IT Forum Anywhere: liderança requer confiança, mas ela não vem por decreto

Em plenária de encerramento, Zeca de Mello, Marcos Lisboa e Lídia Abdalla refletem sobre como a confiança também pode ser um diferencial competitivo

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10:07 pm - 11 de setembro de 2020

Para Zeca de Mello, doutor em Teologia e professor da Fundação Dom Cabral, há na confiança um fenômeno paradoxal. “Ao mesmo tempo que é a maior riqueza, ela é extremamente frágil”, pontua antes de parafrasear o filósofo francês Jean Paul Sartre: a confiança, “ganha-se em gotas, perde-se em litros”. Zeca foi um dos palestrantes convidados da plenária de encerramento do IT Forum Anywhere, evento virtual realizado pela IT Mídia. Coube a Zeca refletir sobre o papel da confiança na gestão e nas lideranças ao lado de Marcos Lisboa, economista e diretor presidente do Insper, e Lídia Abdalla, Presidente Executiva do Grupo Sabin Medicina Diagnóstica.

A pandemia provocada pelo coronavírus abalou não só economias mundo afora, como também tem questionado a confiança nas lideranças. “A gente tem ouvido muito que a confiança está em crise”, diz Zeca. Entretanto, uma vez fragilizada ou mesmo quebrada, é possível recuperá-la? Afinal, a confiança se tornou quase como uma missão – e um fim – para organizações mundo afora: não se vende ou não se consegue contratar talentos onde a confiança está fragilizada. “Confiança é o maior ativo que se pode ter. Mas é importante entender que ela não vem por decreto. Alguém tem o poder de delegar uma tarefa e controlar se foi feito, mas ninguém pode ordenar que se ganhe confiança”, ressalta Zeca.

Confiança é uma habilidade?

Com mais de 5.400 funcionários, a Sabin Medicina Diagnóstica também se viu diante de um desafio sem precedentes quando a pandemia pressionou, sobretudo, o setor de Saúde. Manter a operação distribuída no Brasil, diz Lídia Abdalla, exigiu boa dose de confiança entre liderança e liderados. Para a executiva, é preciso manter e buscar também profissionais que tenham capacidade de lidar com outras pessoas. “Skills relacionais”, sugere Lídia. “[Pessoas] com capacidades de lidar com problemas, de lidar com o outro e só conseguimos fazer isso com relações de confiança. Ela é um diferencial competitivo e para o cliente isso é fator de escolha para a compra ou não de uma marca”.

Confiança não necessariamente fala sobre empatia, mas ela pode pode ser conquistada por meio dela. Marcos Lisboa, presidente do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa dá como exemplo o curso de engenharia da instituição que, segundo ele, tem como princípio “começar e terminar com pessoas”. “Primeiro, você tem de entender o problema do outro e por isso empatia é fundamental. Depois de entender o problema daquele grupo, utiliza-se de técnica”, ressalta também indicando a importância da diversidade em equipes para ter diferentes perspectivas sobre um mesmo problema. Para Lisboa, a confiança é um reflexo, quase como uma consequência natural de um trabalho em equipe diverso. “Você precisa trabalhar com várias áreas do conhecimento e também ter a capacidade do diálogo. Não vai haver trabalho em equipe e empatia, se não tiver esse jogo repetido, onde as pessoas começam a acreditar umas nas outras. A confiança aparece muito naturalmente nesta forma de trabalhar”, indica.

Exercendo a confiança

Da mesma forma que não existe uma receita para se inovar, não há outra exata a seguir para criar laços de confiança. Mas na visão de Lisboa, há alguns caminhos que podem orientar as lideranças. “É a relação contínua, os valores claros e a clareza de valores e princípios. E a repetição das reuniões, das relações e você ser consistente com o que você fala. Pois o discurso é bacana, mas no dia a dia você é consistente? Você reproduz essas ações?”, provoca.

Zeca de Mello questiona o possível descompasso entre o tempo do cultivo da confiança e a pressão por resultado. “A velocidade, a aceleração que a gente vive de um lado, a gente tem todo esse discurso pelo propósito e dos valores, mas também se tem problemas como o burnout, a falta de sentido. Então, como lidar com essa tensão, é um grande desafio para as lideranças”, diz. Zeca também questiona um dos arquétipos mais tradicionais da liderança que recorre frequentemente, de forma quase inconsciente, a certas metáforas da guerra para “vencer os concorrentes”. “O líder guerreiro, como se vai a guerra o tempo inteiro, aquele que luta, acho que é uma dimensão importante. E tem-se o outro lado, você precisa de um líder mais humano, mais atento, mais empático, uma liderança baseada em valores. Como integrar isso?”, indaga.

“Esse é o desafio diário do líder, das organizações”, responde Lídia. “Não tem como desassociar uma coisa de outra. O objetivo não pode ser só o financeiro, mas claro, uma empresa precisa bater meta, ter receita, até porque, senão bater meta não tem como fazer o que a gente gosta, que é criar, investir em desenvolvimento de pessoas, responsabilidade social. Mas o objetivo final não pode ser só a meta, o indicador em si. Acho que a gente está repensando, inclusive, como as organizações precisam ser daqui para frente e são as empresas resilientes. Deixamos de falar de empresas guiadas por performance e falar de resiliência e como podemos criar empresas mais robustas. A capacidade de mudar e de adaptar-se, ter humildade para perceber rápido e mudar a rota. Não há como ter uma empresa resiliente se você não tiver relações de confiança, empatia e muita transparência”, sugere Lídia.

 

 

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