Pandemia digital: a próxima boiada

A digitalização crescente imposta pela pandemia se espalha para o mundo do crime. Que podemos fazer?

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4:42 pm - 10 de fevereiro de 2021
Boiada

Uma pandemia ‘real’ como pano de fundo

Já faz um ano que o termo ‘pandemia’ entrou em nossas vidas, acompanhado da crise sanitária provocada pela propagação do coronavírus. Como toda tragédia, ganhou as manchetes da imprensa rapidamente – o que certamente não é novidade: já na época dos primeiros jornais impressos em larga escala, no final do século XIX, existia a tendência de dar destaque a notícias ruins.

Durante as curtas vidas dos seres humanos que hoje habitam nosso planeta, entretanto, esta pandemia nos trouxe desafios inéditos. Assim, como as grandes guerras mundiais, as consequencias dela se farão sentir por muitos anos – não apenas na economia, mas na saúde de quem não foi atendido durante a guerra, na falta de conhecimento de quem perdeu aulas cruciais para sua formação (em todos os níveis e tipos de educação) e até na conformação das famílias do futuro, prejudicadas não apenas pelo grande número de mortes provocadas pela pandemia, mas também pela diminuição da natalidade durante a pandemia – que já começou a ser diagnosticada pelos dados de registro civil – e por mais um aumento dos casos de transtornos de comportamento e outros tipos que requerem intervenção psiquiátrica.

Digitalização crescente de todas as atividades

Desafortunadamente, diante de um cenário tão desafiador, é muito fácil ‘passar uma boiada’ sem que percebamos; aliás, possivelmente serão várias. Quero tratar especificamente da aceleração dos processos de digitalização, usado pelas empresas legalmente constituídas para encontrar uma saída para se manterem em atividade neste período.

Essa mesma estratégia de digitalização também está sendo aplicada por criminosos, que também encontram dificuldades crescentes para operar no mundo ‘real’. Afinal, é muito mais difícil aplicar um sequestro relâmpago de quem está trabalhando em home-office do que saindo de um almoço de negócios! Roubar celulares recém lançados de incautos no metrô lotado também não é mais possível: afinal esses compradores de celulares caros também possuem automóveis próprios e não utilizam o transporte público lotado durante a pandemia.

Os chamados crimes digitais, ou cibernéticos, como são chamados pelas autoridades que supostamente deveriam combatê-las, já vinham crescendo rapidamente antes da pandemia. Ao término do primeiro semestre de 2020, conforme a consultoria consultada já tínhamos estimativas de entre três e vinte milhões de brasileiros que tiveram suas contas de WhatsApp clonadas, o que é apenas um dentre uma diversidade de crimes digitais.

Esperava-se que com a divulgação nos meios de comunicação sobre as técnicas de ‘engenharia social’ usadas pelos criminosos – versão ‘digital’ do antigo papo de malandro – as novas ocorrências desse tipo fossem diminuir. A realidade insiste em nos desafiar: mesmo com a disponibilização de cursos gratuitos por algumas polícias civis para o público em geral, a frequênciaBoiada de crimes praticados pela malandragem pela via digital só cresce.

A matéria-prima do crime digital

Finalmente, soubemos há algumas semanas, pela imprensa, de um gigantesco vazamento de dados, tanto pessoais quanto empresariais. Ou seja, temos agora a certeza de que o crime organizado conseguiu colocar as mãos em informações tão detalhadas sobre cada cidadão e cada empresa, que possivelmente tenham mais informações sobre a gente do que a gente mesmo.

Ainda, é altamente provável que as informações disponibilizadas para a imprensa sejam apenas uma ‘isca’ ou ‘aviso’. Também é provável que esse tipo de vazamento não se limite no tempo a uma única ocorrência: o aparato tecnológico necessário para obter esses dados todos é muito caro para ser usado uma única vez (e bem sabemos que usos subsequentes tem custo muito menor).

E agora?

Assim, cada gestor de processos dentro das empresas que operam sistemas de informação, precisam agora repensar os seus processos para diminuir o risco de aceitar identidades falsas ou assumir riscos que antes não existiam.

Infelizmente ninguém planejou esse custo adicional. Também é verdade que a gestão de identidades é parte da responsabilidade do poder público, que possui o monopólio sobre a emissão de documentos de identidade.

Alguns gestores estão optando pela estratégia do avestruz: fazer de conta que nada aconteceu para ver como que fica a situação.

E por parte das organizações públicas que atuam nessa área, também não vemos a movimentação necessária. Nem a incipiente Autoridade Nacional de Proteção de Dados, nem as delegacias de crimes cibernéticos das polícias, nem mesmo a defesa cibernética a cargo das Forças Armadas parecem estar preparadas para combater a criminalidade digitalizada.

Olha a porteira aberta!

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