A Economia das APIs e seu papel propulsor na transformação digital

O Google aquece cada vez mais a Economia das APIs e confirma projeções de sucesso ao adquirir companhia norte-americana especializada no fornecimento de API Management

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4:40 pm - 30 de novembro de 2016
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No começo do mês de setembro, foi anunciada a venda do fornecedor de API management Apigee para o Google, por 625 milhões de dólares. Você já deve ter visto o Google comprar outras empresas por cifras bem maiores, o que pode te levar a pensar: “Apigee? Ok, e o que isso tem de tão relevante?”

A questão é que muito das plataformas, aplicativos e sistemas computacionais em geral, que todo usuário da Internet usa, tem como base de sustentação uma série de integrações, em particular, via API.

Já há alguns anos, a consultoria tecnológica Gartner tem oferecido indícios, em seu relatório “Nexus das Forças”, de que o futuro tem quatro pilares:

  • Cloud;
  • Mobile;
  • Social;
  • Big Data.

Pois bem, em particular, é interessante notar como as APIs funcionam como uma cola digital. Tendo esses quatro pilares, o que os une? Como integrá-los? Como oferecê-los como produtos vantajosos? Um dos melhores caminhos passa pelas APIs.

As APIs são responsáveis por um ponto crítico para as companhias que querem transformar-se digitalmente – integração segura com aplicativos e dispositivos internos e externos. Para se ter uma ideia da importância da economia das APIs, uma pesquisa da Forrester mostrou que companhias norte-americanas irão gastar cerca de 3 bilhões de dólares em softwares de gerenciamento de API até 2020. Embora não haja estatísticas sobre gastos com APIs no Brasil, grandes companhias nacionais – varejistas e financeiras, por exemplo, estão cada vez mais atentas para a importância de tornarem-se plataformas, agregar serviços, produtos e, por consequência, manter e conquistar mais clientes. E não dá para fazer isso sem APIs.

A relevância das APIs está exatamente em permitir que serviços diversos sejam integrados, potencializando as capacidades técnicas e funcionais. Afinal, se eu quiser criar meu próprio e-commerce, não vou começar desenvolvendo um site do zero. Basicamente, tenho duas opções: ou eu contrato alguma das plataformas de serviços para e-commerce, ou eu crio a minha consumindo APIs de pagamentos, carrinho, sugestões e assim por diante.

Contudo, o pulo do gato para entender a Economia de APIs está no fato de que as plataformas que oferecem as soluções para e-commerce também usam em larga escala APIs. E e-commerce é apenas um exemplo. A questão vai tão a fundo quanto ver que o Google oferece APIs para a grande maioria de seus produtos.

Sim, eles compraram a Apigee há um mês, mas já possuem um grande ecossistema de APIs funcionando a todo vapor há alguns anos. Exemplos: Gmail, Maps, Drive (e diversos produtos dentro dele, como o Docs e o Sheets), Plus. Se o Orkut ainda existisse, teria API.

O Android também usa APIs em larga escala. Inclusive, o Google está sendo processado (em alguns bilhões de dólares) pela Oracle por uso indevido da API do Java no sistema operacional. O resultado dessa ação judicial pode impactar todo o futuro do software. Você pode saber mais sobre como essa disputa lendo o artigo da Sensedia no link http://migre.me/vkeWi.

Essa é a importância das APIs
E outras empresas de todos os setores estão expondo APIs ou usando-as internamente para melhorar seus produtos. O movimento é tão forte, que alguns meses antes do Google, a Red Hat comprou uma outra fornecedora de API Management, a 3scale.

Há empresas cuja solução só é entregue via API. Há empresas que vendiam livros na Internet, mas se tornaram imensos fornecedores de tecnologias, e é claro, APIs (Amazon e seu serviço de cloud, o AWS, conhece?).

Do Facebook, a novos aplicativos no seu celular, a grandes varejistas até a instituições financeiras. Estão todos procurando uma forma de tornarem-se mais integrados. Entre os bancos, por exemplo, há cada vez mais iniciativas para tornar suas plataformas integradas e abertas. Até mesmo no Brasil. É uma conta simples, ou os bancos tornam-se mais conectados, integrados e intuitivos ou podem perder clientes para as fintechs – as novas startups financeiras. Na imagem abaixo, é possível ver quantos e quais serviços de um banco podem ser “tomados” por uma fintech. Aliás, a economia das APIs aplicada aos bancos ganha até mesmo um nome específico, open banking. Essa expressão é usada para designar o processo de colocar os serviços do banco como plataforma, mas ainda são poucos os bancos que já consolidaram essa tendência. Bancos têm usado APIs muito mais para acelerar desenvolvimento interno do que para se conectar com parceiros (são poucos casos de Open Banking no mundo — bancos têm um caminho ainda de mais agilidade, como prioridade frente ao Open).

 fintechecossistema
(Abra a imagem em uma nova página para ampliar)

Além dos setores mais tradicionais como o financeiro, a economia das APIs permitiu o desenvolvimento de negócios que já nascem como uma plataforma. Se você já usou o Uber ou o Airbnb, por exemplo, pode contar com um serviço baseado na integração entre parceiros e que por se beneficiar da economia colaborativa pode oferecer qualidade e preço competitivo a seus concorrentes tradicionais como os táxis ou as redes de hotéis.

Airbnb

 Ao abordarmos esse novo serviço, também vale a pena citar que a economia das APIs permite às marcas se inserirem na jornada do usuário de uma forma antes nem imaginada. Você pode, por exemplo, pegar um Uber e receber uma mensagem no seu Spotify, perguntando se não quer ouvir sua playlist favorita no carro. Isso sem ter que pedir ao motorista ou mesmo apertar um comando no Spotify para isso. Na jornada de compra do consumidor isso é ainda mais vantajoso para os clientes.

spotifyapi

Quando acessar o TripAdvisor – outro exemplo de empresa que cresce e se desenvolve com a economia das APIs, você pode ter acesso a opções de compra de seguro viagem, reserva do seu hotel, aluguel de carros no mesmo portal, sem ter que abrir uma nova guia do navegador para procurar esse serviço. Está tudo a um clique de distância e são as APIs que permitem que as empresas que oferecem esses produtos possam te encontrar onde você está e já te dar a possibilidade de fechar vários detalhes da sua viagem sem sair de um mesmo portal.

  travel

É a economia de APIs que está na base também do surgimento dos marketplaces. Se você entrar no site do Extra hoje e procurar por um produto específico, um tênis, por exemplo, verá que o mesmo não está sendo oferecido somente pelo Extra, mas que há outras lojas listadas na mesma página vendendo o produto. É uma relação ganha-ganha entre a loja varejista e o e-commerce. E o principal beneficiário disso é o consumidor, que poderá ter acesso a uma gama muito maior de preços e opções de loja sem sair de uma mesma página. A integração entre o marketplace e os lojistas é feito via API e de uma forma muito mais rápida e descomplicada do que se fosse necessária realizar uma conexão customizada com cada lojista. Desta forma, todas as informações referentes aos produtos – estoque, valores, cores, modelos, especificações, trafegam rapidamente entre o sistema da loja virtual e a plataforma do marketplace.

marketplace

Compra da Apigee reforça aposta em APIs
A questão de as APIs terem relevância para os negócios já é uma ideia consolidada. As aquisições, exemplos e cases falam por si, validando a tendência que já estamos vivendo. A visão dessa tecnologia como base para negócios digitais já era realidade no Google, o que evidencia que já estavam apostando nisso.

Por outro lado, considerando o cenário do Google, há um grande movimento na direção de clientes enterprise, área em que o Google ainda tem impacto muito pequeno. Também pesa a questão de que mais de 90% da renda do Google vir de online ads (publicidade online).

O terceiro aspecto é a cultura deles, que “ataca para todos os lados”. Grandes produtos da empresa surgiram como projetos de hobby de funcionários ou ferramentas criadas internamente e que cresceram até serem produtizadas.

Essa é uma estratégia de grande sucesso. O Android, por exemplo, surgiu a partir de um gap mercadológico. Simplesmente não havia grandes concorrentes no ascendente mercado mobile em 2008. Hoje, representa 80% de market share, com o resto tomado em sua maioria pela Apple.

Ao contrário da vasta maioria das empresas, eles não têm medo de errar. Diversos produtos já se mostraram grandes fracassos, como o Wave e o Glass. Até mesmo no âmbito social, o Google Plus, que ainda existe apesar de sua baixa adesão e vasto domínio de outras plataformas sociais, também fracassou.

Em contrapartida, empresas que ficaram na zona de conforto acabaram perdendo mercado ao longo do tempo, como é o caso emblemático da Kodak, que tinha mais de 80% do market share de fotografia na década de 70, mas “perdeu” a revolução digital e ficou totalmente para trás.

A própria Microsoft, que já dominou a computação pessoal a braçadas, lançou uma grande sequência de edições malsucedidas do Windows, e apesar de ainda ser uma empresa relevante, não tem a mesma tranquilidade dos anos 90.

E voltando à compra da Apigee, cá, no Brasil, ela pode ser vista com bons olhos, assim como por outras empresas que tem as APIs como core do seu business ou não. Ao passar a ser filha do Google, a Apigee perde um pouco aos olhos do seu cliente sua independência, pois, como fornecedora de APIs não seria concorrente de seu cliente, ao menos, não declaradamente, já o Google tem negócios e ramificações em diversos ramos da tecnologia, seria, portanto, como comprar um serviço de alguém que depois poderá vender o mesmo produto que você.

APIs em Cloud: oferta estratégica para o Google
Uma conclusão evidente que podemos fazer sobre a compra da Apigee é que oferecer uma solução enterprise de APIs em Cloud é uma questão estratégica para uma empresa de tecnologia como o Google.

E por falar em Cloud, o Google não tem uma boa representação no setor e ainda não há alguém que se destacou com clareza. O Amazon Web Services (AWS), por exemplo, representa só 30% de mercado e tem a concorrência da Microsoft e da IBM, que também já ofertam produtos ascendentes na área.

Dessa maneira, o foco em uma solução enterprise para Web APIs pode ser o ponto de virada, o diferencial que o Google estava precisando.

Além disso, com AWS e Microsoft tendo em seus serviços na nuvem soluções de API gateway/management, seria um caminho natural, na briga pela supremacia na oferta de serviços de Cloud, oferecer também API Management.

Afinal, quem vai liderar a API Economy?
Essa discussão sobre o mercado de APIs me lembra a história que moldou as futuras gerações e ainda terá um grande impacto sobre toda a humanidade. Me refiro à revolução do computador pessoal, nas décadas de 70, com a disputa acirrada entre Microsoft, Apple e IBM.

Até os anos 2000, quem saiu por cima nessa disputa foi a Microsoft, com a Apple seguindo na cola. Porém, o boom da Internet deu espaço a novos gigantes, tendo o próprio Google como maior beneficiado.

Nesse mercado já estabelecido de APIs, qual será a grande empresa que revolucionará o setor? Ou será uma empresa que ainda não conhecemos? Um novo Davi vs Golias?

Só o futuro dirá.

 

(*) Kleber Bacili é CEO da Sensedia

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