Elas estão no comando

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1:15 pm - 08 de março de 2017
mulheres

Não faz muito tempo, os departamentos de TI da maioria das empresas eram um território exclusivamente masculino. Mulheres no comando de companhias do setor, portanto, era algo inimaginável. Mas elas não se renderam. Remando na contramão, mostraram sua competência para assumirem cargos de direção, emprestando ao mercado um novo modelo de comando com valor agregado tipicamente feminino: sensibilidade 360º.

Intuição, curiosidade, humanidade, perseverança, inteligência, formação, habilidade, comprometimento, resiliência e sinceridade são os principais pontos em comum de sete executivas da área de TI, que representam nesta reportagem o crescente grupo de profissionais do sexo feminino que se vem esgueirando e tomando nas mãos o controle corporativo.

Formada em Engenharia Mecânica, Edenize Maron, gerente-geral da Rimini Street para Brasil e América Latina, empresa da área de gestão empresarial, iniciou a paixão pela TI quando ingressou na SAP em 1998 como consultora. “Foram 13 anos na consultoria e tive a oportunidade de aprender muito. Apoiava o comercial.”

Até que mais uma vez se surpreendeu ao assumir a Diretoria de Vendas da SAP em 2008. A executiva pôde reunir todos os seus conhecimentos em cada ação de venda, passar confiança para o cliente e apresentar caminhos em que a tecnologia passa a ser coadjuvante em um plano grandioso de negócios, e não mais a protagonista.

“Eu me descobri vendedora. E muito mais do que isso. Aprendi que fechar um negócio só para bater metas pode deixar escapar das mãos um bem maior. Venda é sinceridade, do contrário, acontecerá com aquele cliente uma única vez”, ensina a executiva para quem “venda é a arte do detalhe”. E nisso as mulheres são imbatíveis. “Basta ligar o radar 360º”, ensina.

Toda essa visão, na avaliação de Edenize, há quase dois anos como gerente-geral Latam da Rimini Street, a levou ao topo da SAP em 2009 e de outras empresas até aqui. “Atuar em Vendas foi fundamental para essa conquista.”

Lições de Edenize:

“Em negociações difíceis, mulher conversa, não joga a toalha”

“Quando ganha a medalha, sabe que não é sua e sim da equipe”

“No comando,  entende que os profissionais da equipe não têm de ser iguais a ela. A diversidade de estilos é um ganho inestimável”

Suando a camisa
A trilha não é nada fácil. Cristina Palmaka, presidente da SAP Brasil há quase quatro anos, estudou em escola pública e começou a vida profissional na Philips, usando o salário para pagar seus estudos na Fundação Álvares Penteado, onde formou-se em Ciências Contábeis.

“Fiz pós-graduação e MBA pela Fundação Getúlio Vargas, com extensão na Universidade do Texas (EUA). Depois, trabalhei por quase dez anos na Compaq/HP e, entre 2009 e 2010, fui vice-presidente de Vendas para pequenas e médias empresas na SAP Brasil”, relata Cristina, que também trabalhou na Microsoft antes de comandar a SAP Brasil.

Para essa presidente, um pecado que deve ser evitado é se colocar em uma ostra, ou seja, deixar de ouvir e de refletir sobre opiniões contrárias. “Do diálogo, ou mesmo de uma crítica severa, podem sair novas ideias, novos conceitos e novos direcionamentos. Ou até mesmo acréscimos ao caminho escolhido”, alerta e acrescenta: “ Se queremos ser cada vez mais respeitadas como pessoas, por nosso mérito, temos de agir da mesma forma, criando ambientes inclusivos onde quer que estejamos”.

Lições de Cristina:

“Formação acadêmica é importante, mas o conhecimento da sua empresa e dos desafios do seu negócio são primordiais para quem quer assumir um cargo de liderança”

“É importante ter uma visão abrangente e estratégica do negócio que possibilite tomadas rápidas de decisões”

“É vital manter-se atualizado nas habilidades mais requeridas para a nova realidade que a digitalização do mundo está impondo”

Diversidade como chave
Katia Ortiz, gerente-geral da ServiceNow, companhia de cloud computing, acredita que ter uma experiência diversificada na trajetória profissional é fundamental na gestão de qualquer empresa e, com certeza, ajuda a chegar à liderança.

“Estou na indústria de Tecnologia há mais de 20 anos e durante minha carreira sempre procurei ter experiências em várias áreas diferentes do negócio, como Delivery, Vendas, Marketing e Operações. Isso ajuda a aprimorar o comando”, afirma. A atuação na IBM, em 2013, como diretora de Vendas de Cloud, consolidou seu conhecimento no novo mundo.

Ouvir muito, aprender o novo, ter curiosidade e flexibilidade são as armas com as quais Katia desbrava esse mercado. “TI é um dos setores mais dinâmicos e a velocidade de mudança é assustadora (e motivante!). Estou na ServiceNow há menos de dois anos, mas a empresa hoje é muito diferente daquela de quando entrei. Ampliou o foco, dobrou o número de funcionários e ingressou em novos mercados, o que exige atenção e atualização permanentes”, destaca a executiva.

Formação em Administração e MBA ajudaram Katia a ampliar o conhecimento do mercado e das organizações. “Contudo, recentemente, li um artigo interessante que relatava a queda da demanda por esses cursos. Hoje, a procura é por outras experiências acadêmicas, mais focadas no mundo digital, na gestão de empresas com o conceito de startups, entre outros temas atuais. É a nova era.”

Lições de Katia:

“Com certeza, já cometi vários erros e aprendi muito com eles. É importante se reinventar e seguir em frente”

“Não cair na armadilha da arrogância de achar que já sabe tudo e se acomodar ao conquistar algo que pensa ser eterno. Essas posturas levam ao fracasso em algum momento”

“Fui mentora de várias mulheres e percebi uma insegurança comum sobre a capacidade para chegar ao topo. Vençam essa resistência, vocês podem com certeza!”

Força feminina
Há 20 anos na Stefanini, Monica Herrero conquistou o cargo de CEO Brasil da empresa em 2012. Ela começou a atuar na área de TI ainda jovem, quando iniciou sua carreira no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Em 1985, passou por pequenos bancos de investimento, como o Multiplic e o Garantia.  Depois migrou de vez para a área de tecnologia da informação ao ingressar na Stefanini.

A executiva usa estratégias baseadas em valor para auxiliar os clientes na busca pela eficiência operacional e sucesso nos negócios. Como parte da estratégia, aposta no processo de crescimento inorgânico e orgânico e reforça o investimento em inovação, apoiada no estímulo de ideias novas na organização e na busca de parcerias nas Universidades e com startups de tecnologia.

Formada em Matemática e com especialização em Administração de Empresas, Monica diz que embora o setor de TI seja majoritariamente masculino, as mulheres têm ampliado sua participação nesse mercado. “Atualmente, 35% dos funcionários da Stefanini são mulheres, sendo que 29% das posições de liderança são ocupadas por elas. A expectativa é ampliar esse número cada vez mais.”

Lições de Monica:

“O equilíbrio entre homens e mulheres em cargos de chefia passa pela geração de oportunidades de qualificação, independentemente de gênero”

“Homens e mulheres não são iguais e trazem diferentes experiências para o ambiente de trabalho. O que se busca é a diversidade de pensamento e de cultura”

“É importante fazer com que as mulheres acreditem nelas para que concorram a vagas em postos de liderança”

Flexibilidade
Caminhar em um terreno originalmente masculino requer  perseverança e capacidade de adequação ao ambiente. Para Georgia Nogueira Barbosa, que lidera a unidade carioca da FH, empresa de tecnologia especializada em processos de negócios e software, a área de TI tem um amplo leque de atuação e boas oportunidades para ambos os sexos.

“Mas é preciso ter facilidade de adaptação, uma vez que muitos projetos e trabalhos na área de TI são em cidades diferentes, o que resulta em muitas viagens e mudanças”, afirma a executiva que é formada em Processamento de Dados, tem especialização em Qualidade e Produtividade e é mestre em Engenharia de Produção e Sistema.

Após a graduação, Georgia foi trabalhar como analista de suporte e nos primeiros atendimentos chegou a sentir certo estranhamento por parte de alguns clientes, que provavelmente tinham a expectativa de serem atendidos por profissionais do sexo masculino. O que não impediu o avanço da sua determinação e não estancou seu processo de desenvolvimento.

Lições de Georgia:

“Conciliar vida profissional e vida pessoal nem sempre é fácil. Mas as mulheres costumam ser flexíveis e com determinação conseguem o equilíbrio”

“As dificuldades existem em qualquer profissão e o preconceito pode surgir, mas ele ‘vai embora’ quando demonstramos conhecimento e postura profissional”

Empoderada na nova era
Uma nova geração invadiu o comando de empresas, evoluídas de startups, que estão ganhando espaço cada vez mais respeitado no mercado de tecnologia da informação. E nessa seara não é incomum encontrar mulheres que arrebataram a batuta com um perfil de gerência bastante alinhado à era digital.

É o caso de Mariana Vasconcelos, fundadora e CEO da AgroSmart, startup atuante na área de TI para agronegócio. Com apenas 25 anos de idade, diz ter enfrentado o duelo pessoal de não acreditar que, como mulher, conseguiria enveredar nesse mar de desafios, povoado de navegantes masculinos. Mas seguiu em frente e trilhou um caminho de sucesso.

Formada em Administração de Empresas, Mariana teve influência da família, a maioria da área de TI, e cresceu em meio à evolução tecnológica. “Montar uma empresa focada em cloud computing com meu ex-namorado, profissional da área de TI, me impulsionou a querer saber mais”, relata.

Assim, a AgroSmart é toda digital, os cursos que aprimoraram os conhecimentos da Mariana no setor e em tecnologia foram realizados online, incluindo certificação, quebrando paradigmas de formação tradicional. “Ser digital é ser global”. E foi longe. Em 2015, a executiva foi recrutada para participar de um programa na Singularity University, escola de inovação da NASA, nos Estados Unidos.

“Foi um sonho estar lá. Três meses em contato com inovações tecnológicas voltadas aos principais problemas mundiais. Pude ver diferentes descobertas científicas em variadas frentes”, lembra. Mas não parou por aí. Em maio do ano passado, veio mais um convite. O Google a selecionou para fazer parte do programa Blackbox Connect e assim compor um grupo de 18 líderes femininas de 14 países.

“A experiência foi incrível. Trocar informações e experiências com mulheres líderes. Todas eram mães (eu era a exceção), o que é um desafio adicional, mas nunca um entrave para ascender profissionalmente. Uma delas estava grávida de oito meses, o que não a impediu de participar. Ao contrário, a motivou”, relata Mariana para quem o céu é o limite no mundo da computação em nuvem.

Lições da Mariana:

“Não se deixe levar pelo pensamento de que não conseguirá ter o mesmo desempenho que um profissional do sexo masculino. Basta querer. Não é um embate, é perseverança e confiança”

“Nós, mulheres, podemos ser muito boas sim e romper barreiras inimagináveis. Tem de confiar”

“É preciso cuidar da capacitação e estar em linha com as competências demandadas atualmente. Dessa forma, estará preparada para concorrer a vagas de comando nas empresas”

Sonho de ganhar o mundo
Apaixonada por comércio exterior, Marcia Flesch Grillo sempre sonhou em ganhar o mundo, viajar, conhecer outras culturas, ter uma experiência internacional. Formada em Administração de Empresas, a gerente-geral da francesa Dassault Systèmes para Brasil e América Latina, lembra que ao ingressar muito jovem na área administrativa e financeira das empresas sentia a surpresa no rosto dos participantes diante das suas apresentações de planejamento de budget e de fluxo de caixa. “Era uma mulher com domínio do conteúdo técnico e valor profissional”.

Ela se diverte com a habilidade feminina de sentir muito rapidamente se conseguiu ou não convencer a audiência. “Usamos o sexto sentido, a intuição, a observação 360º”, confessa. “Sabemos se estamos no caminho certo e temos a capacidade de virar o jogo muito rapidamente.”

Marcia incentiva as mulheres em suas carreiras por meio do programa da empresa, o 3DS Women’s Initiative, lançado em 2012. “O seu objetivo é construir uma comunidade multifuncional e multigerencial de mulheres que incentivam, inspiram e apoiam umas as outras. E ainda identificar oportunidades de crescimento profissional, promovendo excelente ambiente de trabalho para atrair, desenvolver promover e reter mulheres talentosas, inteligentes e ambiciosas, que apoiem os objetivos do negócio”, garante.

Marcia carrega na alma o orgulho de ser a única mulher, e não-engenheira,  a liderar uma das 12 regiões geográficas da empresa, entre os outros 11 engenheiros líderes. “É uma satisfação muito grande”.

Lições da Marcia:

“Para o sucesso na liderança, temos de estar sempre abertas a mudanças. E prontas para se adequar a diferentes culturas. A área de TI proporciona esse mix de interagir com variados países”

“A comunicação é fundamental. É preciso ter habilidade para desenvolver apresentações modernas, objetivas, instigantes e assertivas. Estudar técnicas de apresentação. Ter uma boa postura, ser elegante e usar o bom senso sempre em todas as ocasiões”

“Nunca desistir diante dos desafios que irão surgir. E serão muitos”

Mulher, mãe e profissional
Essas mulheres, perseverantes, não desistiram, seguiram em frente, mesmo diante do desafio de construir uma família em meio ao desenvolvimento profissional. Ser mãe dos filhos, do marido, dos pais, dos irmãos e, muitas vezes, de colaboradores.

Mas um segredo revelado nessa reportagem é que muito mais do que o conhecimento adquirido em toda a jornada profissional, as batalhas vencidas com o bottom rosa exibido no peito, elas afirmam, em sua maioria, que escolher um marido 4.0 é a arma secreta.

Casada há 25 anos com um engenheiro, Marcia faz questão de dizer que ele foi fundamental para que a família prosseguisse em harmonia e preservasse a segurança, educação e desenvolvimento dos filhos. “Nunca teria conseguido chegar onde cheguei sem ele”, confessa.

É o que reforça Edenize: “Meu marido, que também é engenheiro, foi um importante aliado na minha trajetória. Mas procurei buscar o equilíbrio e coloquei o pé no freio nas atividades que consumiam sobremaneira os dias, buscando mais qualidade no convívio familiar”.

Mariana, que ainda não está casada, e não tem filhos, diz estar atenta aos ensinamentos dessas líderes que acumulam o comando da família. “Já aprendi que ter um marido alinhado aos meus objetivos profissionais, que entenda minhas metas, que seja também empreendedor e que me admire é o melhor caminho”, diz. “E estou cuidando desse projeto com carinho, sem tecnologia”, sorri a comandante de TI, em meio a evolução profissional e pessoal e representante de um time cada vez maior de líderes femininas.

*Colaborou Déborah Oliveira

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