Sonegação de impostos e desvio de recursos mostram urgência da modernização do sistema tributário

“Se você pensa que estar em Compliance é caro, experimente não estar em Compliance.” A fala, em tradução livre, de Paul McNulty, advogado norte-americano que foi Procurador dos Estados Unidos no Governo de George W. Bush e atualmente é presidente do Grove City College, vem muito a calhar para os tempos atuais.

Fato é que hoje, já é possível notar uma gradativa mudança de mentalidade nas organizações quando o assunto é a aplicação de políticas de compliance, tributário e de governança corporativa.

Certamente, uma das razões que impulsionaram esse movimento, no Brasil, de busca por rotinas mais claras e éticas quanto ao uso de recursos empresariais, pagamento de impostos e operações contábeis, se deve, ao menos em parte, tanto ao processo de sofisticação da Receita Federal (que conta com instrumentos cada vez mais eficientes de autuação e combate a sonegação de impostos), quanto aos casos de corrupção envolvendo instituições privadas e poder público que, no decurso dos últimos anos, foram desvelados por operações como a Lava Jato, trazendo impactos profundos do ponto de vista institucional, financeiro e mercadológico, para grandes companhias de diversos setores econômicos do país.

A necessidade de cumprimento de normas internas e leis conseguiu promover o impeachment de um presidente brasileiro (que não cumpriu com normas de política fiscal) e colocou um ex-presidente na cadeia. Isso não é pouca coisa.

O que não quer dizer, obviamente, que as ações ilícitas simplesmente deixaram de ocorrer em nosso país e no mundo. Há menos de um mês, por exemplo, o caso do executivo franco-brasileiro Carlos Ghosn, então presidente do conselho da Nissan, multinacional japonesa do mercado automobilístico, veio à tona no mercado, quando o empresário foi preso em Tóquio, acusado de sonegar o equivalente a 5 bilhões de ienes para o mercado de capitais do Japão.

Pronunciamentos de altos executivos da Nissan que indicavam excesso de poder nas mãos de Carlos Ghosn, bem como, investigações internas da companhia automobilística que apontam para o uso de recursos empresariais para a compra de bens pessoais de Ghosn, são indícios claros de falhas quanto aos princípios básicos da Governança Corporativa que, segundo o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), incluem a Transparência, Equidade, Accountability (Prestação de Contas) e Responsabilidade Corporativa.

Ainda sobre o caso da Nissan, merece destaque o trecho do IBGC sobre a Prestação de Contas:

Os agentes de governança devem prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito dos seus papeis.

Parece óbvio, mas é importante reforçar os impactos de ações como a sonegação de impostos e o desvio de recursos empresariais, os quais, vão muito além dos danos para a imagem institucional de uma organização. No caso da Nissan, por exemplo, a acusação de sonegação fiscal não recairá apenas sobre Ghosn, mas também sobre a própria Nissan, e deve ser anunciada no dia 10 deste mês pela promotoria de Tóquio, que acredita na responsabilidade compartilhada da Nissan nas ações de fraude fiscal.

Em alguns casos, quando é comprovada que a atitude ilícita parte, tão somente, de um funcionário, a ação pode gerar desde pedidos de indenização a favor da empresa lesada, até o bloqueio de bens pessoais do funcionário e prisão.

Em caso de 2007 julgado pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por exemplo, um assistente administrativo foi condenado a indenizar, a título de danos materiais, a empresa onde trabalhava, por desvios de dinheiro da companhia e o uso de recursos empresariais para pagamento de despesas pessoais.

Em outro caso, agora de 2013, ocorrido no Paraná, um funcionário teve o bloqueio de bens pessoais, conta corrente e apreensão de imóveis e veículos, após a descoberta do desvio de R$ 7 milhões, realizado ao longo de dez anos de atuação do funcionário na empresa. O furo foi descoberto após balanço e, segundo investigações internas, foi possível devido a falhas no sistema contábil da empresa.

Tais falhas e inconsistências nos processos de governança de uma empresa podem, como vimos, levar anos para serem descobertos e, ao longo de todo um período, gerar impactos nem sempre identificáveis que, por si só, exigem altos investimentos para reparação. Em outras palavras: exemplos concretos dão razão a fala de McNulty que cito no início deste artigo.

Por outro lado, empresas com processos bem estruturados de compliance e governança corporativa tem muito a ganhar. Em levantamento recente da Deloitte, 84% das empresas entrevistadas apontam o aumento na qualidade das informações como uma das principais razões para a estruturação de uma área de governança. Por sua vez, 71% das organizações também citaram uma maior profissionalização dos processos de gestão.

Para além desses ganhos, questões que envolvem desde o aumento do valor de mercado das organizações, a preservação e valorização da imagem institucional, até a própria atração de novos investidores, são pontos que devem ser considerados e que justificam os programas de governança e compliance não como um dispêndio de recursos financeiros, mas como um investimento tão importante quanto aqueles realizados nos processos de inovação ou formação de equipes qualificadas, por exemplo.

A boa notícia é que, de fato, o nível de maturidade do Compliance no Brasil está evoluindo. Segundo pesquisa da KPMG de 2017, apenas 9% das companhias consultadas informou não contar com um departamento de Compliance em sua estrutura (o número era de 19% em 2015). Além disso, 71% dos entrevistados já reconhecem seus programas de ética e compliance como eficientes (número que era de 57% em 2015).

Todavia, é importante lembrar que não basta as empresas se movimentarem em prol da estruturação de ações visando maior transparência, ética e segurança em seus processos internos. Uma reforma fiscal, que simplifique o ambiente tributário brasileiro, será muito bem-vinda também quando pensamos na redução da sonegação do pagamento de tributos e diminuição da impunidade nas empresas.

Recentemente, notícias na mídia com uma série de especialistas reforçou uma questão que, para nós, consultores tributários, é evidente: a complexidade tributária brasileira, a dificuldade para acompanhar as mudanças na legislação e o alto custo envolvido no processo de adequação ao ambiente fiscal brasileiro certamente favorecem a sonegação de impostos e tributos.

Sabe-se que, aliada a essa alta complexidade tributária, temos uma Receita Federal que sofisticou seus processos de fiscalização e autuação ao longo dos últimos anos. Não à toa, em 2017, o Fisco arrecadou, por meio de autuações, um total de R$ 204,99 bilhões – recorde do órgão desde 1968.

O que se espera, pois, é uma modernização do sistema tributário brasileiro que faça jus a modernização de seus mecanismos de autuação. Esse movimento será fundamental, sobretudo, para minimizar autuações indevidas, que, somente em 2010, corresponderam a 20,49% dos valores julgados envolvendo questionamentos sobre autuações da Receita Federal.

Somente aliando esses três pilares (eficiência fiscalizatória, modernização do sistema tributário e processos de governança advindos do meio privado) é que teremos, por fim, um ambiente fiscal realmente justo e que puna, quem, de fato, merece ser punido.

*Ana Campos é especialista em Aquisições e Reestruturações e sócia-fundadora da empresa Grounds

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