Edson Badan deixa a Ford e fala sobre carreira, TI e dá dica a futuros CIOs

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1:20 pm - 22 de fevereiro de 2016
Edson Badan deixa a Ford e fala sobre carreira

Dia 29 de fevereiro de 2016 marcará o último dia de Edson
Badan na Ford. Isso depois de quase 39 anos de casa. O executivo, que começou
na montadora como analista em 1977 e ocupava a liderança de TI há 14 anos,
deixará o posto para se aposentar. Antes de sair, contudo, ele atuou no
processo de transição, para deixar a coisas caminhando, já sob a liderança da
prata da casa Djalma Brighenti, que a partir de 1º de março responderá como CIO
da empresa para América do Sul.

Em quase uma hora de conversa, Badan falou sobre sua
trajetória na montadora, relembrou algumas histórias e chamou atenção para o
fato de a Ford não ter vivido como outras fabricantes de automóveis as ondas de
terceirização em TI e tampouco a do ERP. Bem-humorado, o executivo brincou como
momento e disse que, ao menos agora, não pensa em assumir atividades
profissionais como a de consultor, muito comum entre executivos que se
aposentam. A seguir, você confere os principais trechos da conversa.

IT Forum 365 – Depois
de quase 40 anos é possível fazer um balanço da sua carreira na Ford?

Edson Badan – É
bastante complicado, foram muitas coisas. Entrei em 1977 como analista. Na
época não existia telecom e os computadores eram off-line. Não existia um meio
de entrar com dados se não fosse cartão
perfurado
. Tínhamos um grupo de meninas digitadoras que preenchiam o papel
quadriculado e isso era imputado no sistema. Mas era um problema, um, por
exemplo, preenchia o número 5 de uma forma que parecia com a letra S e a menina
digitava rapidamente, linhas e linhas por dia (o que gerava muitas
inconsistências). Isso foi um dos apelos quando chegaram os primeiros terminais
para fazer sistema online e delegamos (o trabalho de inserir as informações)
para quem conhecia e não para um terceiro que era digitador. Essa virada trouxe
consistência de entrada de dados no sistema.

ITF 365 – Existe
alguma onda que te marcou mais?

Badan – Eu sempre
estive aqui para o que der e vier, sempre gostei muito de inovação e evolução.
Gosto de fazer pela segunda vez diferente do que fiz na primeira. Tudo que
vinha era diferente. Lembro quando testamos o fax com a Ford norte-americana
pela primeira vez, e TI sempre testa, é pioneira. Quando mandamos a primeira
imagem de planilha, passando pelo fio telefônico, foi inacreditável e é uma
tecnologia que nem durou tanto. Se olhar, o Palm também não durou muito. GPS de
carro é outro exemplo. Hoje você tem o Waze
que é mais dinâmico e real time. Diversas tecnologias vieram, contribuíram e
acabaram rapidamente pela chegada de outra mais modernas.

ITF 365 – Algum
dos acontecimentos te causou mais desafio, como o bug do milênio?

Badan – O bug do milênio não foi desafio,
montamos um grupo que tinha que mudar o campo de dado do ano de dois para
quatro dígitos para não confundir 1980 com 2080, foi trabalhoso, mas não
desafiador. Talvez um que desafiou mais foi a reserva de mercado, só importávamos mainframe e o Brasil inventou de fabricar o COBRA, que era um
computador feito aqui e era o que podíamos comprar.

Naquela época, tínhamos desafio de fazer nota fiscal na
portaria, o CPD ficava longe e quando emitíamos uma nota, alguém tinha que
buscar, então, fizemos um projeto para imprimir na portaria. Mas como fazer
isso sem terminais? Como colocar impressoras remotamente? Inventamos de comprar
um COBRA, ligar via RJE – não havia telecom via rádio, era tudo fio mesmo. Fui
à COBRA entender como usar o computador e instalei um deles e uma impressora
que eram ligados ao mainframe via RJE. O mainframe recebia informações, confeccionava
a nota fiscal e imprimia tudo na portaria. Foi muito pioneiro à época (era
1979). A Hering, em Santa Catarina, soube da iniciativa e pediu para eu ir a
fazer algo similar para eles.

ITF 365 – A TI
vive de diversas ondas, como a do outsourcing, do ERP. Como foi passar por isso?

Badan – Na
verdade, não tivemos a onda outsourcing.
Na época da onda, fazíamos tudo internamente, não tínhamos consultoria própria.
Globalmente usamos SAP para gestão
de pessoas. Todos os demais sistemas são feitos internamente. Não usamos SAP ou
qualquer outro ERP, usamos um pedaço para peças de reposição, mas é complicado.
Outros colegas terceirizaram ou usam ERP. A GM abriu na época a EDS, depois
vendeu e recentemente fez insourcing. A Ford tem algumas vagas que são
contratados de outras empresas. A Volkswagen montou a Gedas, terceirizou tudo e
era uma empresa como a EDS. Passado um tempo acabou tudo. Hoje ninguém usa 100%
terceirizado.

O apelo da GM para o insourcing foi de que a TI era
estratégica e não podia manter o conhecimento externo. Vivi terceirização
parcial, mas era mais uma flexibilidade que terceirizar. Era difícil contratar
pessoas, aumentar head count e contratávamos temporário. Temos hoje um grupo de
4 mil pessoas na Ford Índia que faz monitoramento dos sistemas. No total, a
Ford tem atualmente mais de 11 mil funcionários em TI no mundo. Por isso, te
digo que não passamos pela onda de terceirização e nem pela do ERP.

A TI era uma diferenciação de negócio e a empresa sentia
isso. Se pasteurizasse, deixava de ter essa vantagem competitiva. Por exemplo,
quando montamos fábrica da Bahia, foi a primeira no mundo onde os fornecedores
trabalham no mesmo parque. São 28 fornecedores compartilhando rede de dados e
protegendo suas informações com suas regras de confidencialidade mantidas por meio
de lans virtuais. Compartilhamos investimento feito como se fosse um
condomínio.

ITF 365 – Olhando
para trás e até comparando com seus colegas CIOs de outras montadoras, você
acha que foi uma decisão acertada não ter passado pelas ondas?

Badan – Do ponto
de vista de estratégia foi acertada. Tudo tem prós e contras. É natural que usando
um SAP tem a coisa pronta e mais fácil, mas nem sempre é verdade. Esse negócio
do SPED IN86, mandar balanço para o governo via e-Social. Diariamente são
enviadas essas informações. Fizemos isso há anos e alguns dos colegas sofrem
até hoje. E fiz porque tinha um time ágil, objetivo e que conhecia tudo. Em
alguns aspectos, você traz pronto, mas está na mão dos caras para mudanças. Não
gosto de ficar na mão de um fornecedor. Nem todo mundo está na mesma versão do
ERP, as vezes não evoluiu e não consegue ir para o mais moderno e isso gera
trauma, é custoso, trabalhoso. Colocando no balanço, prefiro o modelo que
temos.

ITF 365 – Você
consegue fazer um balanço das transformações ocorridas no cargo do CIO ao longo
desses anos de carreira?

Badan – Se fosse
no período de um ou dois anos talvez fosse mais fácil. Estou há 14 anos como
CIO e tudo mudou e tudo ficou igual nesses anos. Eu tenho certa autonomia na
região e ao mesmo tempo devo bater continência nos EUA. Já reportei para o
presidente, CFO, hoje é CFO e vai voltar para presidente. No mundo Ford sempre se
reporta para o presidente, com exceção do Brasil, foi uma mudança por carga de
trabalho. Mas minha dependência verdadeira é com o pessoal de TI dos EUA.

Sempre tivemos uma participação efetiva no grupo gestor de
TI global, eles gostam de ouvir nossa opinião. O que mudou mesmo é que nossa
participação está cada vez mais latente e, por eles, eu deveria ir até com mais
frequência para lá. Participo aqui de um comitê com o presidente e reunião com
todos diretores. Com essa conexão, estando presente na reunião, consigo saber para
onde a coisa vai e onde TI pode ajudar.

ITF 365 – Você
consegue afirmar que TI realmente faz parte do negócio na Ford?

Badan – Uma das
recomendações para o time é ser influente, se não for assim somos vaca de
presépio. Para ser influente tem que conhecer nosso campo de atuação, o que é e
para que serve, e também ser profundo conhecedor do negócio, como monta o
carro, porque a fábrica é assim, como se desenha o carro. Se em uma reunião não
se sente falta da TI, a TI já não serve, perdeu espaço. Quando esquecerem da TI
é porque não agregamos valor.

Hoje posso dizer que nós sempre trabalhamos com essa direção
e nós nos fizemos necessários. Hoje para qualquer discussão somos vitais e o
somos a para mudança da Ford, para grandes transformações. O CEO global disse
que a Ford não quer ser empresa automobilística, mas de mobilidade e, para isso,
é necessário ser baseada em TI, então, mais que influente, estamos mudando algo
que sempre falei: quando implantávamos alguma coisa com sucesso, ninguém agradecia,
mas não tem que agradecer. Você agradece água e luz para alguém? Não, e quando
falta? Liga para todos.

TI tem que ser assim, especialmente quando não é core. Não
reconhece, mas quer que funcione. Com essa nova abordagem, TI ganha função core
e isso vai para o discurso. Temos 4 áreas core na Ford: engenharia, manufatura,
marketing e vendas e garantia. Sempre interna, sem planos de ir para fora. TI,
na medida em que passa ser impactada pelos produtos, passa a ser core. Temos muita
gente destacada trabalhando na nova onda.

ITF 365 – Que
tipo de conselho você daria para quem está na carreira de TI e quer ser CIO?

Badan – Outro dia
estava lendo, mas não sei até onde é verdade, que a profissão mais estressante
que existe é CIO, depois marketing, mas será? Dá um conselho para o cara entrar
na profissão mais estressante? Temos três coisas: ser influente, ter background,
ter profundo conhecimento de TI e da empresa/setor em que atua. Não adianta
querer criar um sistema e não conhecer a Ford, os parceiros, como e quantos são
funcionários, sindicatos, restrições.

Um segundo ponto é ter claramente a razão de TI. As vezes
pergunto para os colegas e muitos dizem fazer sistema. Estamos aqui para dar a melhor
solução para o negócio e muitas vezes é orientação. Mas no afã de fazer algo,
ele quer criar sistema, pensar algo novo. Qual nosso papel aqui ou em qualquer
lugar? E um terceiro ponto é o que fazemos, nossa produção, como a gente faz. É
comum ver sistema pronto e sem relatório gerencial, por exemplo. Não é uma
coisa pensada, completa e com todo escopo. Gosto de dizer que nossa produção
tem que encantar o usuário. E as vezes faz e não agrega valor, só traz custo e
desafio para empresa. 

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