Mulheres que Inspiram com Alexandrine Brami: fortalecendo o empreendedorismo feminino

Sabemos que o empreendedorismo é um terreno desafiador para todos, mas para as mulheres, as barreiras parecem ser ainda mais altas

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10:00 am - 23 de janeiro de 2024

Na esteira das complexidades e promessas do mundo moderno, o cenário do empreendedorismo feminino no Brasil se desenha como um intrigante mosaico de desafios superados, conquistas inspiradoras e o constante desejo de transformação.  Enquanto a sociedade avança em direção à igualdade de gênero e à inclusão, as mulheres empreendedoras têm desempenhado um papel fundamental nessa narrativa, rompendo barreiras, abrindo caminhos e remodelando a face dos negócios.

O Mapeamento do Ecossistema de Startups de 2022, realizado pela Associação Brasileira de Startups (Abstartups) em parceria com a Deloitte  lança luz sobre a jornada das mulheres que optam por trilhar o caminho da autonomia e inovação. A pesquisa indica que apenas 20% das pessoas que fundaram startups em nosso país são do sexo feminino. Entre os setores, o destaque do período foi para as Edtechs, que representaram 14,5% das entrevistadas. Esses dados refletem a falta de apoio e oportunidades para mulheres no empreendedorismo. 

Considerando esse cenário, convidei Alexandrine Brami, que é francesa, CEO e co-fundadora do Lingopass, para uma conversa enriquecedora. Essa startup inovadora se dedica a oferecer soluções de ensino de idiomas para empresas globais por meio da tecnologia. Com foco no inglês, espanhol e francês, a empresa orienta gestores a nivelar, desenvolver e reter seus colaboradores, impulsionando a expansão internacional de negócios em diversas esferas.

Agora, convido você a explorar os detalhes dessa conversa inspiradora:

Antes de mais nada, por que as mulheres ainda representam a minoria entre os fundadores de startups?

Alexandrine: Uma das principais razões, talvez, seja a herança da educação e orientação profissional que as mulheres receberam desde a infância. As meninas tinham menos incentivo para explorar áreas como ciência, tecnologia, engenharia e matemática, o que acabou influenciando suas escolhas profissionais. Quando eu morava em Paris, tive um professor que duvidou que eu pudesse conseguir passar no concurso para a École Normale Supérieure. 

Complexo justamente por misturar ciências humanas com matemática em alto nível, mas eu passei e me tornei funcionária pública paga por uma espécie de MEC francês, recebendo salário, bolsas e benefícios para iniciar uma carreira como pesquisadora. Isso me permitiu viajar para diversos países como Rússia e Brasil, para acompanhar congressos e seminários internacionais.

Insisto neste ponto porque a insegurança financeira é um fator que limita o empreendedorismo feminino na área de tecnologia, principalmente em economias emergentes como a brasileira, onde há pouquíssimos subsídios públicos para startups e poucas mulheres com poder de decisão no ecossistema de venture capital.

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Digo isso porque ainda existem os vieses inconscientes de gênero no meio de investidores de capital de risco. Essas são redes populadas por homens em sua maioria e com poucos contatos com mulheres em cargos de liderança. Portanto, como podemos mostrar e defender todo o nosso potencial onde não estamos presentes com força?

Por essa razão, inclusive, depois de anos envolvida em apoiar o desenvolvimento de filiais brasileiras de redes de mulheres internacionais, de Girls in Tech até o Professional Women Network, ingressei em duas redes de investidores anjos. Onde pude aprender como funciona a relação startups-investidores e mostrar o meu valor como empreendedora-investidora. 

O fato de ser estrangeira, formada num contexto onde a igualdade de gênero ocupa a pauta da agenda pública e privada há décadas, certamente essa vivência me ajudou a ter mais confiança. Hoje busco incentivar outras mulheres a defenderem suas pautas. Acredito que empreendedoras que queiram levantar capital precisam começar a entender o outro lado que é aprender a investir. 

“Para derrubar um sistema, tem que conhecer muito bem a sua gênese e funcionamento. E para jogar – e ganhar – o jogo  é preciso explorar as falhas de suas próprias regras”, como dizia o meu professor de economia. 

Se formos somar agora os preconceitos de gênero, origem social, diploma, idade e cultura, só investidor com visão empreendedora a longo prazo que se arrisca a financiar uma startup fundada por uma mulher estrangeira, aos 45 anos, formada em Ciências Humanas e que passou 15 anos criando um produto em bootstrap no mercado de educação. 

Aqui estou me referindo a você, Marcello Gonçalves, que foi o primeiro a me responder pessoalmente e agendar um pitch quando avisei que estava iniciando o road show. Contatei 50 fundos na época, a maioria direcionando o primeiro contato para um profissional júnior que analisou os fundamentos do negócio à luz de um checklist básico predefinido. 

Agora, você sempre fala que no early stage, a diferença mesmo quem faz é o time de co-fundadores e a capacidade de liderança ambidestra do CEO, pois necessariamente o negócio vai evoluir rapidamente e até pivotar, ainda mais em uma era que a tecnologia está virando commodity.

Por fim, existe um terceiro fator que pode explicar a sub-representação das mulheres no círculo de fundadores de startups que é o networking, passo fundamental no universo em que estamos inseridos, e poucas mulheres – fora do eixo São Paulo e Rio -, têm acesso às redes influentes. Isso dificulta não só o crescimento do negócio como também a obtenção de oportunidades de financiamento. 

Como qualquer imigrante, me encontrei isolada quando desembarquei no país em 2002. Assim, entendi muito cedo a força que o famoso “quem indica” tem no Brasil. O que me ajudou, neste caso, é que amo o contato com as pessoas, em bater papo e trocar cartão em eventos onde não conheço ninguém. 

Talvez por satisfazer minha insaciável curiosidade, que virei socióloga e pesquisadora na França. Esse gosto natural por conhecer, compreender e compartilhar com o outro me ajudou a me inserir rapidamente em fóruns de negócios aqui no Brasil, como o núcleo de pesquisa sobre inovação em negócios na FGV-SP, comitê de jovens empreendedores na FIESP, Câmaras de Comércio, entre outros. 

Até que passei a criar minhas próprias redes de networking e fui do Alumni Art Experience, reunindo ex-alunos de 18 business schools internacionais, até o Wine and Education, reunindo ativistas e apoiadores da causa da educação. A comunidade Lingopass Alumni, no LinkedIn, por sua vez, já conta com mais de 6.000 membros e reúne ex-alunos que buscam oportunidades com gestores que estão à procura de talentos proficientes em dois ou três idiomas estrangeiros. 

Quais foram os maiores desafios – internos e externos – que você já enfrentou na sua jornada até aqui?

Alexandrine: Para não ficar no lugar comum dos desafios que todo estrangeiro e empreendedor enfrenta no Brasil, vou voltar ao passado. Afinal, ele explica muito as estratégias inconscientes de ação e superação que mobilizei e mobilizo ainda hoje. Isso porque enfrento um “dragão” por semana liderando uma startup early stage, inserida em um contexto pós-pandêmico marcado por inflação, mudanças regulatórias, transformação digital acelerada e maior cautela dos investidores.

Tudo começou quando meu pai chegou adolescente em Paris com a sua família, emigrando da Tunísia. Ele casou cedo com a minha mãe, ambos sem diplomas, trabalhavam à noite, tiveram duas filhas e se divorciaram pouco tempo depois. Após a separação, meu pai construiu uma nova família e teve mais 4 filhas, ainda trabalhando à noite, e minha mãe teve mais 2 filhos, e após sofrer muito assédio no trabalho, resolveu se mudar para o interior. 

O resultado disso? Aos 14 anos precisei morar sozinha em um bairro popular de Paris com uma irmã menor. Assumi a casa, a sombra de um núcleo pouco familiar e as decisões da minha vida. Raramente conto a história completa e aposto que essa nem mesmo você sabia. Pois não sou adepta da vitimização e, ao comparar com situações que vejo no Brasil, considero que tive muita sorte. 

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Não tenho dúvidas de que a escola me salvou, proporcionando estrutura, conexões e acesso a diplomas valiosos. E isso foi um verdadeiro passaportes para mudar a minha realidade. Resolvi abrir esse capítulo aqui, pois entendo que esses acontecimentos explicam muito a minha determinação, independência e força de trabalho. 

Em 2002, vim ao Brasil, mas a decisão de ficar só foi tomada em 2007. Tive que abandonar o que tinha construído na França como a minha carreira universitária dentro das Ciências Políticas e até as conexões com a Rússia – terreno do meu doutorado. Confesso que foi muito difícil e naquela época, como muitos outros empreendedores, iniciei o meu primeiro negócio literalmente por necessidade. A essa altura, a febre das startups ainda não havia estourado. 

Diante de tudo isso, pude tirar uma importante lição de humildade. Ser “normalienne” ou um acadêmico no meio empreendedor brasileiro não me proporcionou nenhuma vantagem. No entanto, como qualquer forma de capital cultural, eu tinha um grande recurso para aproveitar: a habilidade de aprender rapidamente.

Como uma pessoa que já desbravou o mundo, de que maneira você enxerga o Brasil? Conta um pouco da sua trajetória por aqui.

Alexandrine: O Brasil é um país com enorme potencial. Uma população jovem e altamente resiliente, um mercado consumidor gigantesco, profissionais criativos com sede de aprender, muitos recursos naturais e um espírito empreendedor nato com muito apetite por inovação. Por outro lado, observo o desperdício do maior ativo do Brasil: seus talentos. Muitos são deixados nas periferias dentro e fora das organizações, com poucas oportunidades de desenvolvimento e mobilidade dentro das empresas.

Aliás, essa foi uma das razões pelas quais entrei no mercado de educação corporativa através dos idiomas. Pois quando capacitamos uma mulher ou um jovem de comunidade em três línguas, incluindo o francês, destacamos imediatamente um currículo que passa a ter mais valor aos olhos dos recrutadores e gestores. A pesquisa publicada recentemente pela consultoria Robert Half aponta o quanto o domínio do inglês e de outras línguas aumentam a atratividade e o valor dos profissionais, medido pelo salário de entrada.

A área de educação corporativa e o timing foram perfeitos. Aqui as empresas, para operar, acabam tendo que formar, capacitar, treinar, pois os talentos chegam sem qualificações, despreparados para o mercado de trabalho. Observo isso há vinte anos, e as mudanças recentes no mundo do trabalho só reforçam essa tendência. Hoje, os gestores precisam identificar quem possui determinação, resiliência, criatividade e potencial para aprender muito rapidamente. 

É exatamente isso que entregamos com o Lingopass, vamos além de soluções de gestão e controle de programas de idiomas, porque cruzamos dados de perfil dos usuários com suas interações na plataforma e em sala de aula, com isso conseguimos detectar os perfis com maior potencial de aprendizagem dentro das organizações. Nosso trabalho ainda inclui selecionar entre os desempregados, em início ou transição de carreira oriundos de grupos minoritários, que integram o nosso programa de bolsas Empowering Talents.

Aqueles que se destacam com maior afinidade com a cultura e necessidades das empresas, realizando um matchmaking que independe de currículos e entrevistas propícias à autossabotagem. Portanto, minha atuação no setor de educação no Brasil não é por acaso. É uma questão de missão de vida que envolve muito mais do que construir um negócio lucrativo e sustentável. Estou contribuindo para transformar a realidade em nossa amada pátria, capacitando talentos invisíveis dentro e fora das organizações e impulsionando sua empregabilidade e mobilidade interna. 

Falo de propósito porque hoje eu faço o que sempre quis fazer na minha vida: impactar a vida das pessoas com a arma mais poderosa do mundo, a educação. Escolhi o meio de startups para tangibilizar isso porque a tecnologia reduz o esforço e amplia o alcance, sem limite de fronteiras. Além disso, é o espaço que se tem visibilidade atualmente. Investindo no Lingopass, a Domo nos proporcionou acesso a investimento, expertise, redes de contatos, selo de credibilidade e brilho. Isso é sensacional! 

O mercado precisa de investidores como vocês, que apostam em empreendedores de impacto, e abrem portas de acesso ao mercado, com organizações privadas e públicas valorizando e contratando soluções de empresas brasileiras desenhadas para resolver as dores específicas, reais e estruturais enfrentadas pelo país há décadas.

Por último, quais são suas referências femininas e por que elas são exemplos a serem seguidos?

Alexandrine: As minhas referências femininas são diversificadas e inspiradoras, abrangendo diferentes épocas e esferas da vida. Admiro muito personagens históricos como Jeanne d’Arc, Diane de Poitiers e Isabel I da Inglaterra. Estas mulheres da Idade Média e do Renascimento desempenharam papéis cruciais na construção de Estados e se destacaram em um mundo dominado por homens. Elas demonstraram força, liderança e influência, mudando o curso da história.

Aprecio também figuras do século XX como Hannah Arendt, Simone de Beauvoir e Virginia Woolf. Estas filósofas e escritoras não só mostraram inteligência e coragem, mas também defenderam com paixão suas ideias, influenciando gerações de mulheres. Suas obras e pensamentos continuam a ser um modelo de engajamento e de busca por igualdade.

No entanto, não são apenas as figuras públicas que me inspiram. No meu dia a dia, encontro inspiração nas mulheres ao meu redor – minhas colaboradoras, a começar pela minha sócia, Suzana Lordelo, minhas parceiras de logística dentro de casa, as professoras e educadoras na escola onde estudam as minhas filhas. Elas são o suporte invisível, mas fundamental, que me permite seguir em frente com minhas responsabilidades profissionais e pessoais. São verdadeiras parceiras de negócio, cuja ação e apoio são indispensáveis.

E, acima de tudo, meu marido que não é uma mulher, mas é a pessoa que mais admiro. Ele tem uma sensibilidade, empatia, intuição e inteligência emocional – o que alguns associariam à energia feminina – que complementam as minhas próprias qualidades. Ele tem sido meu parceiro em cada momento, um mentor, farol e pilar de estabilidade. Sem ele, eu não seria a empreendedora que sou hoje. Nos conhecemos há 12 anos, em um evento de networking de Alumni que organizei, provando que um diploma pode levar até ao encontro do amor. 

Agora que você nos deu voz, além de luz, como mulheres, ainda temos muito para compartilhar. Mas deixo para as próximas edições, agradecendo repetidamente e eternamente pela confiança e parceria! 

Desafios, reflexões e progresso

É incrível como mergulhar nas histórias e experiências de pessoas como a Alexandrine nos revela facetas do empreendedorismo feminino e dos desafios que ainda persistem em nosso ecossistema. Essas narrativas não apenas inspiram, mas também nos estimulam a olhar de perto para as barreiras que as mulheres enfrentam e a importância de criar ambientes onde a diversidade possa prosperar.

Convido todos a refletirem sobre o que absorveram desta conversa. Como podemos abrir caminhos e oportunidades? E como as histórias de mulheres como Alexandrine podem nos inspirar a avançar? Se você tem algo para contar ou perspectivas a adicionar, fique à vontade para se manifestar. Afinal, o diálogo é a semente do progresso.

Na próxima edição, continuaremos explorando as vozes que moldam nosso mundo, desafiando-nos a pensar, a aprender e a agir. Até lá, lembre-se de que nossas histórias individuais, quando compartilhadas, podem se tornar uma força coletiva de transformação.

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