Guilherme Felitti: ‘Eu acho que o metaverso é natimorto’

Cofundador da Novelo comenta principais tendências da tecnologia, como NFT e criptomoedas

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10:00 am - 08 de julho de 2022
Guilherme Felitti Guilherme Felitti

Jornalista e pesquisador acadêmico, Guilherme Felitti viu uma oportunidade de se reinventar em 2018, quando cofundou a Novelo, estúdio de data analytics baseado em São Paulo. Após um ano sabático, trabalhar com dados se tornou uma maneira de relacionar suas já antigas profissões com algo que ele estudava há algum tempo: programação.

Lidar com um volume gigantesco de dados e ajudar empresas a entenderem quais caminhos – e tendências – percorrer, deu a ele uma visão de fora sobre assuntos que estão na boca e cabeça de muitos líderes de tecnologia, como metaverso e NFT.

“Não, eu não acho que o metaverso vai dar certo dessa vez. Eu acho que o metaverso é natimorto. A partir do momento que o Zuckerberg fez aquela coletiva cheio de ‘festinha’, eu acho que ele já estava fadado a nascer morto. A gente já viu no mercado de tecnologia incontáveis exemplos de tecnologias ‘impostas’ pela área que a desenvolve. E hoje a gente olha no retrovisor e vê que não foi nada daquilo que estava sendo imaginado naquela época”, alerta Guilherme, em entrevista exclusiva ao IT Forum.

Confira os melhores momentos desse bate-papo:

IT Forum: Como foi a sua mudança de jornalista para um cientista de dados?

Guilherme Felitti: Eu trabalhei efetivamente como jornalista durante 13 anos. Eu fui especializado em economia e negócios, principalmente tecnologia. Em meu último emprego em redação, eu era editor e colunista, e durante esses últimos anos de jornalismo eu me senti um pouco frustrado sobre com a maneira como o jornalismo estava sendo conduzido em termos de modelo de negócios e comecei a ver alternativas. Eu fui demitido no fim de 2016 e senti um grande alívio e pensei: agora preciso pensar na minha vida.

Nos últimos anos de redação, eu estava aprendendo a programar e quanto mais eu aprendia, mais eu queria programar. Então, quando eu saí, pensei: vou fazer algo que envolva jornalismo e programação. Tirei um sabático e ficou muito claro, em 2017, que as empresas têm uma dificuldade muito grande em lidar com os dados que elas mesmas criam. Toda a empresa, independentemente do tamanho, cria uma quantidade imensa de dados e são poucas que estão prontas para saber transformá-los em inteligência.

A gente já tinha visto na Europa e nos Estados Unidos um movimento que a gente imaginava que chegaria no Brasil de operações pequenas que pegam essas empresas pela mão e falam “isso aqui dá pra fazer, isso não dá”. A Novelo data surge em 2018 com esse foco. É uma operação pequena que está crescendo agora e atendemos empresas de diferentes tamanhos para ajudá-las a entender o que elas fazem com o volume gigantesco de informação que elas produzem.

IT Forum: Em ano de eleição, não temos como não falar sobre os dados e como as fake News podem se tornar protagonistas. Como você olha esse cenário?

Guilherme Felitti: Para gente começar essa conversa, é preciso deixar claro que a Novelo não “se mete” em eleições. A gente não faz análises políticas, não ganha um real de partidos, movimentos ou candidatos. O envolvimento da Novelo na área de polícia nasce como um hobbie meu, que também sou pesquisador.

Desde 2018, parecia claro que tinham comunidades digitais que eram muito analisadas pela questão de política e outras que eram completamente ignoradas, como o YouTube. O YouTube é uma das maiores comunidades digitais no rasil e mesmo assim se dá uma atenção maior para o Twitter, por exemplo, que tem cerca de seis vezes menos brasileiros.

Então, surge como um hobbie meu, a tabular esses dados para entender o que estava acontecendo. E a partir desses dados, a genet passou a entender como se formavam essas campanhas específicas para YouTube que a gente vê até agora e que certamente serão bastante importantes para as eleições de 2022.

IT Forum: Além do contexto das redes sociais, você vê alguma responsabilidade das empresas de tecnologia nesse contexto?

Guilherme Felitti: Eu acho que essa noção de responsabilidade vai um pouco da noção dos seus fundadores e de seus líderes para entender se aquilo é bom ou não para o negócio. Eu conheço bastante gente que tem um certo medo de colocar a própria empresa em discussões políticas, ainda que seja nos moldes que temos hoje. Talvez a eleição que vamos ter em 2022 seja a mais importante desde a redemocratização e vai determinar se a gente vai continuar sendo uma democracia no Brasil em médio prazo. Ainda assim, tem gente que acha que é melhor não colocar suas empresas nessa história.

Tem fornecedores de tecnologia que não se veem impelidos adotar uma postura desse tipo. Vai um pouco de cada – não quero ser o cara que vai julgar esse tipo de coisa. A minha postura como pessoa física e pesquisador é uma e é clara, já falei várias vezes. Eu sou pró-democracia, gostaria que tivesse mais gente falando sobre isso.

IT Forum: Mudando um pouco de assunto… você já comentou que uma das suas primeiras matérias foi sobre o Second Life. Hoje, temos o metaverso… você acha que dessa vez, dará certo?

Guilherme Felitti: Não, eu não acho que o metaverso vai dar certo dessa vez. Eu acho que o metaverso é natimorto. A partir do momento que o Zuckerberg fez aquela coletiva cheio de “festinha”, eu acho que ele já estava fadado a nascer morto. A gente já viu no mercado de tecnologia incontáveis exemplos de tecnologias “impostas” pela área que a desenvolve. E hoje a gente olha no retrovisor e vê que não foi nada daquilo que estava sendo imaginado naquela época.

IT Forum: Na sua visão, o Mark Zuckemberg estaria indo por esse sentido por marketing?

Guilherme Felitti: Eu acho que junta duas coisas: por um lado você tem o problema da responsabilização. A tecnologia surge na nossa vida de maneira bastante positiva. O que acontece depois é que, com esse desenrolar do modelo de redes sociais com modelo de negócios de publicidade em que eles querem cada vez mais ter a nossa atenção, aparecem problemas sociais causados por esse uso excessivo das redes sociais.

Durante um bom tempo, o Facebook, o Google, todas essas grandes empresas contaram com a boa vontade do público. O publico continuava acreditando que toda tecnologia era para o bem e essa maré mudou nos últimos cinco anos.O público tem noção de que ao mesmo tempo essas empresas resolveram problemas tradicionais, elas introduziram alguns problemas tão ruins ou piores. E agora chega a hora da responsabilização e o Facebook que está com um problema sério – com razão e não é nada injusto – ele faz um movimento para tentar se desvencilhar de ser uma rede social. Eles falam: nosso trabalho aqui está feito e vamos para o próximo – e o próximo é o metaverso. O que parece uma tentativa desesperada de fugir da responsabilidade. Você alugou uma casa, deu uma festa gigantesca, agora eu fecho a porta e não tenho que lidar com a limpeza.

Ao mesmo tempo, você tem a questão de que essas bigtechs são empresas de publicidade. A hora que isso acontece, você olha para o futuro e pensa que tem algo mais interessante do que colocar publicidade entre um vídeo e outro ou fazendo perfis demográficos. Só que o próximo passo disso é saber não só o horário que ela acorda ou se está fora de casa, é ter outros sensores para você monetizar coisas que você não consegue hoje.

A partir do momento que você está completamente imerso no metaverso, essas empresas conseguem coletar uma série de informações que hoje elas não têm. Os óculos de realidade aumentada e suas evoluções vai colocar uma série de outros sensores para analisar, por exemplo, pressão sanguínea, o quanto alguém se angustia vendo uma imagem, para entender os medos. E a gente entra em terreno muito perigoso porque começa a fazer recortes demográficos que não são necessariamente rasos, você consegue entrar na psique da pessoa. E isso é muito perigoso em médio e longo prazo. A gente pode cogitar a possibilidade, caso todos estejamos imersos no metaverso, da monetização dos sentimentos.

IT Forum: Tem andado junto com o metaverso, o NFT. E a gente viu, no último mês, uma queda drástica nos NFTs. Estamos vendo que a tecnologia realmente esfriará?

Guilherme Felitti: A gente volta na questão da utilidade. O NFT é uma tecnologia que tenta introduzir um conceito válido para a questão da posse digital. Posse analógica, só tem uma Monalisa, todo mundo sabe que está no Louvre. ONFT fornece uma alternativa possível para se validar a posse de um bem digital. A questão é que, tal qual todas as criptomoedas, deixam de ter essa função original para se tornar um capital especulativo.

Existem aplicações que a gente pode até pensar que falam sentido com smart contracts. Mas, de novo, a gente está partindo muito da teoria. Os últimos meses, para cripto, foram terríveis e eu não estou falando só sobre desvalorização. Bitcoin perdeu 40% do valor em 2022. Já tem empresas de cripto que quebraram por causa da desvalorização.

Existem alguns desses pontos que devem rolar, devem ter alguma utilidade prática, mas ninguém encontrou ainda alguma coisa que seja matadora no sentido de justificar o que peso técnico de passar por esse processo.

Além disso, vamos lembrar, não é fácil comprar cripto. O que o pix fez em termos de movimentação de dinheiro em um ano e meio, é muito mais do que o bitcoin fez em 10 anos.

IT Forum: Eu queria voltar para o seu papel como Novelo. As empresas estão um pouco perdidas com essa quantidade de dados e tendências?

Guilherme Felitti: Eu tenho certeza. A gente está passando por um momento complicado nesse aspecto, porque você tem empresas de décadas ou séculos e que estão querendo se transformar de maneira bastante rápida. É inevitável que toda empresa de sucesso se torne uma empresa de tecnologia, independentemente de ela vender pizza ou sapato.

Não é fácil fazer essa transformação porque isso mexe com hábitos, papéis, posições. E precisa convencer a pessoas que trabalham pra você a fazer o que elas sempre fizeram de uma maneira diferente. E isso não é tecnologia, é o ser humano.

No Brasil, o mercado de 2022 está melhor do que em 2017, mas ainda está tateando e entendendo o que dá ou não dá para fazer. Uma estratégia de dados que eu acho que está resolvida é o social listening.

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