juntos. O paper de Satohi é de 2008 e apenas em
torno de 2012 é que se começou a notar o potencial do Blockchain e que não se trata apenas do Bitcoin. Na verdade, talvez não seja correto falar em
uma tecnologia Blockchain, pois temos inúmeras tecnologias diferentes.
Blockchains seria mais correto!

Com Blockchains pode-se reinventar os sistemas financeiros
para serem mais seguros, melhores e mais eficientes. Mas, mudar uma indústria
de centenas de trilhões de dólares não é algo que acontece de um dia para o
outro. Muitas mudanças vão ocorrer no sistema financeiro, e, claro, o
sistema atual não vai aceitar mudanças sem luta! Pense que Blockchains não são
apenas um novo paradigma tecnológico, que, por si, leva alguns anos para ser
adotado. Blockchain é uma mudança fundamental na forma como pensamos
sociedades, confiança e redes. É muito mais amplo que discussões sobre
tecnologias.

Quando os carros foram inventados, eles não substituíram
imediatamente todos os cavalos e trens, e remodelaram de imediato as cidades
como as conhecemos hoje. Demorou décadas para encontrarmos maneiras de fabricá-los
em larga escala e a preços aceitáveis, enquanto estávamos implantando, em
paralelo, as tecnologias para extrair petróleo em grandes quantidades, criar postos
de gasolina e abrir estradas. Foi um conjunto de inovações convergentes. Os
computadores tomaram o mesmo caminho quando o primeiro transistor foi inventado.
Os primeiros computadores eram de uso muito restrito, e limitado a poucas
dezenas de especialistas. Para usar computadores você tinha que estar no
trabalho.  Não existiam terminais nas
casas, só nos escritórios. Décadas depois todos nós temos um computador mais
poderoso que um supercomputador dos anos 60 em nossos bolsos. No início dos
anos 50 alguém imaginaria essa possibilidade?

Uma crítica comum é que hoje a mais importante implementação
de Blockchain, a Bitcoin, é lenta, cara e consome muita energia e poder
computacional. Mas lembremos dos primeiros dias da Internet, quando usávamos
modem de acesso discado e tínhamos que esperar vários minutos para obter uma
conexão de 24 Kbps. Hoje vemos tranquilamente vídeos e filmes em nossos
smartphones.

Mas, indo além de criptomoedas e aplicações de Blockchain que
substituam cartórios, registros de documentos, diamantes e obras de arte, que
tal exploramos algo ainda embrionário, mas que pode provocar uma grande mudança
nas organizações?

Falemos de DAO ou Decentralized
Autonomous Organization
. Uma DAO é uma combinação de código de computador,
uma cadeia de blocos, contratos inteligentes e pessoas. Os fundadores de um DAO
criam as regras básicas de governança de como funcionará a empresa e as pessoas
se agregam a elas. Na verdade, não há hierarquia. É claro que, a qualquer
momento que você reúne pessoas em um grupo, é inevitável o surgimento de
políticas, mas não será a estrutura de “comando e controle” que a
maioria de nós está acostumada a ver nas empresas.

As estruturas hierárquicas funcionaram muito bem em um
período de mudanças mais lentas. Por outro lado, criaram fragilidades como
ascendência profissional significar mais poder, controles rígidos e pouca
flexibilidade para mudanças. Tendem naturalmente serem reativas à mudanças,
pois qualquer mudança afeta a estrutura de poder tão arduamente conquistado. O
modelo hierárquico foi criado para ser estático. As pessoas trabalham dentro de
um contexto “que as coisas foram feitas assim e deverão continuar sendo assim”.
É uma estrutura de comando e controle, onde o comando está nos níveis
gerenciais e a execução nos níveis mais baixos, que apenas cumprem tarefas, sem
maiores autonomias.  Os níveis
intermediários, de gerência, funcionam como “buffers”, recebendo ordens e enviando-as para baixo, filtrando os problemas que surgem embaixo, repassando
apenas alguns para a alta administração. As regras são claras e desvios
punidos. Inovação não é algo incentivado, a não ser em teoria ou em posters nas
paredes. As estruturas criam silos, muitas vezes com objetivos conflitantes
entre si, criando um cenário de “nós contra eles”, como gerência versus staff,
marketing versus finanças, TI contra todos!

A concentração de poder no topo da pirâmide organizacional
cria um ambiente de separação, entre os que têm poder (os que estão no topo) e
os sem poder, que estão nas camadas inferiores da pirâmide. Como poder é um
recurso escasso, ele é disputado ferrenhamente, muitas vezes levando a climas
de tensão negativas. A luta pelo poder exacerba algumas naturezas humanas como
ambição, politicagem e desconfiança, que criam ressentimentos e frustrações. É um
contexto que cria paradoxos entre valores escritos e praticados. Por exemplo,
uma empresa fortemente hierárquica coloca como valor “confiança e
responsabilidade”, mas a estrutura faz com que apenas as pessoas nas camadas
superiores saibam o que está acontecendo e o que será feito em caso de
crise. Por exemplo, uma onda de demissões é decida pela casta superior enquanto,
em baixo, a imensa maioria dos funcionários aguarda em suspense o que
virá…Onde está a confiança e responsabilidade? Porque estes problemas não
podem ser discutidos abertamente e novas ideias serem propostas por todos que
serão afetados por elas?

Por que não olhar uma organização como um ser vivo, em
constante evolução e adaptação, aprendendo e agindo de forma diferente a cada
novo aprendizado? Um ser vivo tem suas células funcionando de forma
independente, sem controle central. O fígado reage por sua conta, sem esperar ordens. Pensar em uma empresa auto gerenciável é uma quebra de
paradigmas, mas não creio que exista outra alternativa para sobreviver em um
mundo que muda a cada instante. Isto significa criar equipes auto gerenciáveis,
que tomam suas próprias decisões. Não existe a figura do chefe, mas todos tem
mesma importância no processo de decisão.

Essa é a proposta das DAO. Uma DAO tem partes interessadas,
as pessoas que se agregam à elas, que possuem tokens que representam uma
participação no desempenho da DAO. Essencialmente, o que essas partes
interessadas querem é um aumento no valor de seus tokens, ou seja, gerar mais
valor para a empresa. Sem entrar nos aspectos legais, uma DAO tem
“acionistas” e não funcionários.

Em vez de um conselho de diretores e executivos seniores, os
titulares de tokens (acionistas) de uma DAO têm o direito de votar “sim”
ou “não” em qualquer proposta que demande decisão da organização.

Em uma DAO, em vez de ser contratado como empregado, a
pessoa recebe um contrato em uma base de projeto. Após discussão entre os
membros da comunidade, a proposta é votada e, quando aprovada, o trabalho
começa. Cada membro de uma DAO pode enviar propostas de projetos. Depois de
enviar a proposta ao DAO e os membros da comunidade votarem na pessoa que
propôs para executá-la, ela passa a ser o responsável pela entrega, na data e no
orçamento.

OK, digamos que você perca seus prazos, de forma
sistemática. Ou, ainda, que você se comporte como um completo idiota para os
outros membros da comunidade.

Em um ambiente normal de “comando e controle”, a
política da empresa assume o controle e seu gerente pode te despedir. Você pode
eventualmente falar com a área de recursos humanos para reverter a situação.
Mas, depois de muitos ressentimentos e mágoas, você acaba indo embora, deixando
um clima azedo no ar.

Em um DAO, se você não honrar seus prazos ou tratar as
pessoas de forma inadequada, você sabe o que acontece? Os detentores de token
DAO que votaram seu contrato simplesmente retiram seus votos. Seu contrato
acaba e você está excluído da DAO.

Existe outro benefício potencialmente enorme com esse modelo.
Como uma DAO é organizada em torno de contratos inteligentes, e não em torno de
pessoas e papéis, a flexibilidade e agilidade para inovar é enormemente
aumentada.

As empresas muitas vezes falam sobre a inovação. Mas, em uma
organização hierárquica, a inovação enfrenta muitas barreiras e é realmente
difícil de fazer. Ideias inovadoras são difíceis de gerenciar e difíceis de
executar. Em uma organização plana, a comunidade pode se reunir e
“financiar” as melhores ideias, vindas de qualquer lugar.

Em um mundo DAO, você não tem chefe. Mas o que é melhor é
que os desempenhos ruins e aquelas pessoas que são um arrasto na organização,
são removidos de forma muito mais rápida e eficiente. Alguém não está fazendo o
trabalho ou não está tratando os outros com respeito? Remova o suporte do
contrato.

O que o DAO oferece é o potencial não apenas de uma melhor
produtividade, mas também uma melhor experiência de trabalho para todos.

Assim como os primeiros sites não
nos dersm uma visão do que se tornaria da Internet atual, as primeiras DAOs são
primitivas. Existem muitas dúvidas e questionamentos. Mas isso não significa
que elas não sejam as sementes de mudanças significativas no mundo das
organizações. Algumas iniciativas pioneiras estão em andamento. Devemos acompanhar
sua evolução. Sugiro ler “The Book of Fermat
e o texto “Fermat
Distributed Governance Model
”, para uma ideias das concepções básicas de uma
DAO. Aqui e ali já pipocam diversos artigos e alguns deles discutem as questões
de regulação, como “The​
​Decentralized​ ​Autonomous​ ​Organization and​ ​Governance​ ​Issues
”.

Sim,
tudo é muito novo, mas também muito instigante. Se você está pensando em criar
uma startup voltada para o desenvolvimento de software ou marketing, com base na “gig economy”,
que tal pensar no modelo DAO?

 

(*) Cezar Taurion é head de Digital Transformation da Kick Ventures e
autor de nove livros sobre Transformação Digital, Inovação, Open
Source, Cloud Computing e Big Data

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