Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro da Ucrânia: ‘Governos devem priorizar segurança cibernética’

Em entrevista exclusiva ao IT Forum, Fedorov, que também é ministro de transformação digital, fala dos desafios da ciberguerra

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5:31 pm - 08 de agosto de 2022
Mykhailo Fedorov, vice primeiro-ministro e ministro de transformação digital da Ucrânia Mykhailo Fedorov, vice primeiro-ministro e ministro de transformação digital da Ucrânia Foto: Anton Filonenko, Daniyar Sarsenov

Se 24 de fevereiro de 2022 foi a data em que os olhos do mundo se voltaram para o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, os ciberataques começaram bem antes. O conflito envolve não só agentes terrestres de ambos os países, mas também grupos de hackers em apoio a um ou outro lado.

Em entrevista exclusiva ao IT Forum, Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro e ministro de transformação digital da Ucrânia, conta como o país está se defendendo há oito anos no campo digital e como governos e empresas de todo o mundo devem olhar e se proteger de ataques que podem acontecer em qualquer lugar.

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“A frente cibernética é a nova frente do século XXI. E os sucessos na frente cibernética são tão importantes quanto as vitórias no campo de batalha. Conseguimos construir um sistema eficaz de segurança cibernética do país em todos os níveis. Isso nos ajudou a sobreviver nos primeiros dias e garantir seu funcionamento”, disse.

Confira os melhores momentos desse bate-papo:

IT Forum: Podemos dizer que esta é a primeira guerra de código aberto do mundo? Em caso afirmativo, o que muda não apenas para a Ucrânia, mas para todo o mundo?

Mykhailo Fedorov: Desde 24 de fevereiro, o mundo assiste à guerra na Ucrânia online em tempo real. É um precedente único na história do mundo, devido ao uso ativo das mídias sociais. A verdade é simplesmente impossível de esconder. As redes sociais se tornaram uma espécie de arma para nós. Ajuda-nos a divulgar informações sobre a situação real do nosso país. Enquanto isso, as fake news espalhadas pela Rússia funcionam apenas para seu público interno e podem ser facilmente verificadas. Escolhemos a maneira mais simples e eficaz de combater a propaganda russa: espalhar a verdade. Então, o desenvolvimento das mídias sociais e a publicação imediata de evidências de guerra (shelings, ataques de mísseis, etc) é a principal diferença da guerra atual.

IT Forum: Como a Ucrânia conseguiu resistir à invasão russa por tanto tempo? Especialmente no aspecto da guerra cibernética?

Mykhailo Fedorov: A guerra da Rússia contra a Ucrânia está em andamento há oito anos, desde 2014. Durante todo esse tempo, também ocorreu no ciberespaço e aumentou significativamente nos últimos seis meses anteriores à invasão em grande escala. Todos os meses temos visto como o número de ataques cibernéticos na Ucrânia tem crescido. E em 15 de fevereiro a Rússia fez o maior ataque DDos da história da Ucrânia. Ainda assim conseguimos combatê-lo e sem dados pessoais de cidadãos ou recursos estatais destruídos ou vazados.

Vivendo ao lado de um “vizinho”, fortalecemos constantemente nossa posição em segurança cibernética, investimos nessa área, trabalhamos com parceiros internacionais e contratamos os melhores especialistas. A Ucrânia fez uma reforma abrangente de segurança cibernética; estabeleceu um Serviço Estadual de Comunicação Especial e Proteção da Informação, que é o principal órgão oficial em segurança cibernética com o inovador centro cibernético UA30. Também conseguimos construir uma cooperação eficiente entre autoridades cibernéticas: Serviço de Estado de Comunicação Especial e Proteção da Informação, Serviço de Segurança do Estado, Polícia Cibernética e nosso Ministério.

Durante oito anos estivemos sob constantes ataques cibernéticos. Mas nunca atacamos. Desde 24 de fevereiro, nossa abordagem mudou. Fortalecemos muito nossa linha de frente cibernética criando o primeiro exército de TI do mundo. É uma associação voluntária de especialistas em TI, que ajudam o estado a defender suas fronteiras digitais.

A partir de agora, após mais de cinco meses de guerra cibernética em grande escala, temos muito do que nos orgulhar. O mundo inteiro viu que a Rússia não é um estado tão poderoso como todos pensavam. Que sua imagem dos principais especialistas cibernéticos e hackers russos é apenas um mito. Isso simplesmente desmoronou devido às ações coordenadas eficazes da Ucrânia. Dos mais de 800 ciberataques da Rússia, não houve um único que pudesse causar danos reais à economia ou infraestrutura crítica da Ucrânia.

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Prédio destruído no início dos bombardeios russos contra a capital da Ucrânia, Kiev, em fevereiro de 2022. Foto: Shutterstock

IT Forum: Vemos muitos grupos de hackers apoiando a Ucrânia ou a Rússia (como Anonymous ou Conti). Como esses grupos podem influenciar e mudar a guerra cibernética?

Mykhailo Fedorov: Desde o início da invasão russa em larga escala da Ucrânia, o Anonymous anunciou claramente sua posição nas mídias sociais (Twitter); eles defenderam a Ucrânia e apoiaram o nosso lado. Sua abordagem é clara – a Rússia deve retirar as tropas da Ucrânia. Não coordenamos nossas ações com o Anonymous, no entanto, somos gratos a eles por sua posição clara sobre a Ucrânia e sua ajuda em nossa frente cibernética.

IT Forum: Como as empresas e os governos de países sem guerra, como o Brasil, devem olhar e se preparar para novos cenários cibernéticos?

Mykhailo Fedorov: A frente cibernética é a nova frente do século XXI. E os sucessos na frente cibernética são tão importantes quanto as vitórias no campo de batalha. Conseguimos construir um sistema eficaz de segurança cibernética do país em todos os níveis. Isso nos ajudou a sobreviver nos primeiros dias e garantir seu funcionamento.

Nos últimos dois anos, iniciamos duas grandes reformas: a reforma do sistema de registros estaduais com transição para soluções modernas; e a reforma do setor cibernético. Portanto, a partir de 24 de fevereiro nossa infraestrutura já estava desenvolvida e moderna. Se compararmos com um campo de batalha real, criamos uma espécie de sistema de defesa aérea contra ameaças cibernéticas. Repelimos 99,9% dos ataques vindos da Rússia.

Hoje, os governos de todos os países devem priorizar a segurança cibernética e a proteção de dados. Vivemos no mundo da tecnologia. O nível de segurança cibernética deve estar sempre alguns passos à frente da digitalização do país. É importante implementar as mais novas tecnologias em nível estadual, educar os cidadãos com alfabetização digital e sempre melhorar a segurança cibernética. E, claro, estamos prontos para compartilhar nossa experiência única de segurança cibernética com outros países.

IT Forum: A guerra cibernética na Ucrânia pode ser o início de guerras cibernéticas ainda mais impactantes no mundo?

Mykhailo Fedorov: A primeira guerra cibernética do mundo já começou: agora nosso país está no meio dela. Este é um caso único para todo o mundo onde um estado usa ferramentas cibernéticas para lançar ataques à infraestrutura de outro regularmente. Quero dizer com o que estamos lidando agora: não é um ataque cibernético separado de tempos em tempos; nossa segurança cibernética está funcionando e respondendo às ações da Rússia todos os dias. Esta guerra mostra ao mundo que os tempos modernos exigem soluções modernas. E as tecnologias são tão importantes quanto as mais novas armas para revidar e vencer esta guerra.

IT Forum: O que poderia acontecer em um cenário de guerra cibernética completo em outros países? Sem o ataque físico?

Mykhailo Fedorov: Os principais objetivos dos ataques cibernéticos são bastante semelhantes aos ataques no campo de batalha: destruir a infraestrutura crucial para o funcionamento do estado, desestabilizar a situação no país, disseminar desinformação e falsificações e impedir que os cidadãos recebam informações sobre o que o estado está fazendo para proteger e ajudá-los. No entanto, os ataques cibernéticos são ainda piores, pois são invisíveis e podem ser feitos de qualquer lugar do mundo.

Os hackers visam atingir recursos de informação do estado e infraestrutura crítica: instituições do governo central, governos estaduais e locais, setor de segurança e defesa, energia, telecomunicações, sistema bancário. Ações nocivas e desligamentos levam ao pânico entre os cidadãos e à desestabilização da situação.

Portanto, é muito importante estar preparado para possíveis ataques cibernéticos e melhorar constantemente a segurança cibernética do estado; utilizar as soluções mais inovadoras; treinar especialistas cibernéticos. É mais fácil tentar prevenir ataques do que lidar com suas consequências. A única solução que pode assegurar o país é a cooperação sistemática permanente do Estado, empresas privadas e públicas.

Também da nossa experiência: estamos testando nosso principal aplicativo gov Diia, que fornece serviços públicos e armazena eDocuments. Antes da invasão em grande escala, conseguimos fazer o desafio BugBounty para o aplicativo Diia: isso significa que hackers do bem estavam procurando por vulnerabilidades críticas na cópia do aplicativo com uma recompensa, se encontrassem algo crítico. Estamos preparando a nossa cibersegurança e protegendo constantemente os dados pessoais dos cidadãos.

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