Giambiagi: estímulo do governo à competitividade digital ainda é retórica

Em entrevista exclusiva para o IT Forum, economista fala do papel da tecnologia e das startups para o desenvolvimento do País

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3:35 pm - 19 de fevereiro de 2021
O economista Fabio Giambiagi

Especialista em finanças públicas e previdência social, o Fabio Giambiagi é um escritor profícuo. Escreveu e coordenou a publicação de mais de 30 livros sobre a economia brasileira, transitando entre assuntos como regulação, desenvolvimento nacional e, claro, finanças públicas e a reforma da previdência.

Em seu último livro, “O Futuro do Brasil” (editora Atlas), que assina como organizador, também se debruça sobre temas relativos à economia digital. Para isso convidou jovens autores que elaboraram quatro capítulos a respeito de novos meios de pagamento, Big Data, inteligência de dados em política públicas e a transformação do mercado de trabalho causada por plataformas como o Uber, a chamada “uberização”.

futuro do brasil giambiagi

 

Giambiagi é graduado pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em Ciências Econômicas pela mesma instituição. Integra o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e o Departamento Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Lecionou na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e na universidade em que se formou.

Em entrevista por e-mail para o IT Forum, tratou não só desses quatro temas, mas também de como as startups são “parte essencial” da contestação e da renovação do ecossistema empresarial brasileiro. Também criticou a falta de estímulos por parte do Ministério da Economia para tornar o Brasil digitalmente mais competitivo. “Temos visto muitas dificuldades em passar da retórica para a ação.”

Leia a entrevista completa a seguir:

 

IT Forum: Considerando o cenário brasileiro atual, com pandemia e dificuldades econômicas, o senhor está otimista ou pessimista quanto ao futuro?

Fabio Giambiagi: Eu diria que é praticamente impossível ser otimista. Há anos que venho repetindo que o Brasil é um país onde o Executivo não executa, o Legislativo não legisla e o Judiciário não julga. Vou citar um pequeno caso pessoal: estou na iminência de vacinar a minha mãe contra o Covid. Ela está escalada, pelo calendário, para a semana que vem, mas pelo noticiário de hoje aparentemente as vacinas vão acabar antes. Quer dizer, estamos a quase um ano da deflagração da pandemia e o Estado brasileiro não se preparou para o bê-a-bá, que é ter um esquema de logística própria para combinar o fluxo de contratação, recebimento das vacinas e vacinação. O Brasil funciona mal e, pior, está funcionando cada vez pior. Lembro sempre das palavras de um amigo: “O Brasil me exaure”. E foram ditas há anos!

 

IT Forum: O seu livro mais recente, “O Futuro do Brasil”, aborda alguns temas relativos à chamada “economia digital”. Gostaria que o senhor falasse um pouco do livro usando esse prisma.

Giambiagi: Obrigado pela possibilidade de tratar do assunto. Eu organizei muitas coletâneas de reflexão sobre o Brasil, e como isso pode cansar um pouco o leitor, tenho que ter um pouco de imaginação para destacar a cada livro uma “pegada” um pouco diferente. Neste caso, o mote é a juventude. O propósito foi o de apresentar alguns jovens que ocuparão o palco do debate nos próximos 20 anos, quando minha geração aos poucos se retirar de cena. Foi então que um amigo, a quem apresentei as ideias do livro, me disse “ok, Fabio, gostei, mas você precisa introduzir novos temas nesse livro”. Na hora fiquei chateado, porque tinha o projeto fechado e essa abordagem me obrigava a reabrir a questão, aumentar o número de capítulos etc. Mas ele estava rigorosamente certo. Foi então que, além de falar dos “mesmos suspeitos de sempre” (reforma tributária, crise fiscal etc.), incorporei quatro capítulos muito bons elaborados por jovens autores, tratando dos novos meios de pagamento; de Big Data; da utilização de inteligência de dados para a adoção de política públicas; e da transformação do mercado de trabalho através da utilização de plataformas como Uber. Ficou um mix de temas bem interessante para o leitor, me parece.

 

IT Forum: Para o senhor que papel a tecnologia terá na retomada econômica pós-pandemia?

Giambiagi: Ela foi fundamental para manter os sinais de vida do país. Às vezes me pego pensando no que poderia ter acontecido se algo assim acontecesse 10 anos atrás. Estou trabalhando em home office há quase um ano e, como eu, milhões de pessoas, no mundo inteiro e também no Brasil. Se não tivéssemos essa possibilidade permitida hoje pela tecnologia, a economia colapsaria ou teríamos todos que ter ido ao trabalho normalmente esses meses todos, aumentando exponencialmente as possibilidades de contágio do coronavírus.

 

IT Forum: Que tecnologias específicas lhe entusiasmam? De que maneira?

Giambiagi: Eu sou filho da hiperinflação, quando a gente tinha que ir ao Banco uma vez por mês no dia do pagamento e perdia horas para aplicar o dinheiro em filas quilométricas porque ele se desvalorizava 1% ou 2% ao dia. Comparativamente a esse mundo da idade da pedra, ter a possibilidade de fazer pagamentos e transferências pelos aplicativos bancários é algo que nunca deixa de me impressionar pelo contraste com a minha juventude.

 

IT Forum: No setor de tecnologia muito se fala sobre um mundo “data driven”, muito orientado por dados analisados por inteligência artificial. Você vislumbra o mesmo futuro?

Giambiagi: Sim. Penso que é inevitável. Aquele mundo em que, por exemplo, a gente ia fazer um exame, passava pela máquina e recebia o resultado uma semana depois, após o especialista “assinar o laudo”, vai acabar. Essas coisas funcionarão com base em padrões estatísticos. Isso obrigará a uma mudança da composição da mão-de-obra. Há um par de anos visitei uma fábrica que anos atrás trabalhava, se não me engano, com 4 mil pessoas, provavelmente mal remuneradas. Quando eu voltei, havia em torno de 2 mil empregados. E o dono me disse que o objetivo era, não lembro exatamente os números, mas dessa ordem de grandeza, reduzir os funcionários para 800, e ganhando em média 50% mais. São transformações inevitáveis no mercado de trabalho.

 

IT Forum: O Brasil costuma estar mal posicionados em índices globais de competitividade digital. Esse tema está de fato no radar econômico de nosso governo?

Giambiagi: Sim, porém temos visto muitas dificuldades em passar da retórica para a ação. Tome-se o caso da abertura da economia. Ela foi anunciada com grande pompa pelo Ministro Paulo Guedes antes mesmo de assumir o Governo, mas na prática as tarifas de importação são as mesmas que as de 2018.

 

IT Forum: Na iniciativa privada há uma profusão de startups e empresas inovadoras. Que papel o senhor imagina que elas terão no futuro do país?

Giambiagi: Elas são essenciais para dar ares de renovação a nossa economia, que estava precisando. Veja, que empresários novos surgiram na área no Brasil nos últimos 10 anos? Antes você pensava em empresas onde as melhores cabeças queriam trabalhar no Brasil e pensava em empresas como as do Eike, a Odebrecht ou os bancos. No caso de uns, são histórias que não acabaram bem. E os bancos são os mesmos quatro grandes há 20 anos. É muito importante que haja desafios à competição, contestação e renovação. As startups são parte essencial desse processo.

 

Serviço:

O FUTURO DO BRASIL

Fabio Giambiagi (organizador)

Editora Atlas

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