Metas e ações afirmativas são base para a equidade de gênero em empresas

Companhias se focam em recrutamento e desenvolvimento para aumentar de número de mulheres entre funcionários e líderes

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1:15 pm - 31 de março de 2022

Entre mais de seis milhões de organizações brasileiras, somente 18,11% têm apenas sócias mulheres e 32,5% têm pelo menos uma mulher no quadro de sócios, revela um estudo realizado pela Cortex. O cenário mais desigual encontrado foi na região Centro-Oeste, com apenas 32,13% de mulheres em sociedades de empresas, seguida do Norte do país, com 32,18%. O Sul, em terceiro lugar, conta com 33%, enquanto o Sudeste e Nordeste têm 33,4% e 34%, respectivamente.

Entre os setores com maior desigualdade está o de Tecnologia da Informação, com participação feminina em sociedades de 23,74%. Os números não são mais positivos quando a discussão é sobre líderes e até colaboradoras em níveis hierárquicos mais baixos. Fechando uma série de reportagens especiais de Mês da Mulher, o IT Forum conversou com quatro líderes para entender quais ações podem mudar esse cenário.

Na RD Station, foram criados programas específicos para a área de engenharia após analisar seus colaboradores. “Nós temos um número positivo representatividade em todas as áreas. Entre 2017 e 2018, tínhamos 4% de mulheres na área de engenharia, hoje temos 24%, e nosso foco é chegar em 30%”, revela Gabriela Baptista, head de diversidade e inclusão da empresa.

A companhia tem três pilares para alcançar suas metas: recrutamento, desenvolvimento e segurança psicológica. Em seu primeiro objetivo, trabalha com as vagas afirmativas voltadas para a área de engenharia. E, segundo Gabriela, são oportunidades direcionadas que empoderam as pessoas para realmente se candidatarem para certas posições.

Já o desenvolvimento é abraçado por um programa de capacitação apenas para mulheres – que alcançou mais de mil inscrições em somente uma semana. “Ano passado nós fizemos um piloto com uma turma de quatro mulheres no início ou na transição de carreira. Hoje temos nove vagas e as pessoas que forem contratadas têm, durante seis meses, treinamentos técnicos e de soft skills”, diz Gabriela.

Seguindo a mesma trilha de recrutamento e desenvolvimento, a Plusoft fez, no meio de 2021, um programa de estágio e trainee afirmativo para mulheres, negros e pessoas da comunidade LGBTQI+. Em seis meses, todos os estagiários e trainees foram internalizados. “Nós tivemos um respaldo muito grande da gestão e fizemos um trabalho anterior com os líderes, pois é necessário preparar a gestão em relação a alguns pontos. Quando falamos de grupos minorizados, falamos de pessoas com escolaridade de não tão alta qualidade, por exemplo. Então, nós levamos em consideração as histórias e o brilho nos olhos, não somente quesitos técnicos”, frisa Silvana Cruz, head de Cultura Organizacional e Diversidade da companhia.

Atualmente, a Plusoft possui 42% de liderança feminina. Mas, olhando em todas as hierarquias, as mulheres representam aproximadamente 39% da empresa. A meta, até 2025, é chegar a 50% em todos os cargos. Silvana também frisa a importância de trabalhar com interseccionalidade: pensar em mulheres negras, pobres, trans.

Em outros casos, ainda que não haja ações diretamente ligadas à equidade de gênero, pequenas atitudes também ajudam a tornar o mercado de trabalho mais justo. “A Lalamove historicamente não tem nenhuma ação de papel para colocar lideranças femininas. Porém, nós temos quase 50% de mulheres na liderança. Uma das coisas que eu sinto e que faz muita diferença é que a nossa performance é medida pela performance. É quase como se fosse uma análise cega de quem está fazendo a avaliação de performance, sem nenhum viés. Sempre existiram objetivos e pontos de avaliação muito transparentes e muito fáceis de se mensurar e quando isso acontece a gente tira os vieses mais subjetivos, como o de gênero”, afirma Helena de Angelo e Lizo, diretora-gerente Brasil da Lalamove.

Ainda assim, diz a executiva, existem iniciativas de cada gestor da empresa. A companhia permite que sejam entrevistadas só mulheres ou negros, por exemplo, e isso depende apenas da orientação do líder. “A questão da equidade gera diversos sentimentos nas pessoas e não queremos torná-las contra. Por isso, temos que chamar todo mundo para o jogo. Temos que colocar de uma forma muito natural e ‘de repente’ você vê esses 50% de liderança acontecendo. Trazer isso para os processos seletivos é essencial, mas a gente sabe que cada gestor vai olhar para sua área de um jeito”, pondera.

Base para resultados

O foco na diversidade trouxe à Plusoft um Comitê de Diversidade, Igualdade e Inclusão. O grupo faz reuniões mensais para escolher qual tema será trabalhado no mês subsequente dentro de seus pilares (mulheres, racial e etnia, LGTQI+ e PCD), quais serão as ações de pílula. “Nós temos um tempo para falar sobre aquilo, fazemos podcast e até playlist no Spotify”, conta Silvana.

A especialista explica que é importante ter pessoas representantes de todos os grupos e que tenham lugar de fala nesses comitês, para que realmente atinja todas as pessoas. Mas há desafios, porque os colaboradores estão focados em sua demanda de trabalho e precisam entender que esse é um trabalho de propósito.

A área está presente também na RD. “Hoje nosso time entende que o nosso trabalho é olhar para a diversidade mas também mostrar a importância para as outras áreas. Qual o papel de cada um dentro da RD para a inclusão? Nós precisamos dar um suporte, direcionar e ser a área que vai coordenar e dará o direcionamento para que cada área consiga assumir essa responsabilidade”, complementa Gabriela.

Dentro deste contexto, ter metas é essencial para mostrar internamente o que está sendo feito e para ter apoio. De acordo com Gabriela, quando você tem uma meta quanto empresa, terá apoio dos líderes e dos times.

Silvana concorda com essa importância. “As metas são importantes para termos um direcionamento, dar um recorte para as pessoas para que elas sintam que está havendo um compromisso da empresa com esses pilares. Não é só um discurso, há um movimento para isso. Quando você coloca meta, você está firmando um compromisso”.

Liderança em foco

Ter líderes mulheres é um caminho sem volta. Ao menos essa é a opinião da Ana Angélica Mariano, gerente de negócios da Navegg. “Ainda são necessários aprendizados e evolução para acontecer. Nós ainda vemos, por exemplo, empresas com diferenças salarias entre homens e mulheres. Mas, hoje, temos abertura para discutir”, diz.

A executiva frisa a necessidade de as empresas e os líderes apoiarem esse novo momento de equidade. “Para que daqui a alguns anos isso não seja uma questão, ninguém tenha que se preocupar com isso, isso tem que vir de cima para que seja normal e, no futuro, as mulheres não tenham que se preocupar com isso”.

E, muito além de ter mulheres na empresa, é essencial que haja um lugar seguro para elas. Para Helena, da Lalamove, transparência e diálogo é um caminho sempre necessário. “Quando conseguimos criar pequenos núcleos e ter, por exemplo, mulheres na liderança, as pessoas também se sentem mais confortáveis de compartilhar suas dores. Eu sinto que o papel dessa liderança é olhar para o que o colaborador sentiu, o que passou nas experiências anteriores e tentar mudar isso. Acolher, escutar, mesmo sem perder o lado do negócio”.

Na Plusoft, esse lugar seguro é desenvolvido a partir de uma trilha de liderança inclusiva. Silvana explica que é essencial que a liderança esteja preparada para algumas questões em relação ao machismo, ao racismo, a preconceitos e vieses. Os líderes precisam ter a consciência social de acolher essas pessoas, tirá-las da marginalidade para que elas, de fato, tenham oportunidades.

E essa preocupação não deve ser somente das grandes corporações. “Ainda que seja uma pequena empresa, é preciso ter cuidado e pensar no futuro. Ainda que você só tenha uma vaga aberta, comece por ela para dar conscientização no time porque escalar depois é muito mais fácil”, resume Gabriela, da RD.

Números ainda são negativos

Dados da pesquisa Executivo de TI 2022, promovida pela divisão de estudos da IT Mídia, mostram que a participação feminina na cadeira de comando é de 12% – contra 88% de homens. O segmento da Indústria Digital de TI e Telecom é destaque nesse aspecto, com uma participação feminina acima da média nacional: 33% das lideranças de TI ou negócios são mulheres no setor.

Quando olhamos para onde essas líderes mulheres estão em termos de faturamento de suas empresas, a maior parte (31%) está em empresas com faturamento de até R$ 5 bilhões. 29% estão em empresas de faturamento de até R$ 500 mil; 19% em até R$ 1 bilhão; e 21% em organizações acima dos R$ 5 bilhões. Do total de mulheres respondentes, 61% atuam em companhias com menos de 3.000 funcionários.

A pesquisa também levantou uma série de observações importantes em relação à forma como mulheres líderes gerem as áreas de TI e negócios. Essas executivas são, por exemplo, mais engajadas com o tema da diversidade em suas empresas. Do total de respondentes, 44% das mulheres disseram ser embaixadoras do tema dentro de sua organização; contra apenas 23% dos homens. 96% das mulheres também apontaram que as pessoas dizem que elas têm uma “liderança inspiradora”.

Por outro lado, as habilidades técnicas de líderes mulheres não são tão reconhecidas em seus cargos. Nenhuma das respondentes disse já ter ouvido de seu time ou empresa ser “muito boa tecnicamente”. Em contrapartida, 6% dos líderes homens já ouviram isso durante sua gestão.

O estudo Executivo de TI 2022 foi realizado entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022, e contou com a participação de 469 líderes das 1.000 maiores empresas do Brasil. Entre os respondentes estão líderes das áreas de TI (CIOs, CTOs ou CDOs) e negócios (CEOs, presidentes, CMOs ou líderes de vendas).

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