TI na Saúde busca eficiência, interoperabilidade e melhor experiência para pacientes
No Dia Mundial da Saúde, IT Forum conversou com líderes do setor para explorar desafios, oportunidades e tendências da TI na saúde
A busca por eficiência, o uso inteligente de dados e novas tendências de consumo de serviços de saúde. Estes são alguns dos principais desafios enfrentados na atualidade por hospitais, laboratórios e outras empresas deste ecossistema, segundo líderes de tecnologia do setor ouvidos pelo IT Forum para reportagem que marca o Dia Mundial da Saúde, celebrado nesta sexta-feira (7).
Ao longo dos últimos dois anos, o segmento passou por uma intensa transformação. No olho do furacão da Covid-19, a indústria apostou na digitalização de sistemas e novos serviços para atender à crise sanitária global. Tendências como a telemedicina, o uso de aplicativos móveis e a saúde digital avançaram, criando uma nova relação das pessoas com o cuidado pessoal que persiste mesmo após o arrefecimento da pandemia.
Criado em 2019 pela Folks, consultoria de transformação digital em saúde, o Índice de Maturidade Digital para Saúde (DMI-H) avalia a jornada de digitalização de mais de 300 hospitais da América Latina. Neste ano, a consultoria lançou seu primeiro Mapa de Transformação Digital dos Hospitais Brasileiros, que avalia maturidade digital média de 175 instituições médicas do país, presentes em todas as regiões e pertencentes a diferentes segmentos e portes.
Na escala do estudo, o índice médio dos hospitais brasileiros avaliados foi de 44,2% – o que coloca o grupo no chamado estágio de ‘Evolução’. “Significa que os hospitais plantaram as bases da digitalização, mas ainda têm muito o que fazer. Estão no nível básico de digitalização”, explicou Dr. Claudio Giulliano, CEO da Folks, em conversa com o IT Forum.
Os próximos passos do índice são a fase de ‘Sofisticação’, na qual instituições já colhem os frutos da transformação digital, e de ‘Inovação’, que representa hospitais em nível avançado de serviços digitais, incluindo estratégia de novos negócios baseados em tecnologia.
Dr. Claudio Giulliano, CEO da Folks (Imagem: Divulgação)
De acordo com o executivo, o índice ainda não é capaz de representar a média de todos os hospitais brasileiros, mas permite estimativas que dão uma imagem do setor de saúde do Brasil quando comparado a outras regiões. “O Brasil está, na nossa opinião e segundo nosso índice, melhor em maturidade digital do que demais países da América Latina”, pontuou. “Versus o mundo, olhando outros modelos de avaliação, estamos muito atrás dos Estados Unidos, e um pouco atrás da Europa e da Ásia, que tem ilhas de excelência.”
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A metodologia do estudo leva em consideração uma série de diferentes variáveis, incluindo não apenas as ferramentas e infraestruturas digitais adotadas, mas também a cultura de inovação e a estratégia de governança das instituições. Todas essas dimensões, segundo Giulliano, são essenciais para uma “cultura organizacional” de transformação digital efetiva. “Só comprar e implantar tecnologia não prepara a instituição para uma jornada digital. Isso é construir um castelo de cartas”, avaliou. “Transformação digital não é coisa de TI, é preciso uma estrutura de governança que engaje todo mundo.”
Essa dimensão múltipla, aliás, é um dos alertas que o estudo traz para o setor no Brasil. Das instituições analisadas, 68% não têm um programa para capacitação em saúde digital de seus colaboradores, por exemplo.
O dado é também é ecoado pelo mais recente Atlas do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs), de 2021. No estudo, o entendimento de ‘saúde digital’ foi uma das principais dificuldades apontadas por executivos do setor: 20% dos participantes afirmaram não ter competências em saúde digital; 62% disseram ainda estarem desenvolvendo a competência; e somente 16% alegaram tê-la. “É um problemaço. Nós temos um monte de coisas para fazer e pouco conhecimento. A chance de dar errado é grande”, finalizou Giulliano.
Transformação em ação
Em 2021, o investimento global em saúde digital alcançou um recorde histórico: US$ 57,2 bilhões – aumento de 79% em relação ao ano anterior. No ano passado, no entanto, o número registrou uma queda notável, de 57%, ficando na casa dos US$ 25,9 bilhões. Os dados são da consultoria CB Insights.
A queda nos investimentos em saúde digital pode parecer surpreendente, mas segue a mesma linha de outras reduções observadas no mercado de tecnologia como um todo. A redução é mais um dos sintomas do momento de incerteza econômica e de falta de liquidez do mercado, que têm reduzido o volume de aportes no setor de saúde. Organizações no setor, no entanto, continuam com seus planos de investimento em tecnologia a todo vapor.
O Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, é exemplo disso. Desde 2019, a instituição aumentou em 170% o volume de investimentos que faz em tecnologia – neste ano, inclusive, a previsão é de um orçamento maior de TI do que nos anos de pico da pandemia. “Nossos maiores focos são os projetos de digital e inovação, para onde nós estamos levando 29% dos investimentos”, explicou Ailton Brandão, CIO do hospital.
Exemplo disso é o HealthLake, iniciativa anunciada pelo hospital na última terça-feira (28) em parceria com a AWS, um padrão aberto de data lake voltado para saúde que mira no open health. A ação é parte do Alma Sírio-Libanês, marca criada para atuar nas frentes de saúde digital conectando hubs, ecossistemas e startups para pensar nas melhores soluções para o mercado. A expectativa é também gerar produtos que poderão ser comercializados para outras instituições.
O HealthLake também se conecta com um dos principais desafios do setor da saúde na atualidade: o uso inteligente de dados. “Os dados tinham uma função unicamente transacional no passado – para viabilizar uma consulta médica, uma cirurgia ou procedimento e depois cobrar as operadoras”, explicou Brandão. “Hoje, não. Cada vez mais as instituições estão explorando esses dados para gerar produtos digitais para os pacientes e na busca de eficiência.”
Dr. Edgar Gil Rizzatti, diretor executivo de Negócios B2B e Novos Elos do Grupo Fleury (Imagem: Divulgação)
Dos líderes de TI ouvidos pelo IT Forum para a reportagem, todos abordaram a questão de dados como um dos principais desafios continuados do setor. “Não é trivial lidar com dados de qualidade na área de saúde”, avaliou o diretor executivo de Negócios B2B e Novos Elos do Grupo Fleury, Dr. Edgar Gil Rizzatti.
Uma das estratégias de dados do grupo gira em torno da chamada ‘jornada do cuidado’ do paciente, que busca interoperabilidade entre as diferentes linhas de atuação da empresa para melhorar a experiência do cliente durante todo o processo.
O objetivo é gerar benefícios ao paciente e mais eficiência através da coordenação de áreas e do uso de tecnologia. “Embora a gente tenha melhorado enormemente ao longo dos últimos anos, vários aspectos em relação à comunicação, quantidade de dados e a incorporação dos profissionais dos dados às equipes multidisciplinares de saúde são desafios do setor”, pontuou.
Ainda segundo Rizzatti, esses esforços são essenciais para dar conta de uma das tendências atuais da saúde: a ‘consumerização’, ou o desejo do paciente não só por um bom atendimento, mas por uma boa ‘experiência’ no consumo de serviços de saúde.
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“A pandemia fez, de modo geral, com que os indivíduos passassem a ficar mais exigentes com a sua saúde”, contou. “O consumidor tem acesso a recursos de tecnologia, está preocupado com sua saúde e quer imprimir uma lógica de qualidade – ter acesso ao melhor que ele pode pagar. Isso subiu o patamar do uso de saúde.”
CIO da Beneficência Portuguesa de São Paulo, a BP, Lilian Hoffmann também está atenta ao fenômeno. Segundo a executiva, a busca por uma melhor experiência de saúde é uma das características da ‘Geração Z’, que já começa a consumir produtos de saúde. “Além da experiência digital de acesso ser personalizada, a gente fala do uso de dados para personalizar o cuidado”, explicou.
A experiência de “acesso” é um dos quatro pilares da transformação digital da BP – saúde digital, automação e inovação são os outros. Esse pila inclui garantir a melhor experiência para o paciente através de toda sua jornada de saúde, seja dentro ou fora da BP.
“No passado, a gente criava uma realidade na qual o cliente não participava. Isso está indo embora”, relatou. “O cliente precisa receber seus dados em um padrão de mercado. Se amanhã ele resolver consumir seus dados em uma outra plataforma, isso precisa estar lá. Nós temos hoje uma primeira etapa – com operadoras – garantindo esse trânsito. A próxima etapa é pôr o cliente em razão de seus dados.”
Eficiência é chave
Os esforços em dados têm não apenas o objetivo de gerar melhor experiência para clientes, mas também de trazer eficiência para o setor. “Não só aqui, mas também nos Estados Unidos e em países europeus, o setor de saúde é altamente fragmentado. Os dados dos pacientes estão fragmentados entre diferentes hospitais, clínicas, laboratórios. A falta da coordenação desses dados faz com que haja um desperdício e redundância enormes no setor de saúde”, afirmou Dr. Rizzatti, do Fleury.
O problema sempre foi latente para o segmento da saúde, mas se agravou durante a pandemia. Com o aumento dos custos de insumos e o fluxo de pacientes clínicos em estado delicado, a gestão de recursos se tornou crítica. A BP é um dos exemplos de instituições que usaram a tecnologia para solucionar o desafio.
Lilian Hoffmann, CIO da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo (Imagem: Divulgação)
“Os processos de saúde, sejam eles clínicos ou administrativos, são muito repetitivos – todo hospital pede autorização, envia conta, tem obrigações frente à ANS (Agência Nacional de Saúde). Dentro dessa característica, a gente tem muito o que otimizar. Somos muito humano-dependentes, tanto no leito quanto na área administrativa”, explicou Lilian Hoffmann, CIO da BP.
Em parceria com a GE, fabricante de equipamentos de imagem para diagnósticos, a BP criou um programa para mitigar os casos de “no-show” em exames marcados no hospital de forma automatizada. “Durante a pandemia, isso se tornou um problema. Os pacientes marcavam exame e não vinham, eles se poupavam de se locomover”, explicou a CIO da BP.
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O programa foi apelidado de ‘smart scheduling’. Foram desenvolvidos algoritmos avançados que calculam qual a probabilidade de um paciente agendado faltar ao exame, levando em consideração características como faixa etária, local onde mora, tipo de exame, clima e temperatura. Caso os algoritmos apontem uma probabilidade alta de “no-show”, o hospital entrava em contato com o paciente.
“Esse projeto trouxe uma redução de no-show de 17% para 10%, isso fez com que a gente aumentasse a ocupação das máquinas de 74% para 81%”, contou Hoffmann. O plano foi aplicado nas máquinas de ressonância, PET scan e medicina nuclear, e será implantado para outros exames no futuro.
Novas fronteiras
Em paralelo às melhorias de processos e de experiência de clientes, empresas do setor de saúde no Brasil já avaliam e estudam inovações de tecnologia que devem revolucionar o setor no futuro. Um dos exemplos disso é o uso de inteligências artificiais generativas, tendência que ganhou força neste ano a partir do lançamento do ChatGPT, pela OpenAI.
O Sírio-Libanês já explora a tecnologia através de sua divisão de ciência de dados. “Quando um médico recebe um paciente novo, ele precisa fazer um estudo aprofundado dos exames, do prontuário, internações, cirurgias. Leva tempo até fechar a visão do paciente. A IA generativa ajuda nisso absurdamente, pegar esse histórico e fazer um resumo de forma consistente”, explicou o CIO do hospital. “A gente está fazendo pesquisas nesse sentido.”
Ailton Brandão, CIO do Hospital Sírio-Libanês (Imagem: Reprodução)
No Fleury, a pesquisa genética é uma das áreas de interesse. O grupo desenvolve atualmente um projeto em parceria com o Hospital Oswakldo Cruz para validação de um score de risco poligênico para a população brasileira, em uma pesquisa que envolve mais de 3 mil pessoas. “A gente vai aprender, do ponto de vista de ciência de dados e engenharia de dados, como lidar com essas situações”, explicou Rizzatti, que busca mitigar o risco de doenças como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC) com o projeto. “O que a gente quer é aprender a lidar com esses dados para extrair o melhor das possibilidades que a ciência nos traz.”
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A exploração de tecnologias inovadoras, no entanto, exige um cuidado extra. Lilian Hoffmann, da BP, apontou para a importância de que qualquer estudo do tipo seja acompanhado de pesquisa profunda e da avaliação de casos de uso que, de fato, impactem o negócio. Um exemplo dado pela executiva é no uso de assistentes virtuais para o monitoramento doméstico de pacientes pós-cirúrgicos.
“Não adianta chegar para a operadora e dizer: ‘me paga mais porque eu estou monitorando o paciente’”, brincou. “É preciso explicar que, com o monitoramento, há um índice menor de vinda ao PS, o paciente está se sentindo bem, o NPS é bom. Portanto, vai haver um ganho de sinistro lá na frente. Isso você só faz pesquisando.”
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