A melhor maneira para se preparar para o futuro, segundo Amy Webb

Em entrevista, maior futurista americana assimila o futuro no presente para que tenhamos a chance de nos preparar para o que está por vir

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3:58 pm - 30 de julho de 2021
Amy Webb | Foto: Divulgação

Bola de cristal é para amadores: Amy Webb prevê o futuro na base da pesquisa – e da experiência. Depois de estudar clarinete clássico, a americana se dedicou aos cursos de ciências políticas, teoria dos jogos e economia, todos na Universidade de Indiana. O diploma em jornalismo veio depois, na prestigiada Universidade de Columbia, e foi o que lhe abriu as portas do mundo.

Como correspondente internacional, Webb morou no Japão e se acostumou a ver o mundo com “antecedência”. Primeiro era só uma questão de fuso horário, mas logo ela profissionalizou o olhar para o futuro. Tanto que hoje ela atua como professora de previsão estratégica da NYU Stern School of Business, e segue no comando do seu Future Today Institute, um instituto que ajuda líderes e organizações a se prepararem para futuros complexos.

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Autora de livros como “The Big Nine”, vencedor do prêmio Financial Times & McKinsey Business Book of the Year, Webb também já ocupou o palco do TED, uma conferência de ideias fantásticas. Em sua palestra, a americana fala de como conseguir hackear o sistema de online dating, num vídeo que acumula mais de 7 milhões de views.

Falando de amor e computação quântica, de biologia sintética e aprendizado de línguas, Webb assimila o futuro no presente, para que tenhamos a chance de nos preparar para o impacto. Apertem os cintos e acompanhem a entrevista na íntegra.

IT Forum – Em conversas e entrevistas, tenho a impressão que a pandemia alterou a nossa percepção do tempo. Você tem uma sensação semelhante?

Amy Webb – Sabe, as pessoas têm muita dificuldade em se imaginar no futuro, porque é assustador. Assim, acho que temos a mania de pensar que a verdade de hoje é também a verdade do amanhã, mas tenho certeza que a pandemia nos forçou a olhar para o futuro com outros olhos. E aqui eu falo do futuro real, não aquele futuro que consiste em fazer planos para o final de semana.

IT Forum – Mas o que é o futuro pra você e como podemos nos preparar pra ele?

A.W. – Desde criança sempre fui do tipo que se planeja pra tudo. Quando eu tinha uns 10 anos eu guardava diários e anotações onde eu escrevia planos e mais planos, o tempo todo. Acho que parte disso tinha a ver com controle, sabe? Quando planejamos tudo nos mínimos detalhes, sobretudo na juventude, é uma tentativa de controlar o futuro. É difícil criar uma visão do que o futuro pode ser e, ao mesmo tempo, ficar confortável com todas as incertezas do presente. Acho que isso se aplica também a governos e empresas: é necessário ter uma boa noção das transformações que acontecem e para onde elas vão, mas ainda assim se manter flexível aos detalhes do dia a dia. Acho que o importante é caminhar na direção certa.

IT Forum – A crise que estamos atravessando mudou alguma coisa na metodologia do relatório anual que você e sua equipe lançam?

A.W. – Não mudou. Meu time e eu usamos o Zoom há anos, desde que a plataforma foi lançada, então nosso típico fluxo de trabalho e metodologia não sofreram nenhuma alteração. Além disso, sempre tivemos um modelo híbrido de trabalho, então a única coisa que mudou na nossa rotina com a pandemia foi a avalanche de dados. Então posso garantir que a única diferença, na nossa jornada profissional, é que agora trabalhamos muito mais, porque lemos muito mais, entrevistamos muito mais e conceitualizamos muito mais.

IT Forum – Sei que é uma pergunta bastante previsível, mas não posso evitar de fazê-la: das tendências que estão no seu radar e relatório, quais você acha que merecem destaque?

A.W. – A gente olha para diferentes áreas e cada integrante da minha equipe se especializa em uma. Dito isso, também acho importante acrescentar que, para gente, “tendência” é algo pensado a longo prazo. Acredito que qualquer coisa relacionada a automação, em todos os setores, merece atenção. Seja no setor financeiro, seja na imprensa… muitas pesquisas e desenvolvimento envolvendo inteligência artificial e automação já existiam pré-Covid, mas acho que a pandemia apressou o passo. Também acho que a biologia sintética é muito importante. Estamos usando a ciência da computação, a engenharia e o design para redesenhar o conceito de saúde. Não é sobre desenhar bebês, é muito mais profundo, como criar novos materiais. Por exemplo, nós duas usamos óculos, certo? Então criar uma camada de proteção para as lentes, que as deixe indestrutíveis ou pelo menos que não seja possível arranhar. Por que isso seria importante? Por conta de outra tendência, que são os smart devices e os wearables. Além disso, a biologia sintética também desempenha um grande papel na mineração, na agricultura e mais. Já pensou criarmos novas fibras que se convertem em um novo tecido?

IT Forum – Diria que essas novas vacinas são também fruto da biologia sintética?

A.W. – Com certeza. As grandes vacinas contra a Covid são biologia sintética derivada do RNA mensageiro. Genética é um pouco como programação. São códigos genéticos dizendo ao seu corpo como se comportar e o que fazer. Não é o vírus atenuado, não é nada que entra no núcleo do seu DNA.

IT Forum – O seu relatório anual de tenências existe há mais de uma década, mas alguma vez esteve errada?

A.W. – Publicamos o relatório há 17 anos, e vez ou outra não acertamos no alvo, mas muito mais por conta do timing. Anos atrás eu estava tentando juntar as peças nas questões de RFID e NFC, ferramentas amplamente usadas hoje. Na época, porém, erramos a previsão de quando essas tendências ganhariam o mercado de massa. Aliás, essa é uma das partes mais difíceis desse trabalho: entender o ciclo de adoção das tecnologias. Digo isso porque não tem só a ver com os consumidores, até porque não fazemos pesquisa de consumo. É uma congruência entre investimento, estratégia, aquisição, economia, desenvolvimento e etc. Há áreas que são muito difíceis de prever, como a computação quântica e a inteligência artificial, mas fazemos o melhor que conseguimos. Antecipar tendências é uma ciência inexata.

IT Forum – Indiretamente, você já me respondeu sobre o ciclo de consumo, porque eu queria entender o que vem primeiro: a tecnologia em si ou o desejo do cliente.

A.W. – Quando o Steve Jobs estava vivo, ele criou primeiro a demanda. Acho que ninguém sabia que as pessoas iriam querer um telefone sem botões, conectado à internet, até que ele apresentou o iPhone. Acho que criar a demanda é parte do caminho, mas outra parte tem a ver com a necessidade do mercado. Se pudéssemos voltar no tempo e você me dissesse que os NFTs seriam um estouro agora, eu não acreditaria. Identificar o ponto de virada, de inflexão, ficou muito mais difícil nessa cultura de influência. A gente não trabalha com insight na parte dos consumidores porque eles são mais imediatos, então focamos nas forças que impactam o caminho. Olhamos para o que acontece na geopolítica, nas regulamentação, nas mudanças climáticas e por aí vai.

IT Forum – Como ficam essas análises agora que uma empresa não fica mais em uma única “caixinha”? Quer dizer, a Apple não é uma companhia de celulares, assim como talvez seja impreciso dizer que a Tesla é uma fabricante de carros…

A.W. – Com certeza a gente vê muito mais crossover de indústrias hoje, mas, de novo, acho que se podemos mudar nossos modelos mentais e mudar nossas expectativas em relação ao que é o futuro, isso nos ajuda a gerir o presente. O carro não precisa ser uma máquina que usa gasolina, tem quatro rodas e tem um certo design. Precisamos remoldar nossas perspectivas e entender que um carro é um device que move as pessoas e, ao aceitarmos isso, podemos então pensar em diferentes tipos de futuro, né? É fundamental que trabalhemos na expansão do nosso mindset.

IT Forum – Muitos de nós experimenta algum tipo de ansiedade quando pensamos no futuro, porque sempre achamos que vamos perder algo. Como podemos pensar no que está por vir, mas sem ficar deslumbrado ou assustado com isso?

A.W. – Acho que estamos sobrecarregados de informação e de fatos que colocam em xeque nossa visão de mundo, e isso é tudo muito difícil. Boa parte das culturas que conhecemos não foi ensinada a aceitar numa boa a ambiguidade. Na verdade, nossa educação consiste em acreditar que há sempre uma resposta, certo? É por isso que religião, psicologia e astrologia são tão populares. Quando as pessoas se sentem ansiosas com o futuro, elas tendem a recorrer a uma dessas áreas. E o problema é que não há uma resposta. Há muitos dados e muitas variantes neste jogo, então eu diria que o segredo é pensar, simultaneamente, a curto e longo prazo. E você precisa estar disposto a pensar de forma exponencial, e balizar suas ideias a cada nova informação que recebe – e é muito difícil fazer isso. Quando eu comecei esse trabalho era muito desconfortável, mas finalmente entendi que temos que estar dispostos em nos colocarmos em certas situações desconfortáveis, se não vamos continuar revivendo as mesmas histórias vez após vez.

IT Forum – E como podemos nos sentir parte do futuro, se não falamos a mesma “língua”? Quer dizer, eu não entendo nada de programação e muitas vezes me sinto deslocada dessa sociedade hiperconectada.

A.W. – Acho que é preciso estar atento. Sabe, eu não sou uma cientista de dados, mas eu coleto muitas informações e fico ligada no que está acontecendo. Então mesmo que eu não trabalhe diretamente em uma área específica, eu tenho vontade para investigar mais. Acho que o verdadeiro desafio, para nossa geração, é que há muito o que aprender. Não acho que todo mundo tenha que dominar todos os assuntos, então não acho que você precise aprender uma nova linguagem, mesmo essa, de programação. A curiosidade é o que nos leva além, sobretudo se você é uma pessoa curiosa para entender os nossos sistemas e ferramentas para criar a própria realidade.

IT Forum – Tive a oportunidade de entrevistar diferentes especialistas, dos mais variados campos de atuação, e acho curioso como todos eles cravam alguma previsão sob a justificativa de que estamos vivendo agora um divisor de águas. Você concorda?

A.W. – Acho que sempre estamos à beira de algo grandioso, né? Sobretudo porque existe uma confluência de pontos de inflexão. Tudo é uma questão de estar atento. Cerca de seis ou sete anos atrás, todo mundo falava de big data e hoje isso não é mais assunto, então acho que tem um pouco de geist nisso tudo. No final das contas, as coisas estão sempre acontecendo, então estamos sempre flertando com um ponto de virada. O que podemos fazer é “treinar” para ser o tipo de pessoa que consegue prestar atenção, simultaneamente, em diferentes sinais, assim ninguém fica sobrecarregado ou ansioso, e ainda consegue identificar as tendências.

IT Forum – Você acha que existe algum país que está fazendo um bom trabalho ao se preparar para o futuro? Acha que isso pode ter um aspecto cultural?

A.W. – Acho que Singapura está fazendo um excelente trabalho, pelo menos no que diz respeito à ciência e tecnologia. Sabe, eles têm políticas realmente inteligentes. As regras vigentes ali foram desenhadas para facilitar os investimentos e o empreendedorismo e inovação. Eu sei que Singapura é um país com dimensões territoriais enxutas e que é difícil comparar a nações como os Estados Unidos e o Brasil, com uma área continental, mas nós temos que colocar a criatividade para trabalhar. Também acho que Dubai tem se saído bem, com um smart government que impulsiona o desenvolvimento do país.

IT Forum – Smart government?

A.W. – Sim, ouvi isso faz pouco tempo e é fascinante. Há um grupo de pessoas trabalhando com o governo em políticas betas, acredite se quiser. Da mesma forma como as empresas testam em beta alguns apps e ferramentas, o governo o faz com políticas. Agora, por exemplo, eles estão testando regras para os drones. Então, enquanto ainda estamos aperfeiçoando os drones e entendendo como o ecossistemas dessas máquinas será, o governo simultaneamente trabalha tentando entender como seria o conjunto de leis ideais para isso. Em vez de esperar a tecnologia estar pronta para só então regulamentar, eles estão acompanhando o desenvolvimento em sua jornada, para que tudo esteja alinhado. Outros países também têm cases que são relevantes, como Israel e Estônia, que fizeram coisas incríveis no que diz respeito à identificação digital. Temos ainda a Finlândia e a Suécia também.

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IT Forum – E os Estados Unidos?

A.W. – Os EUA, sob a gestão de Trump, não tinha por hábito pensar no futuro. Aliás, acho que durante a liderança do republicano nós voltamos no tempo em relação a muitas coisas… diria que a atual gestão do Brasil, com Bolsonaro, tampouco é uma administração que pensa no progresso. Dito isso, acho que há muitos talentos e ideias no Brasil, e acho que as coisas podem mudar em breve no país. O Bolsonaro vai ficar um tempo no poder e depois vai sair, e as pessoas talentosas e criativas vão conseguir levar o Brasil adiante.

IT Forum – Qual você acha que é a atmosfera ideal para que possamos inovar e criar de forma sustentável e humana?

A.W. – Eu acho que abertura e colaboração são vitais. Sociedades excessivamente litigiosas, onde há muita rigidez no que diz respeito à propriedade intelectual e patentes e todas essas outras coisas tornam as coisas difíceis. Então, eu acho que ecossistemas abertos, conjuntos de dados abertos, e todo tipo de abertura tende a criar um fluxo positivo de inovação. A educação também desempenha um papel importantíssimo, claro. Não é preciso esperar até a faculdade para ensinar às pessoas algumas das ferramentas de inovação, isso você começa no jardim de infância. Aliás, os alunos do jardim de infância são fantásticos, porque eles ainda não têm pontos de vista negativos sobre o mundo. Eles estão cheios de ideias incríveis. O que temos que fazer é manter essas pequenas mentes abertas ao longo de uma vida.

IT Forum – Acha que as fake news podem ser um obstáculos para algumas das tendências que você vê no horizonte?

A. W. – Notícias falsas são parte de todas as tendências, porque nós terceirizamos nossos julgamentos aos algoritmos. E esses algoritmos não estão necessariamente pensando no futuro a longo prazo da humanidade. Isso é algo que precisamos urgentemente discutir.

 

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