Participação de mulheres na TI avança, mas liderança feminina ainda é gargalo

Além do recrutamento de mulheres para TI, empresas precisam de ambientes seguros para garantir formação de novas lideranças femininas

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10:51 am - 08 de março de 2022
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Ainda que os últimos anos tenham sido de intenso debate sobre a disparidade de gênero dentro do mercado de TI, a participação de mulheres no setor está longe de um patamar de equidade. No Brasil, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) dão conta que apenas 20% dos profissionais de TI são mulheres.

Ações afirmativas para promover mudanças nesse cenário têm gerado uma evolução nos últimos anos. De acordo com um levantamento realizado pela empresa de recrutamento Catho entre janeiro e fevereiro deste ano, a participação de mulheres em cargos de tecnologia cresceu 2,1% quando comparado ao mesmo período do ano passado, por exemplo.

No início de 2021, a presença feminina em cargos de tecnologia representava 21,5% do setor, e a masculina, 78,5%. Nos dois primeiros meses de 2022, os números já mostraram um avanço: as mulheres têm ocupado 23,6% dos postos nesse setor, e os homens 76,4%.

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“Ainda que tímida, essa evolução é um passo importante para a inclusão feminina nesse universo. O levantamento revela que as profissionais estão conquistando cada vez mais espaço nesse setor e que isso tende a aumentar cada vez mais, com as ações e programas para apoiar esse movimento, assim como fazemos na Catho”, pontuou Patrícia Suzuki, diretora de Recursos Humanos da Catho.

Consultoria global de RH, a Robert Half também tem registrado um aumento na participação de mulheres nos processos seletivos de TI em que está envolvida. Seus dados mais recentes com análise de gênero são relativos aos anos de 2019 e 2020. No período, a consultoria registrou um um aumento de 20% nas contratações de mulheres na área de TI.

Em 2019, de todas as vagas de TI trabalhadas na Robert Half, 18% contavam com a participação de mulheres. Já em 2020, essa participação ultrapassou 25%. Em entrevista ao IT Forum, Mariana Horno, gerente sênior da Robert Half, classificou os indicadores como positivos e parte de um processo amplo do setor que tem possibilitado a chegada de mais mulheres à TI.

“A gente tem uma escassez de recursos de tecnologia que é natural e global. Isso possibilita inclusão em todos os sentidos”, avaliou a executiva. “ No caso das mulheres, isso não é diferente. Se existia um mercado mais fechado do ponto de vista de atração e de possibilidades para inserção de mulheres, isso cai por terra porque a gente tem muita necessidade de profissionais”.

Gargalo na liderança

Mas se por um lado programas afirmativos para contratação de mulheres e a alta demanda por profissionais de TI têm ampliado a presença feminina no setor, por outro a liderança feminina em TI continua sendo grande motivo de preocupação. “A porta de entrada é o recrutamento, sem dúvida. Mas a retenção e a sensação cultural de que essas mulheres são parte de fato – que elas podem dar o melhor de si e que vão ter possibilidade de chegar a esses cargos – é fundamental”, disse Mariana Horno, da Robert Half.

Dados da pesquisa CIO Survey 2020, promovida pela KPMG em parceria com a Harvey Nash, mostram que apenas 11% das lideranças globais de tecnologia são mulheres – o percentual é o mesmo registrado na edição anterior do estudo. A América Latina desponta como a região mais igualitária neste aspecto, onde 16% das lideranças de TI estão nas mãos de mulheres.

O percentual é considerado “incrivelmente baixo” pela consultoria e vai na contramão da própria receptividade de empresas a times diversos. No mesmo estudo, a KPMG constatou que 67% dos entrevistados dizem que um “bom trabalho de inclusão e diversidade” melhorou a “confiança e a colaboração” em equipes de tecnologia, além de favorecer o acesso às habilidades certas demandadas por empresas.

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Além de não estarem tão presentes em posições de liderança em TI, mulheres também são sub representadas em cargos de CEO e em posições em conselhos. Uma pesquisa realizada pela consultoria de gestão Bain & Company em parceria com o LinkedIn. A pesquisa, do primeiro trimestre de 2019, mostrou que apenas 3% dos presidentes e 5% dos presidentes de conselho das 250 maiores empresas brasileiras eram do sexo feminino.

“Ainda que tenhamos avanços nessa pauta, é importante que as companhias se comprometam constantemente com causas e iniciativas inclusivas, adotando uma postura proativa de propagação e consolidação dessas políticas de equidade de gênero”, ressaltou Luciana Batista, sócia da Bain & Company.

Para Horno, gerente sênior da Robert Half, a presença de mais mulheres em cargos de liderança é um processo que deve se acelerar nos próximos anos. Com a maior participação delas em processos de contratação para áreas de TI, é “natural” que essas profissionais avancem para cargos de liderança nos próximos anos e ampliem a margem de participação que existe hoje.

Ela ressalta, no entanto, a necessidade de políticas e de uma cultura de valorização da mulher dentro do ambiente de trabalho – o que ainda é um desafio no ambiente predominantemente masculino da TI. “[Profissionais mulheres precisam de] um ambiente saudável para se sentir parte do todo, tão valorizada quanto qualquer homem em qualquer posição”, disse Horno ao IT Forum. “O ambiente precisa proporcionar a ascensão tanto para o público feminino quanto para o masculino, é muito importante. Senão [a mulher] vai ser ascendida a um cargo, e não vai se sentir acolhida, não vai se sentir dando opiniões que são valorizadas no meio. Aí não adianta nada”.

Porta de entrada

Promovendo a entrada de mais mulheres no setor – e também de novas lideranças –, estão uma série de empresas e iniciativas que buscam ativamente a formação de mulheres para a área de TI. Esse é um déficit histórico no Brasil e no mundo. Na segunda edição do relatório “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que, em 2019, elas são minoria entre os alunos nas áreas ligadas às ciências exatas e à esfera da produção. Apenas 13,3% dos alunos de Computação e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) são mulheres, apontou o órgão.

A Digital Innovation One (DIO), plataforma de educação aberta brasileira que tem como objetivo conectar talentos a vagas de emprego de grandes multinacionais, é uma dessas empresas. Nos últimos três anos, a DIO qualificou 210 mil mulheres através de bootcamps e bolsas de estudos gratuitas em tecnologia. O número representa 30% de todos os devs qualificados pela empresa até hoje.

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Para 2022, no entanto, a meta da companhia é mais ambiciosa: a DIO busca mais do que dobrar a quantidade de mulheres treinadas em sua plataforma, capacitando 280 mil profissionais em tecnologia. Segundo a companhia, isso será feito através do desenvolvimento de novos bootcamps exclusivos para mulheres e através da distribuição de mais de 10 mil bolsas de estudos gratuitas para mulheres.

“Todas as nossas empresas parceiras estão investindo no processo de formação, qualificação e contratação de mulheres para aumentar a participação de mulheres no setor”, afirmou Iglá Generoso, CEO e fundador da DIO ao IT Forum. “É bem nítido para nós o empenho e dedicação de todas as grandes empresas do setor e reduzir o gap para a atração de talentos na TI.”

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