Pinóquio digital

Inteligência Artificial suscita questões éticas

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5:04 pm - 27 de junho de 2022
pinóquio, boneco, fantoche, celular, smartphone Imagem: Shutterstock

O escritor Carlo Collodi publicou em Florença no ano de 1883 “As aventuras de Pinóquio”. A história, todos conhecemos. Gepeto, um artesão habilidoso, mas muito solitário, montou um boneco de madeira para ser seu companheiro. Adorava o boneco, mas esse, obviamente, não interagia com ele. Uma bondosa fada, com pena do velhinho, deu a capacidade de falar e se mover ao boneco. Tudo era maravilhoso até o boneco desejar virar um menino de verdade. E daí surgiram as aventuras que encantam gerações há mais de um século.

Agora observem que, de novo, a vida imita a arte, como veremos a seguir.

Blake Lemoine, engenheiro especialista em inteligência artificial da Google, foi afastado pela empresa por declarar que o chatbot da empresa, chamado LaMDA, ganhou vida e quer ser considerado um funcionário, e não um produto da empresa!

Em artigo publicado no site Medium, no dia 11 de junho, o engenheiro explicou que começou a interagir com a LaMDA para saber se existia algum discurso de ódio, como racismo, dentro dessa aplicação de IA. As respostas levaram Blake a constatar, espantado, que a máquina manteve discurso típico de uma pessoa. Ficou mais impressionado ainda quando ouviu demandas desse software sobre a falta de reconhecimento da empresa sobre suas realizações.

A resposta da Google através de Brian Gabriel, porta-voz da empresa, em comunicado foi: “Nossa equipe — que inclui especialistas em ética e tecnologia — revisou as preocupações de Blake de acordo com nossos Princípios de IA e o informou de que as evidências não respaldam suas alegações”. O engenheiro foi afastado temporariamente.

A Inteligência artificial vem trazendo inúmeros benefícios à humanidade. A plataforma Watson de IA da IBM disponibiliza uma gama de conhecimento imenso e sempre crescente sobre temas de saúde, como o tratamento do câncer. As vacinas contra o COVID-19 e os seus protocolos sanitários foram desenvolvidos em tempo recorde devido ao valioso auxílio de aplicações de IA que compilaram dezenas de milhares de artigos de todo o mundo sobre as pesquisas sobre o vírus. Mas sua utilização cada vez maior em muitas áreas do conhecimento humano traz discussões bastante complexas, como o caso do nosso bravo LaMDA.

Os temas éticos e morais sobre o uso da Inteligência artificial não são novos. Desde os primórdios do desenvolvimento dos algoritmos de IA para os carros autônomos essas questões são analisadas. Num caso hipotético do software do automóvel detectar uma colisão iminente, com possibilidade de risco à vida dos ocupantes do veículo autônomo, não existindo a possibilidade de frenagem a tempo, mas sendo possível o desvio para a calçada onde podem estar pedestres, mas com possibilidade de choque mais remoto, o que deve o software de IA fazer? Ele vai decidir quem se fere, ou morre, e quem vive. São temas que deverão ser endereçados por legislações e podem diferir de país para país e até de cidade para cidade.

Entre o surgimento da vida no nosso planeta Terra e o aparecimento da nossa espécie, o homo sapiens, passaram-se quatro bilhões de anos. Apressadinho o LaMDA, que quer o mesmo feito em menos de 10 anos!

No livro do Collodi, magistralmente divulgado no homônimo filme de Walt Disney em 1940, o nosso querido Pinóquio, ao final da história, vira realmente um menino, de novo com a ajuda da Fada Bondosa.  Veremos se a ciência conseguirá fazer pelo nosso LaMDA o que a mágica fez com Pinóquio.

* Sergio Basilio é diretor de soluções e inovação da TD Synnex Brasil

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