Notícias

Antifragilidade digital ou como vencer desafios complexos

Engenheiro da área da tecnologia, fui formado para lidar com desafios complicados, aqueles que exigem alta expertise, mas que possuem uma receita, uma trilha lógica de solução. O caminho para esse tipo de problemas é: analisá-los, desdobrá-los em pedaços menores, fazer um planejamento detalhado, um cronograma e chegar na solução esperada. E, assim como eu, a maioria dos gestores se desenvolveu sob esse mindset que chamamos de “pensamento complicado”.

Hoje, porém, as questões que surgem no mercado não respeitam mais esse padrão. O digital trouxe para as empresas a mudança constante dos fatores – os desejos dos consumidores, os concorrentes e as possibilidades – e a volatilidade das fórmulas. A equação que resolve o problema agora, será pouco efetiva amanhã. Não há mais regras para responder às novas demandas. De encontrar soluções para sistemas complicados, os líderes passaram a ter que lidar com sistemas complexos, imprevisíveis, cujas variáveis são móveis e a combinação entre elas traz sempre novos resultados.

A complexidade implica que existe um nível de controle disponível, mas não é o controle completo, a situação não é completamente administrável. Esse modo de gerenciamento pode ser bastante estressante se o gestor tiver uma ‘mentalidade complicada’ que abomina a ambiguidade e a incerteza.”


Rick Nason, It’s Not Complicated: The Art and Science of Complexity in Business, University of Toronto Press, 2017

Essa mudança de paradigmas trouxe para as empresas a necessidade da transformação digital, o que por si só é um grande desafio complexo. Porém, mesmo diante dessa inevitabilidade clara de reinvenção das operações para lidar com o novo e incerto ambiente, muitos gestores ainda resistem à mudança real articulando suas antigas formas de operar com iniciativas digitais na tentativa de trazer o controle e a previsibilidade de volta ao jogo. Outros, certos de que basta aplicar um processo estruturado e bem planejado para tornarem-se digitais, procuram no mercado o passo a passo mais rápido. Assim, é comum ver muitas empresas buscando esse tipo de solução em parceiros e consultorias.

O fato é que a transformação digital não possui playbook (ou blueprint). Não existem, portanto, iniciativas ou uma receita para que uma empresa se torne digital. O que existe é uma maneira diferente de trabalhar, sustentada pela construção sólida de uma nova cultura digital, de colaboração, agilidade e velocidade que se encaixe na necessidade de cada empresa. Essa forma deve ser internalizada, enraizada em uma nova cultura corporativa. É um pensamento muito mais voltado para o Insourcing do que para o Outsourcing.  

O que é ser realmente digital?
É frequente no mercado ver companhias que se acreditam digitais porque possuem canais digitais bem desenhados e ferramentas e equipes de analytics que, muitas vezes, utilizam-se dos dados apenas para corroborar ideias pré-concebidas de líderes e gestores. Sem considerar o contexto, sem de fato aprofundar-se nas informações fornecidas pelos clientes, essas empresas, na verdade, estão tendo iniciativas digitais, mas não sendo digitais, pois estão presas às suas convicções e seus modelos de controle – ou sistemas complicados -, o que as faz andar na contramão. E, além de estar na direção do fracasso, essa forma de atuar é injusta com o cliente que está fornecendo todos os dados para a companhia e poderia estar sendo melhor servido.

E ser digital, como já citado, é ter uma cultura voltada para o consumidor como prioridade e não uma questão que se resolve apenas com tecnologia. É estar disposto a ouvir o cliente verdadeira e sistematicamente, buscando sempre entender suas vontades e ser ágil e veloz para atendê-las. É o que chamamos de Data Driven Enterprise; ter os dados como base de todas as tomadas de decisão, ter habilidade e humildade para expor erros, repensar hipóteses, realizar correção rápida de rumos e ter a tecnologia permeando a empresa de ponta a ponta.

“Pensadores complicados tendem a investir muito intelectualmente em uma ideia e se recusam a deixá-la ir apesar das evidências, por vezes esmagadoras, de que o plano não está funcionando. Os pensadores da complexidade têm a humildade e a flexibilidade para não ficarem presos nessa estratégia de baixa probabilidade.”

Rick Nason, It’s Not Complicated: The Art and Science of
Complexity in Business, University of Toronto Press, 2017

A necessidade, então, é a de realmente construir nas empresas, e em nós mesmos como líderes, um novo olhar, um formato de pensamento complexo, que aceite a incerteza como parte do jogo e – mais do que isso – caminho para o sucesso no mundo digital.

Para mim, um conceito que é muito preciso para explicar esse novo modo de pensar é o da antifragilidade. Termo cunhado pelo ensaísta libanês radicado nos Estados Unidos, Nassim Nicholas Taleb, no seu livro Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos, a antifragilidade é o antônimo de fragilidade sem ser sinônimo de resiliência ou robustez. É a capacidade de resistir aos choques e às mudanças e aprender com eles. É tornar-se mais forte e melhorar com os desafios. É ser flexível e aprender rápido, ser mais resistente ao imponderável.

“A natureza constrói coisas antifrágeis. No caso da evolução, a natureza usa a desordem para se fortalecer. A fome ocasional ou ir ao ginásio também o torna mais forte, porque você sujeita seu corpo a estressores e ganha com eles.”


Nassim Nicholas Taleb

As empresas – e seus líderes – devem desenvolver a habilidade de ser antifrágeis não só para conseguir evoluir e inovar para surpreender o consumidor, mas para continuar competitivas e, a longo prazo, para continuar existindo. Em pouco tempo, não haverá mais espaço para quem não assumir como forma a reinvenção constante.

Se não existe receita, como transformar-se de verdade?
De todos os modelos de gestão que conheço, o Lean é o único capaz de estabelecer as bases necessárias para uma cultura digital sustentável. Tendo como princípio primordial focar no problema do cliente que precisa ser resolvido, o Lean traz enormes ganhos em velocidade e agilidade para a empresa. E para consolidar esse mindset, essa poderosa filosofia propõe o “aprender fazendo”, ou seja, mudar a forma com que as pessoas trabalham no dia a dia para que elas assimilem a nova cultura naturalmente. Estabelecendo novos processos e ferramentas que as ajudem a entender problemas como oportunidades e buscar a solução deles de forma conjunta e colaborativa, aos poucos, as pessoas mudam sua maneira de pensar.  

Nada disso, porém, ocorre sem que antes aconteça uma real e profunda imersão das lideranças no Lean. E isso se faz com leituras e estudo, mas, principalmente, na prática, observando e seguindo os passos de empresas que têm uma operação Lean bem sucedida no ambiente digital. Esse processo de aprender fazendo do Lean é muito pessoal e segue o princípio oriental de aprendizado natural chamado Shu Ha Rí, no qual o Shu significa “siga as regras”, o Ha, “quebre as regras”e o Rí, “seja as regras”. Siga os passos de quem domina a execução do Lean, depois faça experimentos na sua empresa sob orientação para, só então, criar o seu próprio modelo de operação Lean, com processos e ferramentas que não sejam universais, mas que sejam específicos para sua empresa.

Lembrando que não existe playbook para transformação digital, a necessidade aqui é de trilhar o caminho que faça sentido para os objetivos do seu negócio acompanhado de um mestre, um “sensei”, que seja capaz de estar “skin in the game” com você nessa jornada, de orientá-lo e construir junto esta história..

Torne-se Lean Digital
Tendo clara a forma de estabelecer a cultura Lean na empresa é hora de conectá-la com o digital. Certamente você conhece o mantra das startups: Fail Fast, Learn Fast. A capacidade de testar, falhar e aprender de forma veloz, para mim, é uma das grandes chaves das operações digitais.

Sei que esse princípio, assim como o do antifrágil, soa impraticável para as grandes empresas ou para aquelas que não têm uma raiz digital. “Ora, as startups podem fazer apostas e falhar porque têm pouco a perder. Essa não é minha realidade!”, você me dirá. Mas não se trata de apostar a empresa (bet the company). Nassim Nicholas Taleb, no seu livro, fala que ser antifrágil é sobreviver aos impactos e aprender com eles, mas sempre protegendo o que é fundamental para enfrentar a próxima rodada. Ou seja, se não há domínio sobre o ambiente, faça suas apostas e não deixe que sejam medianas, mire na inovação, mas, primeiro, proteja seu negócio. Não há aprendizado possível, construção da antifragilidade nem disrupção sem a manutenção de uma base de segurança do negócio.

“Se você se arrisca e enfrenta o seu destino com dignidade, não há nada que você possa fazer que o torne pequeno. Se você não correr riscos, não há nada que você possa fazer que faça você grande, nada.”


Nassim Nicholas Taleb

Assim, é necessário mapear os fluxos de valor, descobrir onde estão as oportunidades de melhorar e quais os experimentos seguros para buscar a inovação e gerar mais valor com velocidade. Para isso, faça uso dos MVPs, ou produto mínimo viável, construa soluções apenas com as atribuições fundamentais para atender às dores do seu cliente, lance e realize ciclos curtos de teste e validação.

Com esse modelo de operação, a empresa consegue aprender de forma veloz e desenvolver experiências e jornadas que realmente encantem o cliente com agilidade. Porém, nesse caminho de testes é importante entender que haverá falhas; sempre há espaço para elas. E aqui, novamente, entra a força da base Lean para digital. Uma das premissas fundamentais do Lean é que “os problemas são ouro”. Vistos como oportunidades de aprendizado e, inclusive, inerentes a ele, os problemas devem ser discutidos de forma aberta e transparente. Quanto mais naturalidade há nesse processo de identificação de falhas, mais rapidamente se corrigem os rumos.

Para estabelecer o mindset Lean Digital na sua operação e tornar-se digital, procure além das consultorias, encontre seu mestre (ou o que chamamos de “sensei”), que faça junto com você, descobrindo juntos os melhores caminhos para sua empresa. É claro que existem vários aceleradores, vários caminhos que já foram trilhados, vários livros ensinando o “como fazer”, mas – lembre-se – a sua jornada é única e para ser antifrágil o seu aprendizado deve ser ímpar, dinâmico e contínuo.  

 

(*) Mauro Oliveira é Vice-Presidente LATAM da CI&T


 

Recent Posts

Novos executivos da semana: Dahua, Rimini Street, Arcserve e mais

O IT Forum traz, semanalmente, os novos executivos e os principais anúncios de contratações, promoções e…

2 dias ago

Sustentabilidade x IA: emissões da Microsoft sobem 30%

A Microsoft está enfrentando críticas após um relatório revelar um aumento alarmante em suas emissões…

2 dias ago

Centroflora integra e monitora ambientes industriais e automatiza manutenções

O Grupo Centroflora é um fabricante de extratos botânicos, óleos essenciais e ativos isolados para…

2 dias ago

8 oportunidades de vagas e cursos em TI

Toda semana, o IT Forum reúne as oportunidades mais promissoras para quem está buscando expandir…

2 dias ago

Fraudes: 58% das empresas dizem estar mais preocupadas no último ano

Um estudo divulgado na segunda-feira (13) pela Serasa Experian mostra que a preocupação com fraudes…

2 dias ago

82% dos ataques via USB podem interromper operações industriais

A Honeywell divulgou essa semana a sexta edição de seu Relatório de Ameaças USB de…

2 dias ago