Foodtechs: a revolução dos alimentos mal começou

A mola propulsora de um negócio que ainda engatinha, mas cujo potencial vai alçá-las a um crescimento colossal nos próximos anos.

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1:05 pm - 23 de setembro de 2019

Já ouviu falar da Calyxt? E da Shioki Meats? Talvez da Solar Foods, Bellwether, Creator, Kiwi, Yo-Kai Express, AWM Smart Shelf, Silo, DishDivvy, Sweetgreen, Apeel, Tracetrust, Goodr ou Just? Não se preocupe se esses nomes soam estranhos para você. Nenhuma dessas empresas é conhecida dos consumidores. Ainda. Todas – a maioria startups – fazem parte da lista das 25 foodtechs mais promissoras do mundo. A mola propulsora de um negócio que ainda engatinha, mas cujo potencial vai alçá-las a um crescimento colossal nos próximos anos.

 

Um negócio irreversível, com potencial para mudar a forma como o mundo produz, distribui, vende, prepara e consome os alimentos. Por trás das tão faladas foodtechs há um elemento-chave: a tecnologia que vai ajudar a criar ou aprimorar a agricultura e a produção de alimentos, a cadeia de suprimentos, os canais de distribuição e, consequentemente, o consumo.

 

Estas startups visam não só reduzir a fome no mundo, mas também tornar a população mais saudável, satisfeita e, pasmem, livre de riscos de contaminação alimentar – uma verdadeira salvação para os alérgicos. Acredite: hoje já existe um sensor portátil para você carregar por aí – em viagens e restaurantes – que identifica a presença de glúten e amendoim nos alimentos. Ele foi criado por dois ex-alunos alérgicos do MIT, fundadores da Nima, que agora querem avançar e também detectar lactose em pratos e bebidas, ajudando assim intolerantes a caírem numa enrascada.

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Dentre a lista das foodtechs com maior potencial, há uma que você provavelmente está cansado de ouvir falar – Impossible Burger. O caso da fabricante californiana de hambúrguer de carne sem carne, mas com aparência, odor e sabor de proteína animal, só que à base de plantas, é o mais famoso exemplo mundial de foodtech. Para se transformar nesse case inspirador, a Impossible Burger investiu quatro anos e bancou um exército de 100 cientistas, engenheiros de alimento e pesquisadores para chegar a 20 produtos diferentes degustados às cegas por 26 mil consumidores.

 

 

Lançado em 2016, o Impossible Burger ganhou nova versão em janeiro desse ano, com menos sódio e gordura. Hoje, ele é servido em 5 mil restaurantes, lanchonetes, supermercados e mercearias dos Estados Unidos. É, de fato, impressionante. Mas, acredite: essa é apenas a ponta de um enorme iceberg, daqueles que irão fazer afundar toda e qualquer indústria alimentícia, agricultor, pesquisador, cientista e varejista que não iniciar agora seus estudos em torno do futuro da alimentação, que obrigatoriamente passará pelas foodtechs.

 

São várias as áreas que podem ser abordadas pelas foodtechs. “Há desde aquelas que produzem substitutos a proteínas, açúcar e sódio às focadas em elaborar uma alimentação personalizada, capaz de analisar seu DNA. Isso sem falar naquelas que trabalham com rastreamento e segurança alimentar”, explica Miguel Duarte, sócio-líder para o mercado de bens de consumo e varejo da EY no Brasil e América Latina.

 

Prevenção de doenças e mudança de hábitos alimentares são vertentes que devem nortear os estudos das novas foodtechs prestes a estrear no mercado, acredita Daniel Domeneghetti, sócio-fundador da e-consulting. Outra aposta é a vertente das startups que visam combater o desperdício alimentar. “Esta é uma área onde as foodtechs vão crescer”, acredita Duarte. Por trás do sonho de construir algo novo, o sócio da EY lembra que é preciso tecnologia de ponta e muita pesquisa. “Para desenvolver a carne que não é carne, há muita tecnologia alimentar envolvida”, observa Duarte.

Prevenção de doenças e mudança de hábitos alimentares são vertentes que devem nortear os estudos das novas foodtechs prestes a estrear no mercado

Mais do que permitir chegar a fórmulas ideais, a tecnologia permitirá que se chegue à importante relação custo-benefício. O melhor exemplo é o do “hambúrguer de proveta”. Em 2013, Mark Post, pesquisador da Universidade de Maastricht, na Holanda, criou um hambúrguer artificial – feito em laboratório a partir de 20 mil tiras de tecido muscular – pelo preço de US$ 325 mil. Hoje, o valor caiu para cerca de US$ 12 por hambúrguer, segundo a revista Fast Company.

 

A tendência é que, a exemplo das novas tecnologias, esses novos alimentos também caiam drasticamente de preço. “No futuro, a disrupção na indústria poderá permitir que se produza carne em casa como hoje já se faz café em cápsula”, palpita Duarte. As impressoras 3D também ajudarão nisso, à medida que se tornarem populares a ponto de muita gente ter uma em casa.

 

Nem todos os modelos de negócios de uma foodtech pedem investimentos gigantescos. Há formatos de encomenda e entrega de comida pela internet – a exemplo de compra diária de pratos veganos pelas redes sociais – que demandam um aporte menor. Basta, nesse caso, caçar uma brecha e mergulhar na causa. No caso de projetos mais ambiciosos, o caminho é buscar um investidor. Para ideias muito boas em um mundo com fundos sedentos por projetos inovadores e com potencial de lucro, sempre haverá dinheiro.

 

A revolução mal começou

 

Segundo a Research and Markets, o mercado global de foodtechs ultrapassará os US$ 250 bilhões até 2022. Além das empresas novatas citadas no início dessa matéria, há gigantes bem estabelecidas que investem nessa onda como a Amazon que comprou a Whole Foods (rede americana de supermercados naturais, orgânicos e sem conservantes nem gorduras artificiais), o Walmart (maior varejista do mundo ao lado da Amazon), o Burger King (agora com hambúrguer vegetal no cardápio), e a Domino´s Pizza (na Austrália, a Inteligência Artificial é usada para analisar se a pizza pronta atende corretamente o pedido), dentre outros.

 

Quem não começar a realizar pesquisa e desenvolvimento nessa área hoje, inevitavelmente vai ter que comprar muitas dessas foodtechs no futuro. Até como caminho para se reinventar. A revolução mal começou. Enquanto empreendedores visionários queimam os neurônios para criar negócios realmente inovadores ou caçam investidores para bancar suas ideias questionáveis, gigantes como o Walmart, apesar de seu gigantismo, avançam na área.

 

A varejista americana está conseguindo se mover como uma startup, dada a agilidade em testar, de uma só vez, todos os novos tipos de inovação. Há algumas semanas, ela lançou uma loja de bairro em Levittown, estado de Nova York, que funciona como um IRL (Intelligent Retail Lab). Ou seja: um ambiente com sensores, câmeras de monitoramento de estoques, displays interativos e muita Inteligência Artificial com o intuito de construir o mercado do futuro. A varejista também está até mergulhando nos veículos de entrega sem motorista.

Mercado global de foodtechs ultrapassará os US$ 250 bilhões até 2022. Mas nem todos os modelos de negócios pedem investimentos gigantescos

No estado americano de Minnesota, a Calyxt anda chamando a atenção por trabalhar com plantas no nível molecular. Ela remove as partes não saudáveis ​​e aumenta os benefícios nutricionais que já existem, simples e naturalmente, sem adição de produtos químicos ou substâncias estranhas. O intuito é tornar os alimentos mais saudáveis.

 

Já em Singapura, cidade-estado do sudeste asiático, a Shiok Meats é uma empresa de carnes limpas baseada em células. A primeira do gênero em toda região, cuja missão é levar carnes de crustáceos limpos, saudáveis e saborosos. Como? Colhendo células de camarões, caranguejos e lagostas. Ecológicas com o mesmo sabor, textura, mais nutrientes e sem crueldade.

 

E o Brasil?

 

Até 2050, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que a produção mundial de alimentos deverá crescer cerca de 70% para conseguir acompanhar o crescimento da população mundial, que deverá atingir os 9 bilhões de pessoas. Frente a esse cenário que se desenha, foi criado o Foodtech Movement no Brasil, cujo intuito é reunir de entusiastas a transformadores em torno do tema.

 

Fica claro que não faltam oportunidades para quem quiser empreender na área. Para os aspirantes a criadores de startups na área de foodtechs, o Foodtech Movement lembra que o Brasil está entre os maiores produtores de grãos e carne do mundo e também entre as 10 nações que mais desperdiçam alimentos no mundo.

 

Nesse caso, empreender na área é uma questão de criatividade, business plan e capacidade financeira. Hoje, Duarte calcula que existam por volta de 330 foodtechs no Brasil. Esse número tende a se multiplicar nos próximos anos. O que também tende a crescer daqui para frente também é o aperfeiçoamento das profissões atuais para as futuras ligadas às foodtechs. “O novo nutricionista terá que pensar maior e ser meio cientista”, lembra Domeneghetti.

 

Abre-se também espaço às carreiras ligadas à transformação digital do agribusiness, que pode contemplar desde agricultores com olhar para a tecnologia quanto os tecnólogos com especialização em agribusiness. A mesma demanda terá o profissional que fará a gestão dos resíduos. Ou seja, do lixo. Uma questão que, cada vez mais, será exigida pela sociedade e pelo governo, ambos preocupados com o meio-ambiente.

 

As foodtechs pedirão ainda tecnólogo em alimentos, terapeuta nutricional, cientista especializado no desenvolvimento de produtos e seus processos, gerente de qualidade, diretor de assuntos regulatórios, técnico de laboratório científico e toxicologista. Emprego, definitivamente, não irá faltar.

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