Internet das Coisas: como monetizar?

Como rentabilizar as propostas de valor da IoT (produzir, operar, manter e criar melhor) através de modelos de negócio sustentáveis

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12:15 pm - 22 de janeiro de 2019

Recente pesquisa da Forbes Insight com 700 executivos identificou que apenas metade acha que está progredindo com suas iniciativas de Internet das Coisas. 14% estão investindo maciçamente nessa tecnologia, fomentando parcerias com seus colaboradores e fornecedores para trazer uma cultura de IoT de sucesso. Desses “líderes”, 75% cresceram mais de 10% no ano fiscal mais recente, e possuem 7 vezes mais chance de crescerem do que aquelas empresas que ainda se encontram nos estágios iniciais de adoção.

Sabe-se que a IoT aumenta a receita, a lucratividade, a segurança e a fidelidade dos clientes, ao mesmo tempo que reduz e evita custos e riscos. Mas como entender o potencial de negócio dessa tecnologia? Como fazê-la parte integrante da estratégia de Transformação Digital? Esse artigo será o primeiro de uma série dedicada à IoT, buscando apresentar as principais questões a serem consideradas para essa tecnologia se tornar uma fonte de vantagens competitivas, criando novos produtos, serviços e negócios.

Antes de mais nada, vamos esclarecer a diferença entre produtos “inteligentes”, produtos “conectados” e produtos efetivamente “IoT”. Produtos “inteligentes” já existem há pelo menos 50 anos, através do uso de sistemas embarcados em objetos “burros”. O iPhone, basicamente um “produto conectado”, já existe ao menos há 10 anos. No entanto, o advento de produtos, sistemas e ambientes à base de IoT é recente. Esses produtos, sistemas ou ambientes possuem 4 componentes: uma Proposição de Valor, um Modelo, uma Aplicaçãoe um Analytics. O Modelo está intimamente ligado à Proposição de Valor do produto, traduzindo-a em variáveis, que serão coletadas, analisadas e projetadas.

Um secador de roupas baseado em IoT, por exemplo, tem como Proposição de Valor”reduzir o tempo de secagem, o uso de eletricidade e gerar economias para o consumidor”. As variáveis desse Modelo seriam a temperatura, o consumo de eletricidade e o custo (dependendo da hora que a secadora for utilizada). A Aplicação, nesse caso, seria o código desenvolvido para captar, armazenar e fornecer as informações para o Analytics. Esse último irá prever o desgaste de peças, a necessidade de manutenção geral e até a carga máxima “ótima” de roupas a serem secadas num mesmo ciclo. São esses 4 componentes integrados que constituem um genuíno produto IoT.   

Utilizando como base esses componentes de um produto IoT, pode-se identificar ao menos 4 formas dessa tecnologia gerar valor ao negócio: produzir melhor, operar melhor, manter melhor e fazer novos produtos melhor.

Produzir Melhor
Há várias maneiras de se fazer um produto melhor. Pode-se adicionar funcionalidades que os produtos concorrentes não possuem, criar-se uma experiência de uso superior ou até mesmo fazer reparos de forma preventiva. Mas a melhor forma de se agregar valor ao produto via IoT é sem dúvida através de inovação ou invenção.

Vamos tomar como exemplo um produto do mundo da medicina. As cirurgias de artroplastia total de quadril são intervenções que normalmente duram de 60 a 90 minutos e tem como objetivo restabelecer a ligação entre a cabeça do fêmur e a pélvis. Para tanto usa-se um instrumento chamado “alargador acetabular”, uma espécie de furadeira, que prepara a cavidade (acetábulo) para receber a nova cabeça de fêmur. Ocorre que, caso a temperatura do tecido ultrapasse os 55 graus centígrados, há risco de necrose óssea. E caso o alargamento não seja feito de forma perfeita, há riscos da folga na articulação, causando imensa dor ao paciente e necessidade de nova cirurgia. Uma Proposição de Valor para o alargador acetabular IoT seria então “fazer o procedimento o mais rápido possível, mantendo a saúde do paciente”. O Modelo que representará essa proposição será função da temperatura, pressão, velocidade rotacional e tempo de cirurgia. A Aplicação deverá, por sua vez, monitorar essas variáveis, baixando sempre a velocidade rotacional caso a temperatura se aproximar do limite de 55 graus. O Analytics poderá abordar várias situações, como por exemplo a probabilidade do paciente necessitar de uma segunda cirurgia de reparo.

Operar Melhor
O aumento de eficiência é sem dúvida o benefício mais conhecido da IoT. Tendo reduzido tudo que foi possível de ineficiência através de TI, foca-se agora na Internet das Coisas para reduzi-la ainda mais. Consideremos o setor elétrico. A operação eficiente das redes elétricas é um desafio há mais de 130 anos. Mesmo com o advento dos sistemas SCADA e de outras tecnologias “inteligentes”, ainda é necessário enviar turmas de campo para solucionar fisicamente os incidentes e eventos da natureza.

Vamos tomar como exemplo um “produto IoT de operação de rede elétrica”, cuja Proposição de Valor seja “reduzir custos operacionais e aumentar a disponibilidade da rede”. Nosso Modelo então considerará as variáveis ligadas ao custo de mão-de-obra, à eficiência da rede e ao tempo médio de parada da rede. A Aplicação irá monitorar todos os pontos da rede, identificando quais estão sobrecarregados, assim como atuando sobre os equipamentos e reduzindo os custos de mão-de-obra. O Analytics poderá prever a caída de árvores sobre os fios da rede, por exemplo, caso os ventos superem os 20Km/h e venham do leste.

O principal valor agregado desse tipo de produto IoT é que o Modelo pode ser aplicado a todos os “nós” da rede, desde a geração, transmissão e distribuição, até as residências dos consumidores e seus eletrodomésticos. Isso cria possibilidades absolutamente inovadoras.

Manter Melhor
Uma das primeiras coisas que vêm à mente quando se pensa em IoT para a indústria é a manutenção preventiva, buscando otimizar ativos e reduzir custos. Veremos que as possibilidades com IoT aqui são bem maiores.

O Bagger 293 é considerado o maior veículo terrestre. Uma escavadeira de 25 andares de altura e 2 campos de futebol de largura, essa máquina é utilizada para mineração, sendo capaz de remover o correspondente a 10 carros médios de material por segundo. Vamos considerar a Proposição de Valor aqui “usar IoT para aumentar o tempo de disponibilidade da máquina, assim como reduzir as paradas não planejadas”. Como Modelo, estaremos considerando a relação entre a temperatura, a carga, a velocidade angular e a frequência vibratória. A Aplicação monitorará essas variáveis e caso a temperatura fique fora da faixa ótima (20o e 110oC), atuará também lançando água sobre as juntas. O Analytics irá prever o desgaste fatal de uma determinada junta, despachando uma turma de manutenção com a peça correta, antes do incidente ocorrer ou na época de manutenção preventiva.

Fazer Novos Produtos Melhor
A categoria dos produtos “auto-quantificáveis” é um dos maiores negócios em perspectiva. Baseado em IoT, essa categoria de produtos mede nosso metabolismo e as atividades que realizamos, constituindo um mercado extremamente promissor. Vamos examinar aqui o valor agregado para o fabricante de um relógio IoT. A Proposição de Valor aqui é “utilizar os dados de um produto para lançar outros produtos”. O Modelo será baseado na usabilidade do relógio, ou seja, nas funcionalidades que estão realmente sendo utilizadas e com que frequência. O Analytics poderá então identificar, a partir de vários relógios,   quais as interfaces e funcionalidades mais usadas. Poderá também identificar quais informações säo  “monetizáveis” para outras empresas (esporte, saúde) ou clientes (competidores na mesma modalidade esportiva). A esse tipo de oportunidade chamamos de Digital Exhaust, a qual representa atualmente uma das maiores fontes de valor agregado em IoT.

A essência do valor da Internet das Coisas é a transformação de dados em informação útil, seja presente ou preditiva. Isso possibilitará ações preventivas, corretivas ou a monetização de informações. Mas como monetizar as informações?

Desafios para Monetizar o IoT
Existe uma diferença fundamental entre um produto que usa IoT e um produto comum. Além da tecnologia embarcada, é claro, o produto IoT requer uma infraestrutura por trás e constantes atualizações de software – tanto para novas funcionalidades quanto para corrigir erros. Por causa disso, um produto IoT pode custar até 10 vezes mais do que seu similar sem tecnologia. Será necessário, portanto, que o fornecedor IoT busque novas fontes de receita para sustentar esse produto.

A própria natureza dos produtos IoT leva as empresas a desenvolverem outras formas de cobrança, outros modelos de negócio. Não se trata mais do produto que é apenas vendido e entregue. Cria-se uma perspectiva de “produto-como-serviço”, e numa escala mais sofisticada, de “resultado-como-serviço”. Dentro dessa faixa de opções, os fornecedores IoT terão que adaptar seus modelos de negócio de forma cada vez mais integrada ao modelo de negócio de seus clientes. Por exemplo, se a Rolls Royce, empresa inglesa que fabrica turbinas de aviões com IoT, oferece o produto “turbina-como-serviço”, sua métrica de faturamento será “milhas voadas sobre assentos preenchidos”. Podemos ver claramente como os modelos de negócio estão se tornando cada vez mais baseados em taxa de sucesso ( “success fee”).

A Evolução dos Modelos de Negócio em IoT – B2B
Da mesma forma que a IoT está em desenvolvimento, as formas de monetizá-la também estão evoluindo. Começam pela Venda- de-produto IoT até um modelo de  Resultado-como-Serviço IoT. A diferença entre esses modelos está na sofisticação das funcionalidades, na expansão do escopo dos serviços, no grau de parceria com os clientes (e demais parceiros), assim como na forma de cobrança.

O Modelo  “Produto IoT”
Esse modelo corresponde à forma atual de se comercializar produtos IoT. Conhecido como “one-and-done”, trata-se basicamente de vender, entregar e eventualmente resolver algum problema via SAC. A diferença, conforme mencionado já, é que os produtos IoT tem uma tecnologia embarcada, com funcionalidades e atualizações automáticas. Por exemplo, o carro da Tesla recebe, via OTA (“over-the-air”), as atualizações de software para evolução do produto e correção de “bugs” (erros). Não há uma ligação maior entre o cliente e a empresa. No entanto, a Tesla já começou a utilizar analytics para obter informações de uso de seus carros, criando assim as condições de evolução para o segundo modelo:  o “Produto-Serviço IoT”, assim como para o carro auto-dirigido (driverless car).

O Modelo “Produto-Serviço IoT”
Nesse modelo, um produto físico é oferecido junto com um serviço opcional de informações. O objetivo é aproveitar os dados obtidos pelos sensores embarcados no produto e, através de analytics, identificar problemas, prevenir falhas e sugerir ações corretivas. Por exemplo, sensores em caminhões e em pneus já são uma realidade. Alguns fabricantes de pneus já oferecem serviços que auxiliam os clientes a economizar em suas frotas. Os sensores instalados nos pneus controlam variáveis como pressão, temperatura e profundidade dos sulcos, informando a hora de trocar os pneus ou a necessidade de aumentar sua pressão.

O Modelo “Serviço IoT”
O Modelo Serviço IoT não é novo. É o modelo encontrado, por exemplo, quando utilizamos “residência como serviço” no AirBnB, “carros como serviço” no Uber ou “comida como serviço” no Instacart. A diferença é a variedade de bens, equipamentos e objetos disponíveis hoje para uso enquanto serviço. Além disso, a grande mola impulsionadora desse modelo é a preferência cada vez maior dos clientes (e da sociedade em geral) de não possuir ativos, mas tão somente ter acesso a eles –  basta ver a indústria automobilística, onde desde 2015 está havendo um decréscimo no número de novas licenças de motoristas com 16 anos, nos EUA (2).

O primeiro exemplo interessante de Serviço IoT é o serviço de informações prestadas pela Rolls Royce. Através dos sensores instalados nas turbinas dos aviões, dados sobre altitude, velocidade, localização e consumo de combustível são analisados para gerar relatórios sobre a eficiência energética de cada plano de vôo. Com isso, as companhias aéreas podem comparar sua eficiência com a média do mercado, para os mesmos planos de vôos da concorrência.

O segundo exemplo, um pouco mais exótico seria o de um teatro em Barcelona, o Teatreneu, que instituiu o serviço de “pay-per-laugh”… Sensores de reconhecimento facial conseguem detectar as risadas do público, sendo que cada risada custa 0,30 Euros, chegando ao máximo de 24 Euros – 80 risadas…

O Modelo “Serviço-Resultado IoT”
A empresa chinesa ParStream (depois adquirida pela CISCO) é especialista em eficiência energética eólica. Ela instala seus sensores sem custos para o cliente. Estabelece um baseline com o cliente a partir do qual é remunerada por uma taxa de sucesso.  Essa taxa, trimestral, se baseia no aumento do faturamento ou na economia de energia proporcionada com a tecnologia. Além disso, a ParStream identifica quais turbinas estão tendo produtividade menor (considerando a velocidade, potência de geração, o ângulo das lâminas e a distância entre as turbinas), sugerindo mudanças nos ângulos das lâminas.

No modelo Serviço-Resultado IoT, o fornecedor estabelece uma parceria com o cliente, não apenas assumindo os custos iniciais de instalação de seu produto/serviço, mas faturando à base de uma taxa de sucesso.

O Modelo “Resultado-como-Serviço IoT”
As empresas americanas John Deere e AGCO, de equipamentos e maquinário agrícola, estão criando verdadeiras “plataformas” IoT, onde sensores e software, próprios e de outros fornecedores estão sendo “plugados”. O objetivo é entregar uma solução completa, um “resultado” para o cliente final. Conseguem responder perguntas do tipo “que variedade de sementes produz os melhores resultados para uma determinada geografia, clima e taxa de irrigação quando plantada, cultivada e colhida pela sua marca de equipamento agrícola?”.

Esses ecossistemas concorrentes reúnem maquinário agrícola, gerenciamento de plantio, irrigação e dados meteorológicos, proporcionando aos agricultores um “resultado” melhor: preços finais mais baixos devido à maior produtividade.

O Modelo “Resultado-como-Serviço IoT” ainda está em desenvolvimento e possui diversos desafios. O principal é o sistema de faturamento, onde uma detalhada análise da lucratividade do cliente tem que ser feita, para que se identifique qual o valor efetivamente agregado pela plataforma.

A Internet das Coisas traz imensas oportunidades para os fornecedores e prestadores de serviços de IoT, através modelos de negócio específicos, dos mais simples aos mais sofisticados. No extremo mais complexo desse continuum, riscos e os lucros são repartidos com o cliente, estabelecendo-se um verdadeiro ecossistema de clientes e fornecedores IoT. .

No entanto, para se atingir esses níveis mais sofisticados, é necessário que os fornecedores mudem suas estruturas organizacionais, o perfil de seus vendedores, de sua produção e operação.

O grande objetivo estratégico, a verdadeira corrida das empresas como Amazon, Facebook, Google e Tesla, está sendo no sentido criar uma plataforma, um ecossistema completo, focado em “resultados” para os clientes. Com essa estratégia, a empresa centralizará o contato com os clientes e dominará seu ecossistema.

A corrida já começou. E sua empresa, será uma peça no ecossistema ou o dono?

 

(*) Sérgio Hart é fundador e CEO da Cena Digital, empresa de consultoria e advising em Transformação Digital e Inovação

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