Separada da IBM, Kyndryl quer ser ‘maior integrador’ do Brasil

Frank Koja, diretor geral da empresa no país, diz que papel da empresa é costurar múltiplas tecnologias em soluções – inclusive de ex-concorrentes

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11:09 pm - 10 de novembro de 2021
Frank Koja, Kyndryl Frank Koja, diretor geral da Kyndryl no Brasil. Foto: Divulgação

Anunciada no fim de 2020 como uma spin-off dos serviços de infraestrutura gerenciada da IBM, a Kyndryl quer se posicionar como “o maior integrador desse país”, o que significa “habilitar as melhores tecnologias que o cliente precisa”. Isso inclui produtos e tecnologias de diferentes players, inclusive aqueles que até ontem eram grandes concorrentes da própria IBM.

É o que explica, em entrevista ao IT Forum, o diretor geral da empresa no Brasil, Frank Koja. “Nossa relação com o ecossistema tem que ser diferente. Eu não posso discutir com o fornecedor do mesmo jeito. Tenho que pensar outras tecnologias que vão estar juntas fazendo uma solução”, diz o executivo, que ocupou cargos de gestão na IBM por 22 anos.

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Desde 4 de novembro a Kyndryl opera de forma totalmente autônoma – suas ações passaram a ser negociadas na bolsa de valores de Nova Iorque de forma regular e sob rótulo próprio. E a empresa começa imensa: US$ 19 bilhões em valor de mercado e força de trabalho de 90 mil profissionais em 60 países.

Na entrevista abaixo, Koja explica as razões para o movimento promovido pela centenária empresa de tecnologia – e os desafios de separar uma operação global (e nacional) tão grande. Confira os melhores momentos:

 

IT Forum: Afinal, por que a IBM decidiu separar sua divisão de serviços e criar a Kyndryl?

Frank Koja: Na década de 90 a IBM passava por algumas dificuldades. E o presidente tomou a decisão de colocar a área de serviços como uma habilitação, uma intersecção, entre as áreas de produto. Para proporcionar ao cliente o que na época era uma solução de ponta a ponta. Agora pula para cá [2021]. A área de serviços cresceu muito. Qual o core da IBM? É uma empresa de tecnologia. O que ela proporciona? Cloud, software, o Watson. Ela vem criando muita tecnologia. E ao mesmo tempo tinha uma área gigante de serviços. A forma de gerenciar, os números, até [a forma de calcular] o Ebtida é totalmente diferente. Daí surge essa separação, que na minha visão foi muito inteligente paras as duas empresas. Para que o core da IBM seja tecnologia. E a Kyndryl em que o core é serviços, gerenciamento. Agora somos grandes parceiros. E a Kyndryl, na minha percepção, é uma empresa que não tem produto: temos pessoas. Nosso maior asset são as pessoas. É o conhecimento das pessoas. E aí um ponto importante: nosso propósito é habilitar as melhores tecnologias do mercado, inclusive da IBM.

 

IT Forum: Isso significa que a Kyndryl vai trabalhar com outros fabricantes de tecnologia, inclusive aqueles que até ontem era concorrentes da IBM?

Koja: A Kyndryl é uma empresa agnóstica sim. E tem como maior propósito ser o maior integrador desse país. E ser integrador é habilitar as melhores tecnologias que o cliente precisa. Aí a gente precisa tentar reinventar os ciclos. Qualquer empresa de produtos, SAP, Oracle, IBM, usa o ecossistema para alavancar o próprio negócio. A Kyndryl é o oposto. Queremos habilitar nosso ecossistema. E eu preciso ter gente certificada, skills, capacidades, para meu cliente me enxergar como habilitador de toda e qualquer tecnologia que ele necessite. Nosso maior proposito é ser a empresa mais humana desse país. Estamos construindo uma empresa que seja a melhor para gente trabalhar. E habilitar nosso time para que o cliente entenda que somos advisors do que for melhor, independente da tecnologia.

 

IT Forum: Mas como fica a relação da Kyndryl com a IBM? É um parceiro preferencial para o desenvolvimento de soluções?

Koja: Estamos nos posicionando no mercado para ter parcerias de construção. A Kyndryl nasceu diferente. Nós nascemos na pandemia e somos uma empresa 100% digital. A gente pensa digital. Nossa mentalidade é digital. Nascemos colaborativos, o que é a espinha dorsal da agilidade. Qual o grande ponto, para responder tua pergunta: quando a gente se posiciona assim para ser colaborativo, digital, estamos 100% voltados ao cliente. Quando digo isso quero dizer que todas as missões dessa empresa pensam no cliente. Se estamos discutindo um projeto, todos os times ter que estar juntos. Eu brinco e é um fato: uma empresa tem duas opções na vida: abrir um ticket ou resolver o problema do ciente. Quando você conhece o cliente não mede esforços para facilitar a vida dela. Se pensa no ticket aberto é só pedido que precisa ser fechado. Habilito toda infraestrutura para que o cliente cuide do negócio dele. Em uma Black Friday da vida, por exemplo. Sonhamos que o cliente se preocupe só com o quanto ele tem que vender. Onde isso está rodando é problema meu. Nossa relação com o ecossistema tem que ser diferente. Eu não posso discutir com o fornecedor do mesmo jeito. Tenho que pensar outras tecnologias que vão estar juntas fazendo uma solução. Essa colaboração vai existir com a IBM sim e outras empresas para habilitar tecnologia para que os clientes trabalhem sem saber que tecnologia existe.

 

IT Forum: A IBM tem um programa de canais tradicional, do qual fazem parte inclusive muitos integradores, até multinacionais. De alguma forma o lançamento da Kyndryl afetou a relação da IBM com os parceiros, considerando que vocês se tornaram um grande concorrente deles? Houve reclamação?

Koja: Eu tinha 22 anos de IBM [antes da Kyndryl], três anos [em áreas] de serviços. A IBM tem um programa de canais muito robusto e sério. E essas áreas que, tirando serviços, tem um contato com o ecossistema muito forte. Ela habilita muitas empresas. Sempre foi assim. Eu só não sou mais uma unidade de negócios [da IBM], eu sou a Kyndryl. Entre empresas que são competidoras já existia essa política. Ela [a IBM] sempre soube tratar as bordas sem ferir o programa de canais e alianças. E continua igual. Agora eu [enquanto Kyndryl] sou uma aliança mesmo, não sou mais interno, sou externo. A IBM trata isso com muita seriedade, e para nós é bom falar desse jeito. Porque saímos e estamos tranquilos. Sabemos exatamente como a IBM tratava essa situação. Há zero estresse na relação, seja a nossa com a IBM ou com outras empresas que fazem parte do ecossistema.

 

IT Forum: E como o lançamento da Kyndryl tem sido recebido pelo ecossistema, particularmente as empresas que eram concorrentes da IBM?

Koja: A todo momento nossa relação com os clientes, que eram a maior preocupação, e depois com o ecossistema, foi muito boa. Todo mundo entendeu o propósito [do spin-off]. Foi muito mais simples do que imaginei porque todo mundo entendeu os motivadores. Para responder com uma frase simples, era importante ter uma Kyndryl no mercado. Mais um integrador, especializado em serviços, que tem envergadura. Para o mercado foi muito bom. E para o cliente também. Assim como a IBM tinha relações com o ecossistema, nós que éramos de serviços já tínhamos algumas relações com o mercado. Vários clientes nossos já tinham integrações multivendors. Foi uma coisa natural.

 

IT Forum: E que itens ou partes do portfólio da IBM foram para Kyndryl? A migração foi de 100%? Ou uma vez separado o portfólio cresceu?

Koja: A IBM tinha a GBS [Global Services], que tem sistemas, consultoria etc. E a área de GTS [Global Technology Services], que tinha duas áreas dentro. A TSS [Technology Support Services] e a IS. TSS faz manutenção, field suport, para IBM e não-IBM. Isso continua com a IBM. O que veio [para a Kyndryl] é o outsourcing, serviços gerenciados, consultoria de infraestrutura. Já éramos bem abrangentes, já tínhamos uma unidade de negócio com habilidades para fazer gestão multicloud. Aumentou? Acho que sim. Mas por causa da ênfase em ser agnóstico, não na essência do portfólio. Estamos divididos em duas áreas, uma de projetos, mais consultoria, e outra de gerenciamento puro mesmo. A vantagem é que agora falo de todas as clouds, todas as redes, habilitar qualquer tipo de rede. Tudo é rede no fim do dia. Estamos mais abrangentes. Estamos nos desenvolvendo para ter um time mais habilitado em mais tecnologias.

 

IT Forum: A separação já está completa, certo?

Koja: Em 1º de outubro tivemos o que a gente chamou de soft spin-off. Nossa operação foi separada, passamos a operar globalmente como Kyndryl. Mas ainda dentro do grupo econômico IBM. Ou seja, um período de teste. Já tudo separado, tínhamos e-mails, ambiente, tudo segregado. Nosso balanço separado. Trabalhamos um mês e certificamos que estava tudo bem. E aí vem o hard spin-off, quando fomos para a bolsa [de Nova Iorque]. Em 4 de novembro não estamos mais na ação da IBM, passamos a operar na bolsa [de forma] totalmente independente. Hoje a relação é de grande parceiro e enorme gratidão pela gestação da Kyndryl.

 

IT Forum: E como foi a migração de clientes da IBM? Todos vieram para Kyndryl?

Koja: Fizemos [a migração dos clientes] por um processo chamado novation [termo do inglês que designa a passagem de contratos de uma empresa para a outra]. As características dos clientes [migrados] foram feitos por aderência. Alguns eram 100% Kyndryl, olhando por escopo. Alguns estavam com serviços que ficaram metade na IBM e metade na Kyndryl, e esses a gente não separou. Foi um processo muito bem-feito com cada um.

 

IT Forum: Como você define “bem-feito”?

Koja: Ter uma tratativa mostrando as operações e responsabilidades. Para um cliente híbrido [dividido entre IBM e Kyndryl], quais as responsabilidades a partir daquele dia [do spin-off] e como documentamos isso? Ele continua com duas empresas respaldando legalmente em tudo. Foi uma combinação muito importante. No Brasil foi um sucesso. A gente antecipou bastante. Quando teve o soft spin-off, para não dizer 100%, 99,8% de tudo estava resolvido. Não houve impacto nenhum. Nem para nós nem para a IBM.

 

IT Forum: E qual o tamanho da operação no Brasil?

Koja: Nós não individualizamos números por mercado, mas nascemos grandes. Quando falamos em expansão, temos a ambição de conquistar novos clientes. Hoje a gente tem uma característica muito multidisciplinar. Temos clientes de diversas indústrias, o que nos proporciona um crescimento forte por vertical. O nosso ponto não é conhecer a indústria pelo que faz, mas como ela opera. Não me importa muito a arrumação da sala agora, eu tenho que conhecer a cozinha e a lavanderia.

 

IT Forum: E quais verticais de mercado são alvo prioritário para Kyndryl hoje e no futuro? E também considerando as novas tecnologias, como o 5G, por exemplo, que o Brasil acabou de licitar.

Koja: Primeiro acho que queremos habilitar o cliente nesse mercado que vem mudando violentamente. Se a fizermos a analogia do pré e do pós-pandemia: houve uma mudança muito grande do comportamento humano. O cliente dita as regras do mercado, ao contrário do que era no passado. Você quer o que você precisa e o produto precisa atender. O primeiro proposito é habilitar o cliente para pôr em prática todos os projetos estratégicos olhando o mercado atual. Esse é o ponto base. Quando a gente olha para multi-indústria, usamos como fortaleza nosso conhecimento de operações. Eu falei de varejo, mas em 20% [das empresas que fazem a] da produção de aço [no Brasil] nós gerenciamos a tecnologia. Esse skill estamos trazendo para muito para dentro de casa. Esse conhecimento é o que temos de maior. Queremos expandir e mostrar para novos clientes esse conhecimento de operação que temos. Indo para o lado estratégico, você mencionou o 5G, que é uma realidade. Que papel a Kyndryl tem que ter? Ser um grande integrador. E aí estamos falando de muitas tecnologias, e temos que as habilitar para que possam funcionar. Quando a gente olha o 5G e outras tecnologias que vão demandar mais integração e sofisticação tecnológica. Por exemplo edge computing, que vem para habilitar muito mais computação operacional nas pontas. Eu acho que o papel da Kyndryl, assim de como outros integradores, é ter muitas skills em tecnologia, porque vamos ter que costurá-las para que estejam habilitadas para funcionar. Por isso fizemos 1.750 certificações em 2021 de tecnologias externas, que não são IBM. Fora as IBM. Para estar com o time pronto para fazer essas integrações no momento em que o mercado precisar.

 

IT Forum: Para encerrar, quais são suas expectativas de negócio para o primeiro ano de Kyndryl no Brasil, principalmente agora que parecemos caminhar para o fim da pandemia?

Koja: Trabalhamos para a Kyndryl ser uma empresa o mais humana possível. Acredito muito que engajamento humano é a essência dos negócios. Queremos ser reconhecidos como empresa que habilita tecnologia para o mercado. Parece um jargão, mas é bastante complexo. Ter skills para habilitar tec no mundo de hoje não é simples. E trabalhamos para que o profissional da Kyndryl olhe para as plataformas e tenha capacidade de identificar pontos de melhoria pelo conhecimento, não só pela investigação. E aí entra a agilidade. Uma empresa que consegue se valer do conhecimento para realmente fazer aquilo ser melhor. Parece semântica filosófica, mas não é. É proposito de ser habilitador de tecnologia.

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